BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Ventos da liberdade



Encerro o ano de 2014 com uma crônica falando de valores intrínsecos. Talvez seja tudo que precisamos para iniciar bem o próximo ano. 

Eu poderia perguntar ao leitor: “Em sua opinião, a palavra mais bonita que você conhece e gosta de ouvir e dizer é:”. (dois pontos e pausa) Muito provável que, a grande parte dos politicamente corretos com esse mundo cheio de dodói e falsidades, pensará pouco para dizer inequívoco: Amor. É bonito dizer amor, pega bem dizer amor, soa bacana, very cool; falar de amor dá aplausos com qualquer plateia. É um tanto quanto óbvio o amor ser a palavra de todas as bocas e tempos; de todas as rodas, de todos os lugares, línguas e povos. Mesmo que você, no fundo, odeie seu vizinho, o amor é sua palavra mais bonita. Poser.

Mas o amor, como ar cada vez mais rarefeito, tem tomado sentidos abreviados. Tentando parecer lúcido, sem fronteiras, mas em si é estado melancólico e já não existe por aí em sobejo. Nunca se odiou tanto na humanidade com tanto cinismo — ao que me parece —, nem em tempos de guerras. É instantâneo o amor: imagem de Instagram. Vazio de verdade e sabedoria. Onde há mentira, não há amor. O mundo é mentiroso nas suas entranhas e trincheiras. Discursa-se que ama a humanidade, mas se odeia em dobro — antes mesmo que o galo cante. É a desconstrução do mundo por dentro do ser humano, e tudo sem guerras e armas, só pelo encantamento de abstrações. Mentiras que destroem pela falta de amor. Você pode “amar” pets e odiar os homens, e mesmo assim ainda dizer que ama e é bonzinho. Todo mundo te aceita.

O arbítrio, aquilo que Deus, o Criador, deu ao homem e toda sua criação, poderia ter sido traduzido como ser livre, poder escolher; poder voar como plumas ao vento. Poder andar por esse mundo sem rumo, sem escala, sem medo, sem barreiras. Para distâncias curtas, a sola do sapato; para as longas, os aviões. Ser livre no mundo como morada, reino democrático e de todos os povos e línguas: sem fronteiras.

Enquanto vou reinando nestas minhas breves palavras, faço um parêntese e leio o brilhante artigo de Arnaldo Jabor no jornal "O Globo": Duplas identidades. Parei e fiquei extasiado com o que li; uma sensação que meu texto poderia ser em vão. A psicopatia tomou conta do mundo, diz ele. E pegando por esse fio condutor, posso imaginar que o mundo de hoje não está mais na polarização entre o bem e o mal, entre Jesus e Barrabás. O mundo se acovardou e já se estimula por quem lava as mãos como Pilatos ou por quem põe fogo na cidade (e foge), como César. Esses são os novos heróis. Como disse Jabor, a falta de sentimento de culpa, faz com que os psicopatas avancem sobre a humanidade.

Volto para dizer: a liberdade é a minha palavra mais bonita; nela me agarro e encho a boca para dizer e escrever: LIBERDADE. Porque penso: ela vem antes de todas as outras; ela veio antes dos dias que Deus levou para sua criação. Sem liberdade não se ama, e pior, não se vive, não se completa. Deus pôs o homem livre no mundo que ele desenhou. E assim também é fácil constatar que as prisões não são Dele. O que buscamos, então? De que adianta felicidade, sem liberdade? De que adianta o amor, se não somos livres para amar? De que adianta ter muito dinheiro sozinho e preso numa ilha? De que adianta ter asas e não saber voar?

Do antagonismo, as prisões psicológicas são as piores carceragens que podem aniquilar e destruir o ser humano. Vivemos num mundo acuados por dogmas, leis injustas, perseguições, polícias de pensamentos; de opiniões vilipendiadas e amordaçadas. Vivemos num mundos vigiados por câmeras escondidas e sob ameaça de censuras nas nossas condutas e palavras. Sem perceber e ter noção de liberdade, vamos nos deixando aprisionar em outras prisões dentro das prisões. A prisão não é a cela (imaginária) mais, mas o canto de suas paredes.

Regimes autoritários e ditaduras são os maiores inimigos da liberdade humana. O mundo já viveu (e vive) regimes ditatoriais, onde a primeira excreção é a liberdade da vida cotidiana. Eles pregam a liberdade, mas o que oferecem são prisões. Não é de hoje que a esquerda festiva idolatra e proclama ídolos odiosos de liberdade. O mundo, hoje regido por esses psicopatas (Jabor), tem mostras claras que a liberdade e a democracia estão em descompasso; não cabem nas suas praticas de poder. É preciso prender, matar, quem não se alinha, em nome de uma causa, em nome de um “mundo melhor”. Como se Deus não tivesse nos feito um paraíso longe desse mundo — não forço ninguém a acreditar — e tudo que quisermos ter, eles (os donos do mundo) nos dão aqui, na terra prometida. A fórmula opressora é essa: menos liberdade e um mundo de igualdade e melhor. Como pode isso? Não há correspondência e lógica.

Ao contrário, os regimes democráticos são os maiores propulsores da liberdade humana. Vi a entrevista que o jornalista esquerdista (como se fosse novidade) Juca Kfouri fez com o também jornalista, escritor, compositor Nelson Motta. A verdade é que, Juca, canalha, quis desmoralizá-lo ao perguntar se Nelsinho tinha virado um "direitista", por suas últimas posições políticas. Motta deu uma resposta à altura e calou o repugnante Kfouri:
"Quando fui para os EUA, o Paulo Francis, que tem uma trajetória semelhante também [a minha]: foi trotskista, foi um ícone da esquerda brasileira, foi caindo na real, talvez... O Francis falou para mim assim: ''que ótimo que vai morar aqui, agora você vai perder suas últimas ilusões...'. E verdade, eu perdi minhas ilusões. Ali morando no ventre da besta, no coração do capitalismo, como funciona aquilo... Eu via a lógica implacável que tem ali. Que não depende de vontade política; que não depende de mobilização popular; que não depende de conscientização das massas; não depende de justiça social. Abstrações, praticamente. É uma máquina colossal de emprego, de bem-estar, de renda, de liberdade, de garantias constitucionais, de justiça rápida (o cara processa, em seis meses está resolvido tudo). Os EUA tem aspectos admiráveis do capitalismo, a competitividade, a melhoria dos produtos, o respeito ao cidadão, o poder do voto. Tudo isso nos EUA é uma grande democracia"
Juca fez cara de paisagem...

Povos de civilização avançadas (primeiro mundo) descobriram o óbvio: não se vive tudo (e melhor) na vida, sem um naco de liberdade e democracia; as melhores evoluções humanas originaram dentro de um cenário democrático e livre. A prisão enlouquece, torna demente, corrói mentes. Basta ver como um condenado a anos de prisão sai para a vida social. Ele vira bicho; como passarinho quando você abre a gaiola. Ele não percebe que está livre para voos infinitos. Ele tende voltar para sua gaiola.

Assim como a palavra amor, a palavra liberdade também hoje é usurpada e muito desmoralizada. A confusão já começa quando se entende como liberdade não obedecer leis e regras; depois ridicularizar  e achincalhar as escolhas do outro, só porque é “livre” para dizer o que pensa, como aquelas feministas que querem provar que a igreja (cristã) está errada e atrasada, e quando querem se manifestar contra, não vão à praça pública, mas querem entrar nos templos. Para ser livre há que se ter ética, moral e perceber os limites.

O desrespeito às leis e à ordem não é do estado de ser livre, porque há limites para o abismo do corpo e da alma. Lembrei-me de uma conversa que tive uma vez com uma garota de programa (disfarçada de quem trabalha durante o dia e descansa à noite), quando me afrontou dizendo que não gostava de obedecer a regras (seu mundo não tem regras, pois o gozo do parceiro virá sempre, sem regras e com pagamento). Ela me disse isso com deboche. Encerrei o assunto, pois não discutiria com alguém com pouco mais de 20 anos, mas perguntei para lhe calar: “Se você não gosta de obedecer a regras e leis, experimente, de agora em diante, avançar todos os sinais vermelhos que vir pela frente…” Ela se calou e continuou a tomar sua vitamina diária para emagrecer.

Se a razão de estarmos aqui neste mundo é "ser feliz e amar", como ditam por aí nas redes sociais, então que comecemos amar ao maior bem que Deus nos deu: LIBERDADE. Ame a liberdade e será feliz, pelo menos até quando ela existir, fora e dentro de você.

O excesso de liberdade se corrige com mais liberdade” (Alexis de Tocqueville)

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Dezembro de 2014.