Anttonio Oliveira, arquiteto, urbanista e um aprendiz das palavras. Contatos: Email: anttonioarq@yahoo.com.br Twitter: @Anttonioarq Instagram: anttonioarq
BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.
Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempo – Carlos Drummond de Andrade)
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Eu Queria Ser Chico Buarque
sexta-feira, 17 de maio de 2024
Dediquem-se à rasteira, rapazes
Há tempos venho procurando essa crônica de Graciliano Ramos (em pseudônimo). Nessas linhas, naquele começo de século XX, ele dava conselhos aos brasileiros se queriam mesmo introduzir o FUTEBOL nas práticas dos esportes nacionais. O fato curioso é que, o futebol já era praticado na Europa, mas no Brasil ainda engatinhava. Dei um título meu à crônica, mas ela foi publicada a primeira vez em "O Índio", em 1921.
Pensa-se em introduzir o futebol, nesta terra. É uma lembrança que, certamente, será bem recebida pelo público, que, de ordinário, adora as novidades. Vai ser, por algum tempo, a mania, a maluqueira, a ideia fixa de muita gente. Com exceção talvez de um ou outro tísico, completamente impossibilitado de aplicar o mais insignificante pontapé a uma bola de borracha, vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha capaz de durar bem um mês.
Pois quê! A cultura física é coisa que está entre nós inteiramente descurada. Temos esportes, alguns propriamente nossos, batizados patrioticamente com bons nomes em língua de preto, de cunho regional, mas por desgraça estão abandonados pela débil mocidade de hoje. Além da inócua brincadeira de jogar sapatadas e de alguns cascudos e safanões sem valor que, de boa vontade, permutamos uns com os outros, quando somos crianças, não temos nenhum exercício. Somos, em geral, franzinos, mirrados, fraquinhos, de uma pobreza de músculos lastimável.
A parte de nosso organismo que mais se desenvolve é a orelha, graças aos puxões maternos, mas não está provado que isto seja um desenvolvimento de utilidade. Para que serve ser a gente orelhuda? O burro também possui consideráveis apêndices auriculares, o que não impede que o considerem, injustamente, o mais estúpido dos bichos. (...). Fisicamente falando, somos uma verdadeira miséria. Moles, bambos, murchos, tristes - uma lástima! Pálpebras caídas, beiços caídos, braços caídos, um caimento generalizado que faz de nós um ser desengonçado, bisonho, indolente, com ar de quem repete, desenxabido e encolhido, a frase pulha que se tornou popular: "Me deixa..." Precisamos fortalecer a carne, que a inação tornou flácida, os nervos, que excitantes estragaram, os ossos que o mercúrio escangalhou.
Consolidar o cérebro é bom, embora isto seja um órgão a que, de ordinário, não temos necessidade de recorrer. Consolidar o muque é ótimo. Convencer um adversário com argumentos de substância não é mau. Poder convencê-lo com um grosso punho cerrado diante do nariz, cabeludo e ameaçador, é magnífico. (...)
Para chegar ao soberto resultado de transformar a banha em fibra, aí vem o futebol.
Mas por que o futebol?
Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo? Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis ou não.
No caso afirmativo, seja muito bem-vinda a instituição alheia, fecundemo-la, arranjemos nela um filho híbrido que possa viver cá em casa. De outro modo, resignemo-nos às broncas tradições dos sertanejos e dos matutos. Ora, parece-nos que o futebol não se adapta a estas boas paragens do cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos serve.
Para que um costume intruso possa estabelecer-se definitivamente em um país é necessário, não só que se harmonize com a índole do povo que o vai receber, mas que o lugar a ocupar não esteja tomado por outro mais antigo, de cunho indígena. É preciso, pois, que vá preencher uma lacuna, como diz o chavão.
O do futebol não preenche coisa nenhuma, pois já temos a muito conhecida bola de palha de milho, que nossos amadores mambembes jogam com uma perícia que deixaria o mais experimentado sportman britânico de queixo caído. (...)
Temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham a certeza. Não vale o argumento de que ele tem ganho terreno nas capitais de importância. Não confundamos.
As grandes cidades estão no litoral; isto aqui é diferente, é sertão. As cidades regurgitam de gente de outras raças ou que pretende ser de outras raças; não somos mais ou menos botocudos, com laivos de sangue cabinda ou galego.
Nas cidades os viciados elegantes absorvem o ópio, a cocaína, a morfina; por aqui há pessoas que ainda fumam liamba. (...)
Estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho. O futebol, o boxe, o turfe, nada pega.
Desenvolvam os músculos, rapazes, ganhem força, desempenem a coluna vertebral. Mas não é necessário ir longe, em procura de esquisitices que têm nomes que vocês nem sabem pronunciar.
Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que tudo, o cambapé, a rasteira.
A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência!
Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro - e a rasteira nos salva.
Na vida prática, é claro que aumenta a natural tendência que possuímos para nos utilizarmos eficientemente da canela. No comércio, na indústria, nas letras e nas artes, no jornalismo, no teatro, nas cavações, a rasteira triunfa.
Cultivem a rasteira, amigos!
E se algum de vocês tiver vocação para a política, então sim, é a certeza plena de vencer com auxílio dela. É aí que ela culmina. Não há político que a não pratique. Desde S. Exa. o senhor presidente da República até o mais pançudo e beócio coronel da roça, desses que usam sapatos de trança, bochechas moles e espadagão da Guarda Nacional, todos os salvadores da pátria têm a habilidade de arrastar o pé no momento oportuno.
Muito útil, sim senhor.
Dediquem-se à rasteira, rapazes.
Publicado por © Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / maio de 2024.
segunda-feira, 13 de maio de 2024
Ruas de paralelepípedos
Um dia, fomos expor numa feira de ciência. Um fotógrafo do jornal nos clicou. No dia seguinte, estávamos na front page. Ela linda, sorrindo, olhando para a lente. Ao lado, duas meninas distraídas. E eu com meu amigo cabelo de fogo ao lado, em pé, fazendo caretas. Guardei aquele recorte, mas hoje não sei mais onde está.
Foi um dia qualquer entre 1973 e 1974. Acho que era 1974 (já tinha 12 anos). Nossa casinha passava por uma reforma. Meu pai puxou a casa até à divisa com o vizinho do lado direito. Construiu um paredão que, para rebocar, precisou erguer andaimes. Lá no alto, a cumeeira, os caibros e terças de um telhado à francesa, de uma água só. Um forro de madeira fechava nossa casa para suportar o frio do inverno. Essa era a obra necessária: espaçar centímetros e acolher.
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Copa de 1974 - por Gepp & Maia |
À noite, eu sentava no portão para vê-la vindo da escola, pontualmente às oito e quinze da noite. (Era um horário estranho para aquela escola onde ela estudava. A aula começava às quatro da tarde e ia até às oito, já no jantar.) Ali, no portão, eu fazia plantão, para vê-la desfilando suas bochechas rosadas, segurando os livros e cadernos apertados juntos aos seios já com sutiã.
Hoje, tenho respeito pelas ruas de paralelepípedos, porque elas guardam em si histórias de crianças, de peladas descalços, de brincadeiras de queimadas, enterros, procissões e paixões. O paralelepípedo é o que decora minha alma de infância. O paralelepípedo é o adorno que emoldura a simplicidade das casas. Não são ruas de passagem; são de imortais peladas, onde deixei meu dedão sangrando por muitas tardes. São ruas da feliz esperança, de paixão pelas meninas de bochechas rosadas. E tudo com o aroma bom da frigideira de batata fritas. Minha infância não teve voz, mas teve muito cheiro bom.
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Terreno Baldio
Ah, como é falsa a entrevista verdadeira! Não sei se me entendem. Eis o que eu queria dizer: — trabalho em jornal desde os treze anos e tenho 55 anos. Façam as contas. São 42 anos. Depois de 42 anos de redação, o sujeito acumulou uma experiência em nada inferior às obras completas de William Shakespeare.Posso ir à boca de cena, alçar a fronte e anunciar para a platéia: — “Eu vi tudo e sei tudo”. Não vejam imodéstia nas minhas palavras. Qualquer repórter de polícia, em fim de carreira, terá a mesmíssima vidência shakespeariana. O mérito não é nosso, mas estritamente profissional. E, depois de 42 anos de vida jornalística, posso repetir: — nada mais cínico, nada mais apócrifo do que a entrevista verdadeira.