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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Por você, faria isso mil vezes


Eis que, o ano nem acabou e cá estou escrevendo algumas linhas. Eu, que prometi não escreveria uma linha a mais, guardaria tudo para o ano que se prenuncia: os tempos melhores. Quebro a promessa. Às vezes são as palavras que nos procuram, nos rodeiam, insistem - elas precisam sair. Começo agora em 2010 para findar no próximo ano, falando um pouco de saudade e amor. O amor de “parceros”.

A saudade é o revés de um parto; a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...”. Muitos consideram estes versos da canção de Chico Buarque um dos mais fortes e marcantes – também assinto. Eu diria que é mais do que um jorro, mas uma das melhores explicações para esta coisa que dói tanto, que se chama saudade. Só as mães saberão dizer se é... Dizem que não há tradução em inglês. Talvez, porque os povos dessa língua não queiram saber dela, do sofrimento que ela trás junto – abnegam. Nós gostamos de dizer, que temos e sentimos. A saudade é uma doença da alma e sua cura só vem com o tempo; o mesmo tempo que temos para sobreviver na dor é o tempo da saudade. Para isso, o tempo também passa – ainda bem.

O quanto damos de valor às pessoas com quem convivemos? No meu último texto em 2010, disse que o Natal será sempre feliz, mesmo lembrando das pessoas queridas que nos deixaram; afinal, as crianças estão aí na sua pureza nos preenchendo com alegria e apagando a chama da dor que teima em arder. Mas, quando há perdas, não há Natal feliz; nem as crianças e nem mesmo a renovação do espírito natalino, conseguem cear conosco. Para perdas não há remédio, só o tempo. É dor mesmo.

Só quem é corajoso consegue encarar a morte e se arriscar aos seus chamamentos. Quando pessoas jovens morrem, penso que foram corajosas em ir tão cedo. Desafiaram o perigo, a última dor. Não se preocuparam com a dor de quem ficou, como se tivesse a opção de escolher, ou fossem donos do seu destino. Não somos donos de nada, nem da vida e nem da morte. Tudo que temos pertence a Deus. Quando pessoas queridas se vão, perguntamos: Por que hoje? Por que não me avisou? Por que não desviou o caminho? Por que não ficou aqui? São tantos os porquês e as respostas pairando no ar. Buscamos o conforto no colo do pai do céu. Só ele nos dá o consolo, a condição de olhar a vida novamente e encará-la de cabeça erguida.

Já escrevi em outra crônica, dos desafios que a juventude não tem medo de enfrentar. Sempre será assim, foi comigo e será com todos. Nos meus 20 anos, lembro que ia brincar meu carnaval no clube, e muitas vezes, eu e meus amigos íamos ou voltávamos em cima da carroceria de uma caminhonete, cujo motorista, mal conhecíamos e fazia manobras arriscadas. Dávamos gargalhadas da aventura e com o vento no rosto gritávamos: “massa! O cara é massa!”. Hoje, agradeço ao meu anjo da guarda, ele ia comigo sempre nessas aventuras. Mas, às vezes os anjos adormecem, ou se distraem por um segundo.

Um dos maiores sentimentos que Deus nos deu, foi o amor que vem da amizade. Este amor rompe fronteiras, distâncias, medos, angústias; ele vai além da vida... O amor por quem amamos na amizade, nunca morrerá. É para sempre o amor de “parcero”. Os amigos, nunca se esquecerão daquele que partiu, se arriscou na carroceria da caminhonete em alta velocidade, ou daquele que sumiu na curva da estrada e nunca mais olhou para trás. Ser amigo, “parcero” e verdadeiro é para poucos. Como qualquer outra relação, a amizade se constrói na doação, no companheirismo, na cumplicidade, no respeito, nos gestos. Gosto de assistir amizades verdadeiras. Fazer coisas por um amigo, que não fariam por ninguém mais, é amizade de “parcero”.

Maior que a nossa própria dor é a dor alheia; aquela que não está em nós, mas de maneira simbiótica nos contagia, nos arrepia e choramos juntos. Foge ao controle, rezamos, suplicamos e abraçamos. O que fazer para estancar a dor de quem só se vê triste? No livro “O caçador de pipas” — Khaled Hosseini (2003), Amir tinha uma dívida de honra e de amor para com seu melhor amigo; e agora ele precisava provar este amor que tanto negou, mas nunca o abandonou: amor de “parcero”. Ao contrário, seu amigo Hassan nunca deixou de declarar o seu amor. Com a coragem que nunca imaginou ter, Amir salva o filho de Hassan — seu sobrinho revelado — das mãos do Taliban. Amir fez o que seu amigo faria por ele. Depois, Amir precisava mais do que enxugar as lágrimas nos olhos do pequeno Sohrab, ele precisava botar alegria em seu rosto – a dor alheia. Quando o garoto viu a pipa no céu, Amir não acreditou, um sorriso se construiu no rosto da criança. A morte já não doía mais, era passado. Era tudo o que de melhor conseguiu realizar em toda sua vida; era luz, era ouro, era Divino, era o céu, eram estrelas... E a única coisa que Amir pode fazer no momento que a pipa se cortou, foi correr desesperadamente atrás dela — num gesto que seu amigo fazia sempre por ele —, dizendo: “Por você, eu faria isso mil vezes!”. Isso é amor. Isso é amizade de “parcero”.

(*) dedicado ao Juninho (em memória) , a todos os seus “parceros”, em especial, ao meu querido Thiago.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / janeiro de 2011.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

2010...2011 - Um balanço geral


Caros leitores (as),
O Blog encerra as atividades em 2010, mas promete voltar com tudo em 2011. É hora de fechar as portas e fazer o balanço anual.

Vou abrir um champanhe! Em 2010, foram mais de 7.000 visitas contabilizadas. Lembrando que, o marcador de estatísticas oficial do Blog só começou a registrar a partir de Junho, e o Blog foi criado em Abril. Portanto, estimo que tenha ultrapassado 8.000 visitas. Uma média de 800 visitas/mês.

Fico feliz e orgulhoso, pois nem era minha intenção virar o que virou; e grande parte disso tudo, se deve aos poucos leitores, seus comentários pertinentes e de incentivo que recebi ao longo desses 09 meses. Tudo virou fermento na alma. Como sempre disse, é prazeroso escrever com liberdade e sem o compromisso de ser “politicamente correto”. Escrevi, muitas vezes, pelo lado do “incorretismo” mesmo, sem medo de errar ou dizer algo que fosse contrário ao pensamento da maioria. Dos 20 textos que escrevi, devo ter contrariado desde Chico Buarque a Freud. Mas, e daí? Não quero e nem pretendo ser um pensador ou levantar bandeiras sobre quaisquer pensamentos. Convenço-me muito fácil quando existe a lógica, a razão e a verdade no meio; e quem levanta bandeiras abomina qualquer questionamento. No fundo, faço disso a exposição de minhas ideais. Sendo elas: boas ou não, transitórias ou perenes, e aceitando sempre discordâncias.

Só para notificação, segundo as estatísticas do Blog, o texto "O ótimo, o medíocre e o idiota. Ou: Agora falando sério, Chico..." foi o mais lido, com quase 900 acessos. Por se tratar de um texto que fala de política (num momento propício) - e se tratando também de um ídolo (meu, inclusive) -, acabou tendo toda a repercussão que teve. Na seqüência, veio o texto "Eu quero uma casa no campo", com quase 300 acessos. Destes 20 textos, somente dois foram escritores em anos anteriores: "É só aguardar..." - 2008; e "A mulher árabe"- 2007.

Quando comecei, em Abril, eu já havia escrito 03 textos. Ainda sem o Blog, os textos iam por e-mail para um seleto grupo de amigos; chegando a postar também no Portal São José dos Campos Um dia, alguém me sugeriu a ideia de criar meu próprio canto – abrigar minhas palavras num lugar só. Foi aí que nasceu o Blog. A coisa cresceu, pois a exposição foi maior, com a divulgação também nas redes sociais.

Resumindo 2010, eu diria que foi o ano da paz, do silêncio... Só escrevemos no silêncio da alma, quando verdadeiramente estamos conosco e acolhidos no nosso íntimo, agora apaziguado. Quando ouvimos somente a voz do coração - sem gritos e lamentos externos. 2010, foi o ano do meu silêncio. Assim, como meus projetos arquitetônicos, escrever também requer paz, silêncio e com um bocado de inspiração.

Para quem não leu nenhum, ou ficou sem ler alguns dos textos, segue abaixo a listagem das crônicas. Excluindo dessas: os lembretes, comentários, as conversas e publicações fora da minha autoria. Clique e leia. A espera de 2011. Até lá!

UM FELIZ ANO NOVO!


CRÔNICAS - 2010

01 - O reconhecimento do amor

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O presente de Natal


Quando decidimos reformar a casa, pedi licença à memória de meu pai — o arquiteto — e me atrevi a arranjar o projeto. Comecei e saiu. Queria ter sido mais que o arquiteto, queria ser o eterno morador da casa que meu pai construiu. Onde vivi os melhores anos da minha vida.

A arquitetura é para viver, isso já foi um conflito, agora é um conceito que carrego comigo, quando ainda sonhava com a carreira. A peleja da forma versus a função. Nossos mestres insistiam nessa polarização, que brigava um mundo belo com o necessário. Sempre pensei e me pus ao lado de que tudo tem um porquê; mesclando função com a estética: a minha arquitetura. Há que ter vida na arte para que não caia na frieza, insossa — capa de revista. Arquitetura tem alma!

Sem saber disso, meu pai foi idealizador e construtor da nossa casa. Ele, contudo, não teve um projeto discutido e aprovado; nem um par de esquadros, um escalímetro e muito menos dispunha de um Neufert para consultar antes de iniciar a sua obra. Havia, todavia, a necessidade de abrigar a família, dar guarida com alguns milheiros de tijolos de barro. Era tudo o que tinha a mão e no coração.

A casa é meu pai, ele é a casa eterna que morávamos; e somente ele a pôs de pé. O arquiteto da nossa vida. Minha irmã, não entendeu e não a culpo por isso: não ver alma por dentro do barro do tijolo. Havia pressa em retornar à velha casa e também ansiedade. Como cobrá-la a entender de arquitetura enquanto punha água para ferver, se também não sou cobrado por entender de culinária; e o máximo que aprendi sobre esta arte foi fritar um bife acebolado. Ela nunca soube quem foi Mies van der Rohe, ou quem projetou a casa da cascata foi Frank Lloyd Wright — como gomos que saem das pedras com a queda d'água. Nunca também soube, que Gaudí esculpia sua arquitetura nas formas humana e depois de pronta a desenhava: curvas sem fim.

O pedreiro também não entendeu, o pintor se esquivou. Por que o nicho na parede a revelar a parede velha, desbotada? Havia a demão da tinta, a primeira. Ela não é velha; velha é nossa dor. A cor e suas nuances me remetem ao passado: o rosa velho que meu pai pintou antes. Era a última casca de tinta, depois dela era o reboco e os tijolos de barro (sua alma). Aquela cor rosa velho era o paspatur do retrato do arquiteto construtor. Arquitetura só existe para mim se tem memória eterna. E a memória nos trás lágrimas nos olhos. A arquitetura me emociona. O pintor pintou sobre a memória com tinta branca.

Era Natal. Depois da missa do Galo, íamos para casa comer a modesta ceia preparada por minha mãe. Aquela casa pequena de parede cor rosa velho — meu pai a pôs de pé. Era raro o Natal que ele estava conosco. O trabalho, muitas vezes, o consumia até na noite de Natal. Era um preceito, pôr pão na nossa mesa. A cozinha era quente, no forno havia assados que minha mãe preparava. E a criança resistia ao sono à espera da meia noite e assim celebrar: é Natal! Depois da reza, ceávamos e conversávamos um pouco mais, para depois ir para cama. Enquanto desenrolava a conversa, com os olhos caídos de sono, eu contemplava o Menino Jesus no presépio. Era um tempo de luz incandescente e amarela, como fotografia.

Era o nascimento da esperança: como será o próximo Natal? Não havia presentes e nem árvore de bolas coloridas. Montávamos um pequeno presépio sobre a mesinha de madeira que ficava ao lado do aparelho de TV preto e branco. Os presentes vinham antes do Natal. A fábrica onde meu pai trabalhava, era o verdadeiro papai Noel que acreditávamos. Ela nos dava o único presente que ganhávamos no Natal. Nunca falhava, apesar de não poder escolher o que ganhar. Os presentes eram distribuídos conforme a idade e sexo.

Houve um Natal, porém, que o presente não veio. Meu pai adoeceu e a fábrica o afastou. Não fomos à festa de entrega e muito menos tivemos brinquedos. Esqueceram de nós. A desolação era percebida. Como um Natal sem brinquedos? Era verdade, mas não chorei (eu sentia, mas não chorava). O Natal passou sem presente. Como cobrá-lo? Aceitei calado. 
 
Alguns dias se passaram depois do Natal, e uma Kombi estacionou à nossa porta. Eu não acreditava e meus olhos brilhavam. A Kombi estava cheia de brinquedos para nós. Não que todos fossem para nós, mas havia a possibilidade de escolher um entre muitos. Até me esqueci que o Natal já havia passado. As visões que me vêm não me trazem à lembrança a cor da Kombi, se era branca, vermelha ou azul; mas de uma coisa eu não me esqueço: havia muitas bolas gigantes de plástico. Não sei qual foi o brinquedo que escolhi, não me lembro. 
 
Hoje, acredito que o serviço social da empresa, tenha sentido nossa falta no dia da entrega dos presentes e quis, assim, reparar o erro mandando aqueles brinquedos depois. Da minha cabeça, nunca mais saiu esta cena, quando a Kombi estacionou no meio da rua e o motorista perguntou pelo meu pai. Foi um dia feliz.

Acostumei-me a não ganhar muitos brinquedos na infância, e por isso me lembro dos poucos que tive. Como meu irmão escreveu em sua crônica (Você já aprendeu a descascar laranja?), nossa infância nos reservou habilidades de construir, muitas vezes, o nosso próprio brinquedo. Num aniversário — tão raro de se comemorar — eu ganhei um bumbo de plástico e com ele ensaiava uma percussão que mais atormentava do que agradava as pessoas. Lembro-me também de um caminhão basculante, de cabine vermelha e caçamba amarela — este já no Natal. Depois outro: uma mini-mesa de sinuca. 
 
Havia na minha rua, um menino que tinha muitos brinquedos em seu quarto. Brinquedo caros, diga-se. Quando era convidado, eu ia lá brincar de autorama, de forte apache e com um pião prateado gigante que, além de ter som, piscava uma luz vermelha. Eu adorava, embora soubesse que não era meu. Eu só brincava quando ele me deixava pôr a mão.

Eu já tinha 18 anos, quando meu pai partiu. Foi em 23 de dezembro de 1981. Um edema pulmonar o levou na véspera do Natal. Eu estava na sala de espera do hospital, quando o médico trouxe a notícia. Ele foi novo, quieto, sem reclamações, como sempre viveu a vida inteira. Lembro-me, que o único veículo de transporte que ele teve na vida foi uma bicicleta Hércules, que o levava e trazia do trabalho.

Já me perguntaram algumas vezes, se meu Natal passou a ser triste depois desse. Não! Nunca. As crianças estão aí preenchendo com alegria o lugar da tristeza, que às vezes insiste em brotar; e quando elas crescerem e se casarem, outras crianças virão. Crianças trazem alegria; as novenas de Natal, a esperança; a estrela de Belém nunca se apagará; e o Menino Jesus continuará na manjedoura. Como poderei ficar triste quando se anuncia o nascimento?

Para os artistas, não existem obras acabadas, elas são abandonadas por eles pelo caminho — lembrou-me um amigo. Ela foi junto com sua partida. A casa foi o presente que meu pai idealizou e ergueu com as mãos de pedreiro e alma do arquiteto que o nomeei. Ele a queria, talvez, bem mais aconchegante. Ele nos deixou assim seu presente de Natal para que um dia eu pudesse mexer e modificar a sua obra, tornando-a eterna. Com tijolos que ele mesmo assentou. Sua alma está lá. Assim, o Natal, sempre será comemorado sob o telhado que meu pai construiu.

Definitivamente, não existe Natal triste; sempre haverá o Natal, com a lembrança do baú de brinquedos que guardamos em nossa memória, em forma de saudade. FELIZ NATAL!

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / dezembro de 2010.

domingo, 5 de dezembro de 2010

2010 – a pilha está acabando...

Faz uns dois meses fiquei sem computador. E a pior coisa é quando não dispomos da ferramenta e vem a ideia, o tema para algum texto. Onde anotar? Recorri ao método antigo: caneta e papel. Gastei um pouco de tinta da minha Lamy tinteiro numa folha de papel e escrevi 02 páginas de caderno. Fechei o caderno e não abri mais. Sabia que depois que reencontrasse o texto – já na tela do computador – teria que engolir algumas lágrimas em meio àquelas palavras. Então veio. Toda vez que escrevo textos intimistas é assim: engulo lágrimas. Dei o nome de “O presente de Natal”. Esta semana estará aqui postado.

Norma Jean queria só conhecer o pai. Se o tivesse conhecido na infância, talvez, vivesse uma vida normal até a fase adulta: casaria, teria filhos... Não encontraria o sucesso e morreria tão cedo, aos 36 anos. Pai às vezes faz falta à nossa vida. Norma era Marylin Monroe.

Um dia vou escrever sobre Marylin Monroe aqui.

Bem, 2010 está indo embora e minha pilha vai se acabando também. Acredito que este seja o último texto do ano. Este ano foram 21 crônicas. Espero para 2011, um ano com bastante inspiração e afirmações, estas coisas tão necessárias ao amadurecimento. Só tenho a certeza que iremos envelhecer por mais um ano que passou. Somente os sonhos, estes nunca envelhecem.

Postado por Antônio - Dezembro/2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Lei do Happy hour


Final de ano chegando e começam as maratonas para os freqüentadores de botequins. A famosa via-sacra. Todo dia um bar  diferente, com todo mundo "junto e misturado". Confraternizações com amigos secretos (ocultos) e bebemoração. Tudo para celebrar a vida e mais um ano que passou.
Então, para o bom freqüentador, valem também as regras. Em 2009, elaborei a Lei do Happy hour para meus colegas de trabalho. Assim, ninguém  poderá dizer que infringiu as regras e foi punido sem saber.



LEI COMPLEMENTAR N°001


DE 24 DE OUTUBRO DE 2009.
Dispõe sobre as regras para adeptos e freqüentadores de HAPPY HOUR e reuniões etílicas após o expediente de trabalho e dá outras providências.

Art. 1° - Para efeito desta Lei Complementar, considera-se “HAPPY HOUR” (HH), a reunião etílica em bares, botequins ou similares dentro do perímetro urbano do município - após o expediente de trabalho e sem banho tomado; para fins de consumo e degustação de bebidas alcoólicas fermentadas e/ou destiladas;

Art. 2° - Ficam convocados para os Happy hours todos os funcionários públicos da autarquia direta ou indireta, estagiários e membros de conselhos;

Art.3º - Preferencialmente os Happy hours serão às sextas-feiras e vésperas de feriados, com inicio á 18h e sem horário para término.
Parágrafo primeiro: Eventualmente os Happy hours poderão acontecer em outros dias da semana, desde que seja publicado com antecedência no DOU e comunicados aos seus funcionários adeptos.
Parágrafo segundo: O intervalo entre um Happy hour e outro será de 15 dias, salvo os dias que caem em feriados municipais e nacionais.

Art.4º - Os bares, botequins e similares deverão ser escolhidos antecipadamente até 03 dias antes do Happy-hour.
Parágrafo único: Os locais deverão ser alternados a cada Happy hour, admitindo-se uma repetição a cada 06 meses;

Art.5º - É tolerado ao funcionário adepto do Happy hour o atraso nas reuniões de no máximo 15 minutos, salvos os casos por motivos de força maior. A permanência mínima será de 02 horas;
Parágrafo único: Os atrasos não justificados serão punidos com multa e a reincidência poderá ocorrer em eliminação do quadro de funcionários adeptos;

Art. 6° - Ficam proibidos nos dias de Happy hours:
I. Agendar compromissos depois do expediente;
II. Ir à baladas, festinhas no dia que antecede ao Happy-hour;
III. Ir à academia, cinema, estádios de futebol;
IV. Ir a velórios ou cultos religiosos;
V. Marcar festas de aniversários de filhos;
VI. Marcar reuniões de bairros, SAB´s e outras reuniões de trabalho;
VII. Ir à shopping com marido ou esposa;
VIII. Ir ao cabeleireiro e salão de beleza;
IX. Ingerir remédios antidepressivos e outros.

Art.7º - Fica proibido levar às reuniões, maridos, esposas, namorados e namoradas e outros acompanhantes chatos, babacas e que, além de não beber, detestam seus colegas de trabalho;

Art.8º - Fica permitido ao término de cada reunião, o consumo, em doses mínimas, de outros tipos de bebidas não-alcoolicas;

Art.9º - O funcionário adepto ao se ausentar antes do término do Happy hour deverá deixar paga a quantia mínima de R$30.00 (trinta reais), que ficará com quem estiver na extremidade da mesa;
Parágrafo primeiro: Se no final da reunião, com o pedido da conta, o rateio for menor que o valor de R$30,00 (trinta reais), o valor deixado não será devolvido;
Parágrafo segundo: O valor mencionado no parágrafo anterior será destinado para pagar a “saideira” dos que ficaram até o final;

Art.9º - É proibido durante as reuniões falar de assuntos de trabalho e ou fofocas de pessoas que não estão presentes;

Art.10º - É obrigatório durante o Happy hour falar de futebol, filmes, novelas, bobagens, dar risadas e outras sacanagens;

Art.11º - É proibido o excesso como: passar mal, dar vexame, vomitar no banheiro, perder o caminho de casa;

Art.12º - É proibido sair do Happy hour extremamente bêbado e dirigir veículos automotores. Ficando, o infrator sujeito às penalidades previstas no Art. 306 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro);

Art.13º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.


Prefeitura Municipal de Xerém, 23 de Outubro (sexta-feira) de 2009.

Jessé Gomes da Silva Filho (Zeca Pagodinho)
Prefeito Municipal

Postado por Antônio - Novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

1980 - a parada de sucessos


Há 30 anos, em 1980, o que se ouvia nas rádios era um estilo de música que tem nada a ver com as de hoje. Pra começar, não havia pagode, funk, axé e nem sertanejo. A base da música nacional era a chamada MPB. Como afirmei, ouvíamos 14 Bis, Fagner, Alceu Valença, Djavan, Boca Livre, Elis Regina, Rita Lee e outros da nossa MPB. No lado internacional, ainda não havia começado de fato a Era Michael Jackson, mas podíamos ouvir Pink Floyd, Roger Keny, Abba, KC & The Sunshine Band, Air Supply, Queen. A maioria dessas eram temas de novelas da época.
Era uma Parada de Sucesso de muito romantismo e de música boa. O tempo não volta, mas as canções ficam marcadas para sempre. Eu guardo todas. Ainda lembro que a rádio que mais ouvia na minha cidade era o Difusora FM, que depois mais tarde virou RD-90.
Quem quiser o arquivo em MP3 da trilha sonora que embalou 1980, eu tenho as 100 música abaixo:

1980

1 Balancê - Gal Costa
2 Another Brick In The Wall - Pink Floyd
3 Crazy Little Thing Called Love - Queen
4 Momentos - Joanna
5 Menino do Rio - Baby Consuelo
6 Toada (Na Direção do Vento) - Boca Livre
7 Lady - Kenny Rogers
8 Lost In Love - Air Supply
9 Meu Bem Querer - Djavan
10 Alô Alô Marciano - Elis Regina
11 Grito de Alerta - Maria Bethânia
12 Don't Stop Till You Get Enough - Michael Jackson
13 Sailing - Christopher Cross
14 Admirável Gado Novo - Zé Ramalho
15 20 e Poucos Anos - Fábio Jr.
16 Xanadu - Olivia Newton-John & Electric Light Orchestra
17 Foi Deus Que Fez Você - Amelinha
18 Little Jeannie - Elton John
19 Amante à Moda Antiga - Roberto Carlos
20 Mania de Você - Rita Lee
21 Magic - Olivia Newton-John
22 Coração Bobo - Alceu Valença
23 All Out Of Love - Air Supply
24 Cruisin' - Smokey Robinson
25 Demônio Colorido - Sandra Sá
26 Do That To Me One More Time - The Captain & Tennille
27 Cheiro de Mato - Fátima Guedes
28 Another One Bites The Dust - Queen
29 Noturno - Fagner
30 The Winner Takes It All - Abba
31 Bandolins - Oswaldo Montenegro
32 Canção da América - Milton Nascimento
33 With You I'm Born Again - Billy Preston & Syreeta
34 Feminina - Joyce
35 Him - Rupert Holmes
36 Babe - Styx
37 Upside Down - Diana Ross
38 Essa Tal Criatura - Leci Brandão
39 Please Don't Go - KC & The Sunshine Band
40 Sol de Primavera - Beto Guedes
41 Call Me - Blondie
42 Chega Mais - Rita Lee
43 Só Nos Resta Viver - Angela Rô Rô
44 Fame - Irene Cara
45 Shining Star - The Manhattans
46 Nosso Estranho Amor - Marina & Caetano Veloso
47Special Lady - Ray, Goodman & Brown
48 After You - Michael Johnson
49 Do Right - Paul Davis
50 Meu Amigo, Meu Herói - Zizi Possi
51 Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira - Moraes Moreira
52 Into The Night - Benny Mardones
53 Just Like You Do - Carly Simon
54 Menino Sem Juízo - Alcione
55 Eu e a Brisa - Baby Consuelo
56 More Than I Can Say - Leo Sayer
57 Noites Cariocas - Gal Costa
58 Ponto de Interrogação - Gonzaguinha
59 Gonna Get Along Without You Now - Viola Wills
60 Give Me The Night - George Benson
61 Lead Me On - Maxine Nightingale
62 I Never Fall In Love - Davitt Sigerson
63 Desesperar Jamais - Simone
64 You And I - Mireille Mathieu & Paul Anka
65 Quem Tem a Viola (Cecília) - Boca Livre
66 Quero Colo - Fábio Jr.
67 Semente do Amor - A Cor do Som
68 Shine On - L.T.D.
69 I'm So Glad That I'm A Woman - Love Unlimited
70 Ships - Barry Manilow
71 Agonia - Oswaldo Montenegro
72 Survive - Jimmy Buffett
73 Bola de Meia, Bola de Gude - 14 Bis
74 Three Times In Love - Tommy James
75 Wave - João Gilberto
76 Canção de Verão - Roupa Nova
77 Modern Girl - Sheena Easton
78 More Love - Kim Carnes
79 Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores) - Simone
80 Love I Need - Jimmy Cliff
81 Aroma - Lúcia Turnbull
82 Planeta Sonho - 14 Bis
83 Cais - Milton Nascimento
84 Escravo da Alegria - Toquinho & Vinícius
85 First Be A Woman - Leonore O'Malley
86 Clareana - Joyce
87 Fracasso - Gilliard
88 Quero Quero - Cláudio Nucci
89 Novo Tempo - Ivan Lins
90 Lembranças - Kátia
91 Meninas do Brasil - Moraes Moreira
92 Never New Love Like This Before - Stephanie Mills
93 Rua Ramalhete - Tavito
94 Faltando Um Pedaço - Djavan
95 Se Eu Quiser Falar Com Deus - Elis Regina
96 Doce de Pimenta - Olivia
97 No Night So Long - Dionne Warwick
98 Nova Manhã - 14-Bis
99 The Second Time Around – Shalamar
100 A Massa - Raimundo Sodré
 



Postado Por Antônio - Novembro / 2010

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Aqui ninguém mais ficará depois do sol...

No início da década de 80, todos os domingos, — como não havia muito o que se fazer na cidade —, a juventude joseense ia curtir o pôr do sol do Banhado, sentada no gramado da Avenida Anchieta. Ou, como chamávamos na época: Avenida Pôr do sol — era assim conhecida. Além do pôr do sol, lá rolavam as paqueras, os flertes, os olhares, tudo regado a shows musicais com artistas e bandas (conjuntos) da terra.

Lembro-me do conjunto “Revoada”, que sempre se apresentava por lá e tinha como seus integrantes o Benoit e o Fernando — esses, ainda firmes com os pés na estrada, tocando nos bares da vida. Seu repertório era a base do que ouvimos na época: 14 Bis.

Em 1980, o 14 Bis já estava no segundo disco, que tinha entre outras “Nova manhã” que foi uma das classificadas do festival da Globo e depois virou tema de uma de suas novelas. Havia também “Planeta Sonho” e “Caçador de mim”. As rádios da época — não tão influenciadas — tocavam 14 Bis, Roupa Nova, Zé Ramalho, Alceu Valença e outras bandas que despontavam como: Kid Abelha, Legião Urbana e Titãs.

Ontem, 15 de novembro, o 14 Bis veio ao SESC-SJCampos reviver em nós os bons momentos daquela época. Naqueles idos, o SESC era o grande palco do 14 Bis na cidade. Duas, três vezes ao ano eles se apresentavam aqui. Sempre com casa cheia. Fiquei saudosista ao ir ao show. Lembrei-me de muita coisa boa e em especial de um show em que eles soltaram um modelo do avião “14 Bis” sobre o ginásio lotado e ainda contavam com o Flávio Venturini como líder e vocalista da banda.

Na companhia de amigos agradáveis, colhi e agora compartilho com os leitores do Blog algumas fotos da noite de ontem. Foi bom rever, ouvir o 14 Bis; e tudo agora me trouxe a lembrança de uma frase — celebrada em uma de suas canções —, que a juventude daqueles anos pichou no muro da Avenida Pôr do sol: “Aqui ninguém mais ficará depois do sol...”.

Luciana, eu e Cláudio Venturini

Postado por Antônio - Novembro/2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A mulher polvo

Aguçam-me as provocações. É claro, com humor, e sem aquela de dedo em riste, apelativo ou coisa parecida. E provocar mulheres e seus instintos é mais prazeroso ainda. Não sou machista, mas não há melhor maneira para provocar uma mulher que se vestindo como tal. Assim, extraio delas as melhores respostas. Descubro o que mais lhes desagradam e agradam. Numa dessas minhas provocações, quando falávamos de homens e mulheres, suas relações e metáforas com objetos e animais marinhos (moluscos): homem sofá, mulher vuvuzela e mulher polvo, dei minha alfinetada por e-mail:

Boa lembrança amiga: a mulher polvo. É aquela mulher que vive num aquário adivinhando quem vai ganhar alguma competição, ou qual homem é mais lindo: Johnny Depp ou Pierce Brosnan. O problema (ou a felicidade) é que esta mulher morre muito rápida, tem vida curta em seu aquário. Vide o polvo Paul, morreu cedo. Coitado.

Agora, essa mulher polvo (de verdade) é aquela que não tem dois braços, tem oito... Depois de um árduo dia de trabalho - ela é arrimo de família -, ainda chega em casa, põe roupa pra bater, as panelas no fogão; depois dá banho e troca o filho, passa algumas peças de roupa, vê novela, põe lixo na lixeira e reclama do marido que sai para jogar futebol com os amigos e volta duas horas depois, bêbado. Esparrama-se no sofá, se apossa do controle remoto da TV e dorme roncando - sem tomar banho.

Aliás, este é o homem-bomba, ele pode explodir a qualquer momento, basta você deixar de lhe dar comida na boca e de trazer cerveja gelada. Ah! E nada de passar na frente da TV enquanto ele vê futebol. E não importa se é o time dele ou não, futebol é sagrado no universo masculino.

Eu já experimentei vários modelos de mulheres... Diziam que a melhor tinha de ser submissa; sabe aquela caixa de supermercado e com neutrox no cabelo (sem preconceito às duas coisas...) - Katy Milene Suelen -, assim você manda e desmanda e ela faz tudo. Bem, não deu certo, ela não sabe a diferença de pátena e decapê e jamais irá dar palpite no seu projeto arquitetônico. Aí você procura uma arquiteta (mesma profissão), que sabe a diferença de patena e decapê, e é linda, maravilhosa... Meses depois, ela começa a dar palpite demais no projeto da casa que você está fazendo e na tua vida também; controla tua roupa, teu apetite e o pior: a tua conta bancária. Por fim – quase já desistindo -, você arruma uma mulher de profissão oposta: advogada. PERIGO!! Muito cuidado com esta. Ela finge que te dá carinho e tudo mais, mas por trás está tramando algo contra você, vai lhe tirar o que não tem. Ferrou-se cara. Sai fora!

Desistência? Jamais!

Há salvação. Ou: uma luz se acende. Cara! Você encontrou a felicidade. Você descobriu, como eu, aos 45 minutos do segundo tempo - pra não dizer a idade - que não existe perfeição. E a melhor de todas as mulheres é a de BUNDA, PEITOS FARTOS E SÓ LHE DÁ AMOR. Ah, e não fala muito, só ouve e obedece (de cabeça baixa). Para chamá-la, é só balançar o sininho (blem-blem), ou gritar: FULANA! Ela vem correndo. Aí você chega à constatação: esta é a mulher da minha vida, estou no paraíso. Felicidade perene e sexo em abundância. Viva a bunda e o peito! Chega de mulher-polvo. Encontrei a mulher da minha vida: A mulher-bunda-peito. Antonio.

Bem, não queiram saber a resposta. Ela veio ao melhor estilo feminista, com alfinetadas também; elas detestam o machismo, embora a maioria delas se casa com seres dessa espécie. Aprendo muito mais com provocações ao universo feminino do que já aprendi em muitas conversas de botequim com meu melhor amigo homem.

Brincadeiras à parte, a melhor mesma é a mulher polvo; e acredito também, que na relação, se dará melhor com um homem de linhagem igual – polvo. Com oito braços para cada sexo, eles se entrelaçam e não há o que os desunam; sendo assim, os abraços serão afáveis, cálidos, apertados, multi, eternos, para sempre...

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / novembro de 2010.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O Alpendre

A arquitetura, como toda arte, sempre caminhou pelo tempo, de um extremo a outro, do passado ao futuro mais remoto que o homem pode vislumbrar; tecendo formas, espaços, dando movimento e definindo períodos. Das nossas casas de taipa de pilão às construções high-tech, vem permeando o universo e contando a história da humanidade. Na volta ao passado, ela encontra os seus simbolismos perdidos, numa releitura de si; como os valores módicos da vida e o que nela havia de melhor. Contraponto assim, à sofisticação, aos modismos e tudo mais que tornou a vida mais turbulenta nos nossos dias. Hoje, a vida se resume e se permite ser mais prática, acelerada, racional, individualizada; tudo num invólucro e mais longe da felicidade perene, sem fragmentos, sem barreiras. E longe de ser o dono da verdade — não discordarei dos quem pensam o contrário — coloco aqui uma visão analítica de quem observa e vive este mundo maluco e agora globalizado. Nessa síntese, talvez valesse aquela máxima: “naquele tempo era melhor...”.

Os tempos são outros e o conceito de moradia também mudou. Dos bairros predominantemente residenciais, o pouco restou; com suas ruas de paralelepípedo quase sem automóvel e de gente simples morando. Hoje não nos damos mais ao luxo e o prazer de termos casa com muro baixo e portão de madeira, onde na infância brincávamos de andar sobre os muros; e de muro em muro íamos equilibrando e pulando os portões até se espatifar na calçada — já vivi essa cena. (Sempre era divertida a aventura e dolorosa a queda.) Da calçada, sobre o muro baixo podíamos ver a casa; dos janelões: a sala, a mobília, os ornamentos, os apetrechos, os enfeites, os retratos, os quadros, as pessoas e o modo de vida daquela família. E elas? Viam a nós, que passávamos pela rua, sozinhos no nosso caminhar ou em procissões da sexta-feira da paixão. Como se nada tivéssemos que esconder um do outro. Víamos nossos interiores, assim como ver a alma da alma.

Da casa, era do seu alpendre que avistávamos a rua e quem quer que por ali passasse. No alpendre sempre havia um lugar para uma cadeira de balanço e uma gaiola de passarinho pendurada; com muretas que circundavam, é lá que ficava o “relógio” que registrava o consumo da luz. Em alguns, havia um mosaico de azulejos portugueses na parede frontal ou um pequeno oratório no nicho lateral. Sem nos esquecer dos vasos de avencas e samambaias e o piso gelado de cimento queimado ou ladrilhos vitrificados, este, nas casas dos mais abastados.

Vamos à literatura. Alpendre é o espaço coberto, reentrante, e aberto na fachada de uma casa, que dá acesso ao interior. Pois sim, o alpendre é o próprio convite à casa: adentre-se. Diferente da varanda, que é balcão, sacada, terraço. Gradeamento de sacadas ou de janelas rasgadas ao nível do pavimento. Ou: espaço saliente à casa e fora do seu corpo — desalinhado. Em sua crônica, o escritor Mário Prata define: “Mas a diferença básica é a seguinte: você vai ficar na varanda do 16º andar para ver quem? Quem é que você acha que vai passar por ali? Você acha que vai ver alguma pinta-brava? Pessoa suspeita; cafajeste” Mais adiante ele conclui: “Agora achei a palavra certa: os alpendres foram feitos para a cobiça também”.

Nos casarões coloniais, era o alpendre que fazia a divisão da parte da casa com a área social. Os alpendres centrados dividiam de um lado a capela e do outro o quarto de hóspedes, depois a porta de acesso, por fim, a casa. Por muito tempo, eram também nos alpendres que namoravam as moças de família, as recatadas. Cujo namoro tinha que ficar às vistas do pai austero e com hora marcada para pisar porta dentro. No alpendre “batíamos figurinhas” e reuníamos os moleques da rua para brincar. Dava para jogar futebol de botão e fabricar pipas também.

E os quintais? Quanto tempo eu não ouço ninguém dizer que gostaria de uma casa com um quintal grande e de terra; sem nada, solitárias árvores e a criatividade dos olhares pequeninos. Trocaram os quintais por jogos de vídeo game e internet; e as casas térreas, por conjuntos verticais — sem quintal.

Faz dois anos fiquei surpreso com uma história: quando foi indagado o que gostaria de dar a seu filho pelo seu aniversário, o ator Lázaro Ramos disse sem pestanejar: “um quintal”. Achei diferente, tudo muito simples e talvez fosse tudo o que tenha presenciado de valor na sua infância feliz. Um quintal para brincar e um alpendre para olhar a vida passar, quiçá.

No próximo projeto de casa quero ser simplista e darei a ela um alpendre. Inserida numa paisagem, um ambiente urbano ainda preservado pela vida parca do lugar, sem agredi-lo. Uma Casa para morar, para viver e guardar os dias melhores de nossas vidas. Gosto dessa viagem ao tempo que a arquitetura me proporciona, principalmente quando ela vai ao meu interior, onde me permito encontrar uma bela paisagem e com tudo aquilo que vale à pena viver de novo: uma casa com alpendre e quintal de terra.

©Antonio de Oliveira / arquiteto e urbanista / 2008- revisão Novembro de 2010.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Bastardos

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Para ficar de bem com o mal — já que ontem foi dia das bruxas — fui presenteado pelo canal telecine com o filme “Bastardos Inglórios” (2009) — Quentin Tarantino. Já perdi a conta de quantas vezes vi este filme, mas acredito que seja a quinta vez. A cada repetição uma emoção, uma descoberta. Quando vi pela primeira vez, fiquei tão fascinado que considerei o melhor filme do ano, sem o ano ter terminado e sem ver os outros. A academia deverá dar o Oscar de melhor filme, constatei. Depois lembrei que a Academy Awards não daria um prêmio de melhor filme a um filme aos moldes de Bastardos — uma ficção sobre o terceiro reich e sanguinário.

Tarantino é um consagrado diretor pelos filmes sangrias. Há quem não goste do seu estilo, mas em Bastardos ele se superou. Fez um dos seus melhores filmes. Sorte e competência teve o ator Christoph Waltz; ainda no projeto do filme, Tarantino quase desistiu de rodar o filme, pois não conseguia encontrar um ator que falasse fluentemente Inglês, Alemão, Francês e Italiano. Encontrou, por fim, Waltz. E não poderia dar outra: ele brilhou e ainda levou o Oscar de ator coadjuvante. Antes já havia ganhado o prêmio de melhor ator no festival de Cannes. Waltz fez um vilão vibrante, ácido, repugnante, eloqüente, às vezes engraçado; roubou as melhores cenas do filme. Só posso comparar a Heath Ledger como Coringa em Batman – o cavaleiro das trevas.

Quem brilhou também foi Brad Pitt no papel do caricato tenente Aldo Raine. Suas caras e falas são de dar gargalhadas e sua atuação foge completamente do seu estilo: herói e belo. Há quem pense que ele ficará com a mocinha do filme — como sempre acontece. Embora Aldo e Shosanna tivessem os mesmos objetivos: matar nazistas, mas eles não se encontram em cena nenhuma.

O filme tem como pano de fundo a segunda guerra mundial numa França tomada pelos nazistas. O Coronel da SS Hans Landa (Waltz) é condecorado pelas suas proezas de caçador de judeus. Já no inicio da trama deixa escapar das suas mãos a jovem judia Shosanna (Mélanie Laurent). Do outro lado, o tenente Aldo Raine (Brad Pitt) lidera o grupo dos bastardos, que tinha como missão eliminar nazistas.

A trilha sonora é outra genialidade do filme. Tarantino trás músicas do compositor italiano Ennio Morricone. Quem começa ver o filme, já nos caracteres, tem a impressão que verá um filme bangue-bangue à italiana dos anos sessenta.

A melhor cena — entre tantas — é a do encontro do Coronel Hans Landa com a moça judia Shosanna num restaurante. Quando todos se levantam para sair, ele a convida para continuar sentada, com o propósito de conhecê-la melhor e saber o que faz em Paris. Como verdadeiro oficial nazista e machista, não lhe dá o direito nem de escolher o que comer e beber na sobremesa daquele final de jantar. Ele mesmo diz ao garçom o que ela vai comer. Quando o garçom esquece-se de trazer creme, ele pede que traga e quando ela vai garfando o seu pedaço de torta, ele bate-lhe a mão e diz: espere o creme. Depois de muitos interrogatórios e gargalhadas de cinismo igual, ele apaga o cigarro sobre o resto de torta no prato e sai deixando a pobre Shosanna em pânico. Genial.

Para ficar de bem com o mal — dito no começo da conversa —, o filme tem um final apoteótico. Como ninguém até hoje deu Hitler como morto, ou tenha certeza de que modo ele morreu, Tarantino lhe deu uma morte digna de um ditador, populista e que, reconhecidamente, mudou os caminhos da humanidade. Ele e Goebbels morrem junto com todo o primeiro escalão do comando nazista dentro de um cinema em chamas. O cinema da mocinha judia Shosanna (Mélanie Laurent). O filme termina com a “suástica” marcada na testa do Coronel Hans pelo intrépido Tenente Aldo, dizendo: "Acho que essa pode ser minha obra-prima". Tarantino lavou a minha alma no dia das bruxas. Que seja o fim de todos os ditadores.


Postado por Antônio - Novembro 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

À francesa

Françoise Hardy
Nenhuma outra década colocou tantas beldades francesas no mundo pop, como a década de sessenta. No cinema, era o auge de Jeanne Moreau e Brigitte Bardot. Vi recentemente a comédia “Viva Maria!” — 1965. As duas atrizes estão lindas, interpretando papéis cômicos e sensuais, é claro. Moreau com 37  e Bardot com 31 anos. Balzaquianas, com as suas siluetas bem definidas, faziam duas “Marias” que viviam enfiadas em seus corpetes, arrancando suspiros dos homens em shows de strep tease, que atuavam seguindo um grupo mambembe de atores circenses. Imperdível.

Na música, a década de sessenta também trouxe a cantora Françoise Hardy. Minha memória foi despertava quando lia o livro “A Era dos festivais” e vi citado o nome de Françoise Hardy. Imediatamente veio à lembrança uma canção que fez sucesso no Brasil no início da década de setenta. Em 1968 — com 24 anos — ela veio ao Brasil participar do FIC — Festival Internacional da Canção — defendendo uma das suas belíssimas obras: “À quoi ça sert”. Sua identificação com a música brasileira foi tão contagiante, que logo depois gravou em francês a música que ganhou aquele festival, “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque. Na sua versão, a música ganhou o nome de “La ménsage”. Em 1971, ela faz novamente sucesso no Brasil depois de ter gravado o disco “La Question”, agora ao som do violão da brasileira Tuca.

O que encantava em Françoise Hardy não era somente a sua bela voz, mas a sua beleza vestida de eloquência. Sempre linda, elegante, magra e tímida; dava-se a impressão que ela não sabia que era tão bonita assim. Disfarçava sua beleza cantando. Naqueles anos, ela foi capa de muitas revistas famosas e foi, com certeza, um dos rostos mais fotografados naqueles anos.

Para o Blog, escollhi a canção “La Question”, que foi o que me fez lembrar-se de Hardy e trouxe muitas outras boas lembranças. Lá em casa havia um compacto simples “som livre”, um dos lados do disco era ela. Esta música era tema de uma novela de 1971. No site oficial de Françoise Hardy, está registrado que a letra é dela (Hardy) e a música é da violonista e compositora brasileira Tuca.




La Question
A questão
(Françoise Hardy)

Je ne sais pas qui tu peux être
Eu não sei o que você pode ser

Je ne sais pas qui tu espères
Eu não sei o que você espera

Je cherche toujours à te connaître
Procuro sempre te conhecer

Et ton silence trouble mon silence
E seu silêncio perturba meu silêncio

Je ne sais pas d'où vient le mensonge
Eu não sei da onde vem a mentira

Est-ce de ta voix qui se tait
É de tua voz que se cala

Les mondes où malgré moi je plonge
Os mundos onde, contudo eu mergulho

Sont comme un tunnel qui m'effraie
São como um túnel que me assusta

De ta distance à la mienne
De sua distância em relação à mim

On se perd bien trop souvent
Se perde sempre

Et chercher à te comprendre
E procurar te entender

C'est courir après le vent
É como correr depois do vento

Je ne sais pas pourquoi je reste
Eu não sei por que eu fico

Dans une mer où je me noie
Em um mar onde eu me afogo

Je ne sais pas pourquoi je reste
Eu não sei por que eu fico

Dans un air qui m'étouffera
em um ar que me sufoca

Tu es le sang de ma blessure
Você é o sangue da minha ferida

Tu es le feu de ma brûlure
Você é o fogo da minha queimadura

Tu es ma question sans réponse
Você é minha pergunta sem resposta

Mon cri muet et mon silence.
Meu grito mudo e meu silêncio.

Postado por Antônio - Outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O ótimo, o medíocre e o idiota. Ou: Agora falando sério, Chico...

Começo escrevendo estas linhas ouvindo na minha vitrola virtual um dos meus álbuns favoritos. O disco “Meus caros amigos” de Chico Buarque, era obrigatoriamente tocado todos os dias lá em casa. Ainda fervilha na memória o som da agulha chiando (xii...) antes de entrar - sem introdução – a voz de Chico: “O que será que será / Que andam suspirando pelas alcovas...”. Em 1976, Chico ainda compunha suas canções de protesto sob metáforas. Muitas dessas músicas, hoje conhecidas, não existiriam se não houvesse a censura. A censura, ao contrário que muita gente imagina, o estimulava a criar.

Naquela época, o fedelho cronista aqui, queria ser Chico Buarque. Fiz alguns versos, mas nunca chegaram nem perto da sua genialidade, é claro. Então fui me ter com o violão e desse disco só saiu “Mulheres de Atenas”, cujos acordes e dedilhados sei décor até hoje. Só não me peçam para interpretá-la, pois sua letra é complexa e tem seis estrofes longas. Nem Chico sabia décor e por isso gravou o especial da TV Bandeirantes, com a letra ao lado. Essa vergonha de tocar violão em publico já me rubrou a face muitas vezes. Não toco.

Poucas pessoas sabem, mas sou assíduo freqüentador do Blog do jornalista político Reinaldo Azevedo. Petistas o detestam, e por eles o detestarem é que ele deve ser bom mesmo e deve ser lido. É uma lógica fácil de compreender, Reinaldo gosta de tratar a verdade como verdade e a mentira como mentira. Num de seus textos recentes, ao ser questionado por um dos leitores sobre a ausência da citação do nome de Chico Buarque, num tal manifesto da “esquerda intelectual” – se é que existem as duas coisas juntas ou separadas – em favor da candidata petista Dilma Rousseff, Reinaldo escreveu: “Há até quem diga que ele é o articulador [do manifesto]. Poder ser. Faria sentido. Chico é um ótimo letrista de MPB, um romancista medíocre e um idiota político. Não é de hoje”. Engoli seco. Ainda no embargo, refleti e depois disse a mim mesmo em voz baixa: ele tem razão... Talvez, eu nunca quisesse admitir, afinal é um ídolo sendo insultado e posto no banco dos réus, onde jamais imaginaria vê-lo. Podemos ser ótimos, medíocres e idiotas na mesma oração da vida. Por que não? Iremos brilhar no lado onde temos mais luz. Reinaldo e sua verdade desta vez me apunhalaram.

Tentei ler algumas das obras literárias que Chico escreveu e parei no meio do caminho, por falta de fôlego e emoção. Sua leitura é cansativa e não tem o lirismo e o capricho de suas canções. Seria como pedir a Machado de Assis escrever letras de músicas. Talvez, o encontrasse no mesmo ponto da mediocridade. Cada um na sua. Por isso, me considero um urbanista aprendiz de palavras e talvez fique no aprendizado a vida toda. Assim, me conservo longe do limite da mediocridade ou da idiotice e serei melhor naquilo que sei fazer bem. Minhas palavras são curtas e não têm a ânsia de romper fronteiras. Por muitas vezes é só um desafogo.

Em 1981, quando uma bomba explodiu no colo de um militar na porta do Riocentro, Chico era o anfitrião daquele show primeiro de maio. Aquela noite ficou marcada como um dos últimos capítulos de um enfretamento ao regime, que perdurou por longos 20 anos no país. Parte da arrecadação do show foi para o MR-8 – um movimento comunista clandestino que resistia àquela ditadura. Chico nunca se declarou engajado a partidos, mas já no período democrático começou a flertar com o PT e continua como um soldado, quando é convocado, ele está lá. Não me lembro também de declarações onde Chico tenha dito que é de “esquerda” ou que é um ateu convicto. Sempre fugiu desses assuntos polêmicos, embora parecesse ser ambos. Naquela época era muito comum comparar Chico a Caetano. Nas questões políticas, hoje fico com Caetano. Ele sempre se posicionou claramente, dizia o que pensava e continua dizendo - sem medo do patrulhamento.

Pô cara! Você é “chicólatra”, não vai com ele nessa? Não vou, e explico por que. Vou com Chico só na música e nas suas letras, onde ele é de fato ótimo. Outro dia parei para pensar no verdadeiro emprego da palavra dissociar e acho que ela seja talvez até mais importante que seu antônimo. Cérebros porosos e mentes ventiladas sabem dissociar informações, como um filtro da construção do nosso intelecto. Assim, como manga com leite, dois e dois são quatro e outras equações de obviedade igual. Sábio é o individuo que dissocia e filtra sob a luz da razão, do discernimento, da justiça e da verdade. Sem cabresto ideológico. Senão, fosse eu um sociólogo/escritor e não urbanista, naturalmente teria que ser de “esquerda”, ateu e andaria com Karl Marx embaixo do braço? Não! Desconstruo. Sou livre e penso como quero, carregado de princípios da minha formação e dissociando o que deve ser. Não pactuo e não dou meu voto de confiança a quem diz e desdiz antes de concluir o parágrafo (Eu odeio, eu adoro numa mesma oração – Chico Buarque). Quem - na política - usa da mentira como método. De certo, Chico, por seus princípios ideológicos, gosta disso. Eu não.

Não mudo uma vírgula de lugar quando trato de valores morais, de ética e de crenças. Já desisti de muitos políticos por isso. Na minha infância, quando me deitava para dormir, era minha mãe quem segurava minha mãozinha e junto comigo fazia “Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos, Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos”, depois a Ave Maria e o Pai nosso. Ela era pouco instruída e foi alfabetizada já adulta; nunca foi intelectual nenhuma, nem de esquerda nem de direita, mas ensinou tudo que precisava aprender. Não troco isso por qualquer pensamento idiota, rasteiro e bocó. Uma questão de princípio.

Quando leio crônicas políticas em que começa com polarização de esquerdas e direitas, paro logo de ler. Sempre a mesma ladainha. No cenário atual, não cabe mais isso, como ainda insistem alguns saudosistas. Não há divisão por raças, crenças, credos e posições políticas. Acredito que a melhor divisão - para posicionar o ser humano no mundo - está entre quem é do bem e quem não é. O que de fato faz todo o sentido do equilíbrio das forças do universo. Toda luz só se propaga onde há o breu, o escuro. Um não existe sem o outro. A escuridão só é percebida pela ausência de luz. Com o bem e o mal é assim também. No campo das relações humanas – onde a política atua – seria melhor se colocássemos todos os seus personagens juntos e separássemos os que são do bem e o que não são. O joio do trigo. O resto é balela, propagadas por ideais que os partidos mesmos não mais carregam em si. Hipocrisia pura e ingenuidade dos que adulam e douram a pílula em troca do encalço da verdade. Procuro olhar para dentro, para biografia de quem quer que seja o postulante. Sob ética, decência e competência.

Talvez, Chico esteja ainda fugindo do seu rótulo de “unanimidade nacional”. Se estiver, contribuo me dissociando da sua mediocridade e da sua idiotice, mas continuo preferindo os seus ótimos versos em canções: “Oh, pedaço de mim / Oh, metade arrancada de mim / Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto...”. Saudade do Chico, aquele das canções.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / outubro de 2010.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Quando as flores eram de verdade

Muitas histórias de amor já foram contadas por romancistas mundo a fora. E quem já não leu um desse folhetins na vida, uma história curta que fosse? Na maioria delas, descrevem lugares lindos, com encontro e desencontros; citam poemas e cartas; cavalheiros e damas, mocinhos e suas heroínas; buquês de flores com promessas de amor eterno e, porque não, contam também os dramas, as tragédias.

Devo confessar, sou um romântico tentando se corrigir. E se ninguém mais levantar a mão vou dizer que sou o “o último romântico” —  como já escreveu um poeta do cancioneiro popular. Quando vivo esse feitiço, me deixo levar pelas palavras e gestos de carinho quando me dirijo à mulher amada. Meus devaneios passionais vêm como brisas de outono, em sons de conchas de mar, com recheios de doçuras, de estrelas que se ouvem; e lições, que procuro me valer, como um bom vinho ao paladar.

Não receio em olhar para trás e colher da vida os melhores parágrafos, separando do passado as suas mágoas. Procuro ficar com o que foi bom. No final, resta aquela sensação: aprendi muito com isso. Não duvido, mesmo depois da dor, que se cicatrizou, podemos viver outro amor. Que graça tem a vida se nos matarmos de amor? Haverá sempre um novo a caminho, numa esquina do tempo. Tudo depende do comando da vida o quanto damos de colher de chá para que ela aconteça. Sem desesperanças e com muita inspiração.

Tenho saudades de tudo que foi bom — é claro —, da simplicidade da vida de outrora; da leniência do tempo, nas mudanças e tudo mais que me trouxe até aqui. Tempo em que as paixões nos corações arrebatavam; no cinema, namorávamos; nos olhos, olhávamos; nas bocas, beijávamos. Fazia parte do cotidiano encontrar poesias e versos pelos cantos da casa, receber e dar flores; simplesmente porque era delicioso sentir o coração mais efervescente.

Ah, o primeiro amor, como foi bom viver. Era belo quando a moça respondia à carta com uma boca de batom vermelho estampada num papel de carta. Havia aquelas que colecionavam esses papéis; eu mesmo recebi algumas cartas escritas nesses papéis especiais. E quanto aos recadinhos escritos em guardanapo, era o garçom quem entregava à mesa. Nas minhas declarações, “catava milho” tentando escrever numa “Olivetti”; e no final havia aquela frase em letras maiúsculas ou em CAPS-LOCK, como se diz hoje: P.S EU TE AMO! Era bom, quando dispúnhamos de uma caneta, um papel e um amor para pensar e sonhar — mesmo que fosse só platônico. Meus olhares eram tragados pelas atrizes de cinema e as dançarinas da TV; e as tratava como musas das minhas fantasias. Criava os meus romances particulares. Minhas cartas de amor não foram jogadas em garrafas ao mar. Mas por muito tempo elevaram e pairaram meu coração em colos de nuvens.

O mundo do século 21 tornou as pessoas mais individualistas e distantes; pôs asas na comunicação e como tudo também ficou mais sem emoção e inspiração; pôs até macarrão instantâneo na nossa mesa — que mau gosto! O amor agora é virtual, os beijos são “carinhas” com bocas vermelhas que vão anexas aos correios eletrônicos. Rosas em arquivos formatos PPS, poemas em formas diversas de apresentação espalhadas na blogosfera. Tudo virou Ctrl “C” / Ctrl “V” e colocou para debaixo do tapete o bom e velho cortejo com criatividade; aquele que vem do coração, explícito em forma de um buquê de rosas vermelhas ou numa caixa de bombom.

No fim das relações a coisa também enveredou por este caminho, diga-se, mais ligeiro. Segundo a agência Reuters, levar um fora digital é um fenômeno que vem crescendo. Pesquisas feitas na Inglaterra apontam que muitas pessoas hoje preferem as redes sociais e e-mails para terminar seus relacionamentos. Mais de um terço dos pesquisados disse que havia terminado seu relacionamento por e-mail, 13% mudou o status no Facebook sem avisar o parceiro e 6% divulgou a má notícia primeiramente no Twitter. Como se pode ver, a modernidade chegou aqui também e como tenho dito: ser solteiro hoje não é mais estado civil, virou status.

Tudo agora gira a milhões de gigabytes por segundo. Difícil mesmo é ser avesso a essa tecnologia. Não vou mentir, é difícil para mim — e acredito que para muitas pessoas também — resistir a tudo isso; agora, por exemplo, estou escrevendo estas linhas diante de uma engenhoca que meus antepassados jamais imaginariam existir. Necessitamos das ferramentas do mundo moderno, precisamos nos comunicar e entrar neste imbróglio informatizado, virtual e globalizado, mas não façamos virtuais também nossas emoções e sentimentos.

Para piorar, a palavra da moda agora é workaholic. Esses jovens viciados preferem como companhia à mesa do restaurante, não mais a namorada ou o velho amigo para falar de futebol; é comum vermos pessoas com seus computadores ultima geração ao lado do prato de comida. Navegando, navegando onde não há água.

Na minha cidade, percebo uma frequência cada vez menor de pessoas comprando flores. Uma floricultura que ficava aberta 24 horas fechou as portas. As flores agora vão por endereço eletrônico — aquela coisa fria e sem fragrância. As poucas visitas às floriculturas são em dias de finados, pois ainda não descobriram os endereços eletrônicos do “além”.

Em 1980, Roberto Carlos compôs a sua Amante à moda antiga: “Eu sou aquele amante à moda antiga / Do tipo que ainda manda flores...”. Exatos há 30 anos, já era antigo mandar flores. Imagina hoje. Ficou antiquado, démodé, cafona, brega demais. Quando as flores eram de verdade, havia o perfume e a alegria denunciada nos olhos de quem recebia; e não tinha como negar: era mesmo uma prova de amor despida por um gesto simples. Naqueles dias das flores, o ambiente se revigorava, se transportava, era outro. Um dia alguém me disse: "Por que mandar flores, se o final delas é o lixo?" Não quis lembrar que, durante aquele período da sobrevida no vaso, aquelas flores renovaram e aguçaram nos corações o amor, deixou os corações mais próximos, atados por um laço de ternura e carinho.

Outro dia fui buscar uns versos e encontrei esses: “as melhores flores são aquelas colhidas à luz das estrelas e entregues na surpresa da primeira luz da manhã”. Se existe a saudade alheia — como romântico ainda — sinto das flores de verdade. As rosas não falam — cantava Cartola —, agora elas também não exalam mais. Deixo-os com esta reflexão: se um dia Deus criou as flores, hoje o Google criou a forma mais rápida de encontrá-las.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / outubro de 2010.