Eis que, o ano nem acabou e cá estou escrevendo algumas linhas. Eu, que prometi não escreveria uma linha a mais, guardaria tudo para o ano que se prenuncia: os tempos melhores. Quebro a promessa. Às vezes são as palavras que nos procuram, nos rodeiam, insistem - elas precisam sair. Começo agora em 2010 para findar no próximo ano, falando um pouco de saudade e amor. O amor de “parceros”.
“A saudade é o revés de um parto; a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...”. Muitos consideram estes versos da canção de Chico Buarque um dos mais fortes e marcantes – também assinto. Eu diria que é mais do que um jorro, mas uma das melhores explicações para esta coisa que dói tanto, que se chama saudade. Só as mães saberão dizer se é... Dizem que não há tradução em inglês. Talvez, porque os povos dessa língua não queiram saber dela, do sofrimento que ela trás junto – abnegam. Nós gostamos de dizer, que temos e sentimos. A saudade é uma doença da alma e sua cura só vem com o tempo; o mesmo tempo que temos para sobreviver na dor é o tempo da saudade. Para isso, o tempo também passa – ainda bem.
O quanto damos de valor às pessoas com quem convivemos? No meu último texto em 2010, disse que o Natal será sempre feliz, mesmo lembrando das pessoas queridas que nos deixaram; afinal, as crianças estão aí na sua pureza nos preenchendo com alegria e apagando a chama da dor que teima em arder. Mas, quando há perdas, não há Natal feliz; nem as crianças e nem mesmo a renovação do espírito natalino, conseguem cear conosco. Para perdas não há remédio, só o tempo. É dor mesmo.
Só quem é corajoso consegue encarar a morte e se arriscar aos seus chamamentos. Quando pessoas jovens morrem, penso que foram corajosas em ir tão cedo. Desafiaram o perigo, a última dor. Não se preocuparam com a dor de quem ficou, como se tivesse a opção de escolher, ou fossem donos do seu destino. Não somos donos de nada, nem da vida e nem da morte. Tudo que temos pertence a Deus. Quando pessoas queridas se vão, perguntamos: Por que hoje? Por que não me avisou? Por que não desviou o caminho? Por que não ficou aqui? São tantos os porquês e as respostas pairando no ar. Buscamos o conforto no colo do pai do céu. Só ele nos dá o consolo, a condição de olhar a vida novamente e encará-la de cabeça erguida.
Já escrevi em outra crônica, dos desafios que a juventude não tem medo de enfrentar. Sempre será assim, foi comigo e será com todos. Nos meus 20 anos, lembro que ia brincar meu carnaval no clube, e muitas vezes, eu e meus amigos íamos ou voltávamos em cima da carroceria de uma caminhonete, cujo motorista, mal conhecíamos e fazia manobras arriscadas. Dávamos gargalhadas da aventura e com o vento no rosto gritávamos: “massa! O cara é massa!”. Hoje, agradeço ao meu anjo da guarda, ele ia comigo sempre nessas aventuras. Mas, às vezes os anjos adormecem, ou se distraem por um segundo.
Um dos maiores sentimentos que Deus nos deu, foi o amor que vem da amizade. Este amor rompe fronteiras, distâncias, medos, angústias; ele vai além da vida... O amor por quem amamos na amizade, nunca morrerá. É para sempre o amor de “parcero”. Os amigos, nunca se esquecerão daquele que partiu, se arriscou na carroceria da caminhonete em alta velocidade, ou daquele que sumiu na curva da estrada e nunca mais olhou para trás. Ser amigo, “parcero” e verdadeiro é para poucos. Como qualquer outra relação, a amizade se constrói na doação, no companheirismo, na cumplicidade, no respeito, nos gestos. Gosto de assistir amizades verdadeiras. Fazer coisas por um amigo, que não fariam por ninguém mais, é amizade de “parcero”.
Maior que a nossa própria dor é a dor alheia; aquela que não está em nós, mas de maneira simbiótica nos contagia, nos arrepia e choramos juntos. Foge ao controle, rezamos, suplicamos e abraçamos. O que fazer para estancar a dor de quem só se vê triste? No livro “O caçador de pipas” — Khaled Hosseini (2003), Amir tinha uma dívida de honra e de amor para com seu melhor amigo; e agora ele precisava provar este amor que tanto negou, mas nunca o abandonou: amor de “parcero”. Ao contrário, seu amigo Hassan nunca deixou de declarar o seu amor. Com a coragem que nunca imaginou ter, Amir salva o filho de Hassan — seu sobrinho revelado — das mãos do Taliban. Amir fez o que seu amigo faria por ele. Depois, Amir precisava mais do que enxugar as lágrimas nos olhos do pequeno Sohrab, ele precisava botar alegria em seu rosto – a dor alheia. Quando o garoto viu a pipa no céu, Amir não acreditou, um sorriso se construiu no rosto da criança. A morte já não doía mais, era passado. Era tudo o que de melhor conseguiu realizar em toda sua vida; era luz, era ouro, era Divino, era o céu, eram estrelas... E a única coisa que Amir pode fazer no momento que a pipa se cortou, foi correr desesperadamente atrás dela — num gesto que seu amigo fazia sempre por ele —, dizendo: “Por você, eu faria isso mil vezes!”. Isso é amor. Isso é amizade de “parcero”.
(*) dedicado ao Juninho (em memória) , a todos os seus “parceros”, em especial, ao meu querido Thiago.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / janeiro de 2011.