BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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segunda-feira, 24 de junho de 2019

O diário (atualizado) de Bridget Jones


Na virada do milênio, muitas pessoas esperavam por uma grande catástrofe mundial. Outros mais conspiradores e apocalípticos, o fim dos tempos. Os celulares (ainda sem internet) ficaram mais lentos. Ligações eram impossíveis de se completar na noite de 1999 para 2000. Eu estava na praia com amigos e a única coisa que me lembro, naquela noite, foi que, na minha cidade uma grande tempestade alagou uma das principais vias, um córrego transbordou e muitas pessoas ficaram ilhadas. Fora isso, parecia uma passagem de um ano para o outro, como se deita e se levanta. Nada além de champanhes e cervejas para comemorar.

O tempo galopou. Já estamos em 2019. Lá se foram 20 anos do bug do milênio que não houve. Nada parece ter acontecido de especial, não é? Mas não se engane, algo aconteceu, sim. Não foi nenhuma catástrofe, terremoto, tsunami, cataclisma, ou outro fenômeno na natureza que mudou nossas vidas. Não tivemos guerras entre nações. O que avançou, de forma galopante, foi algo que parecia inofensivo, à primeira vista. O advento e crescimento da internet, e suas ramificações, mudaram muito, sim, nossas vidas. Bridget Jones, por exemplo.

Fui ver O Diário de Bridget Jones no cinema, em 2001. Nada a acrescentar naquela comédia romântica, onde a protagonista (Renée Zellweger) era uma atrapalhada e insegura balzaquiana querendo encontrar seu grande amor — sem perfil no Tinder. Saímos do cinema e fomos beber chope sem comentar nada sobre o filme. (À parte, a trilha sonora, que já virou favorita na minha playlist do Spotify.)

Em 2001, aquela figura feminina, britânica (ainda como a deixamos em 1999), não era nada diferente do que se via aqui, nos trópicos. Bridget era a perfeita caricatura daquela mulher insegura que tentava se firmar num romance, já com o peso dos seus 33 anos anos, se sentindo gorda e velha demais para a maternidade e o amor. Ela queria algo que fosse durável, não só sentir, mas ouvir palavras, porque era insegura demais para olhares e gestos. Era uma eterna romântica, vivendo entre dois amores platônicos. E quando eles se manifestaram, ela se perguntou: — Será comigo?

Ao que surte, ela também não precisava de coisas materiais. Ela era uma jovem jornalista rechonchudinha que havia se emancipado, morando num apartamento de fazer inveja a qualquer um, abrindo mão do aconchego da casa dos pais. Ela queria se sentir uma mulher de verdade, emancipada e livre. Quando se recolhia, vinha o vazio da tv ligada (sem atenção), o cigarro e ao fundo All by myself. E nada mais casual que uma funcionária se interessar pelo seu chefe, embora ele a visse só como mais uma mulher que ele não levou para cama, ainda.

Bridget não queria sexo, mas o amor, o homem perfeito e para sempre. Nada piegas àqueles anos, porque era disso que nutriam os corações: amor e o encontro da felicidade. Com todo mundo achando a coisa mais normal do mundo e uma história como de muitas outras garotas da época. — Bridget Jones é minha história de vida. Muitas devem ter pensado nisso. Mas e hoje, como seria uma história de Bridget Jones? Seu estereótipo estaria ultrapassado?

A Bridget Jones, 30 anos de idade, hoje, não teria diário. Ela tem mesmo um stories no Instagram alimentado diariamente com fotos dos seus melhores momentos. Nada de lamúrias, reclamações de estar só. A vida tem que ser mostrada como a vislumbramos, com fotos filtradas em posições que demonstrem um corpo exuberante. Mesmo que tudo esteja dando errado (indo para outro caminho), o importante é a foto na praia onde só mostrem os pés e o mar ao fundo com uma frase de autoajuda para ilustrar o momento. O que importa é se ver como inspiração, curtida ou mesmo invejada por seguidores.

E como se repetem por aí "você precisa se amar". O verbo amar é algo para si e não para repartir com alguém (com Daniel ou Mark). O psicanalista Gikovate (1943-2016) discordava disso. Ele dizia que amar só se conjuga quando há outra pessoa na sua frente, o que se sente por alguém, e intransitivo na raiz. Ninguém é capaz de amar a si próprio, embora já vimos muitas notícias de pessoas que, recentemente, tenham se casado consigo mesma. Uma coisa de endoidecer e cada vez mais comum neste século.

Quando se ama necessariamente se ama alguém. Amar "a si próprio" é só a elevação da autoestima a um estado de prazer e completude. Bridget Jones de 2019 é uma solteirona que não se importa com a condenação do destino: solteirona. Ela olha para os lados e as amigas estão na mesma situação. Olha para outro e vê homens imaturos com 40 anos, morando com os pais, quando não muito, homens de geleia e sem objetivos. Então, ela já não se incomoda mais com nada. Seu WhatsApp bomba a toda hora com amigas mandando nudes e piadas de relacionamentos.

Indo mais para o extremismo, há aquelas que encontraram refúgio no feminismo (fincou raiz neste século). Eis um lugar seguro para se justificar: achar o mundo masculino desnecessário, porque todos os homens mentem; todos os homens são machistas; todos os homens não prestam. Então, é melhor ficar só e ter uma relação fortuita para não enferrujar.

O mundo moderno, visto pela tela de um smartphone, criou a desculpa para o vexame. Ninguém se sente mais inseguro quando se tem uma resposta adequada no Google para suas questões e quedas. Junte-se a isso as inspirações, como, por exemplo, numa cidade do Canadá uma jovem que decidiu viajar o mundo com 20 dólares. Viramos — e Bridget, consequentemente — refém da nossa própria desordem emocional e uma vida cada vez mais virtual no modo de se partilhar. Onde os afetos são substituídos por pets, barras de chocolates e curtidas. A dor, em total controle, nos mantém num estado de coma. Enquanto as filas aumentam nos consultórios de psicanálise.

Quando, ainda no século passado, todos pareciam caminhar para o mesmo lado, porque era evidente e óbvia a vida; hoje, vislumbram e experimentam sentidos antagônicos, opostos, numa sociedade cada vez mais verificada por pautas e discussões em redes sociais. Com o surgimento de diversos outros comportamentos que pareciam superados desde que os sapiens habitaram o planeta, há 70 mil anos. A natureza humana, a biologia e as formas mais tradicionais de comportamento e vida já não servem mais. É preciso lacrar, quebrando regras e paradoxos; é justificável enfrentar o protagonismo para se sentir mais inserido.

Todo dia é um enfrentamento em desconstrução às narrativas que perfuram à lógica. E como já disse alguém por aí: a internet deu voz ao imbecil.

A história de Bridget Jones ainda teve outras duas sequências. Uma em 2004 e outra mais recente em 2016, quando nossa frívola heroína já está com 43 anos e ainda solteira. A acrescentar, uma cena me chamou atenção nesse — espero — último episódio. Bridget ao descobrir que está grávida, sai à procura do pai. Um novo affair ou sua eterna paixão Mark Darcy (Colin Firth)? Quem será o pai da criança?

Na cena que sua bolsa se rompe, Mark a leva à um hospital carregando-a, parte do trecho, no colo. No caminho, eles têm que passar por uma passeata feminista. Nesse ponto, a história da solteirona se encontra (e cruza) com a de uma nova geração de mulheres. Essas que acham homens desnecessários e por isso protagonizam manifestações, desafiando velhos estereótipos e de culto à beleza. É melhor parar por aqui. Bridget não cabe mais nesse mundo.

Um mundo cada vez mais virtual, idiota e limpinho. Onde as pessoas estão preocupadas com canudinhos plástico e alguém inventou um pegador de pizza para não ter que sujar suas mãos. E eu nem falei dos anos de 1980. Quanta saudade...

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / junho de 2019

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Trintona, solteira. E agora?


Imagina aquela mulher, entre 30 e 40 anos, que citei na crônica A taça de vinho (quase) vazia (clique aqui); que está na pegação por aí, como se diz; portando-se como antes só cabiam aos homens: desinteressada de relações e interessada somente em seu "eu" (umbigo) e desejos. Sim, ela existe e começa a ser maioria entre elas. Isso eu já disse. E agora, imagina outra, na mesma faixa etária, que mesmo estando nos ambientes de moda (baladas, bares e festas), ainda conserva, por tradição, um desejo de um modelo antigo de relação: namoro, casamento, filhos e família. É sobre ela que escrevo agora.

A escassez de homem do mercado, para essa mulher que está aí na faixa dos 30 a 40 anos, tem várias vertentes. Primeiro, tem muito veado ou genérico na praça. Segundo, os homens, hoje em dia, na faixa dos 40 anos (bom para ela), ainda moram com os pais. O cara já está na segunda pós e seus ganhos não condizem, muitas vezes, com seus gastos (a sociedade de mercado nunca ofereceu tantos produtos para se gastar com o mísero salário que se ganha). Melhor morar com a mamãe, que serve janta quentinha todos os dias e ainda o mima como se tivesse 15; muito melhor do que dividir um apê com um amigo bagunceiro, que só sabe fazer omelete e comer no Burger King. No final do mês, tem o salário limpinho e pode fazer prestações de um iPhone novo.

Depois, aquele que ganha mais e quer se emancipar (são raros), tem projetos individuais, como: estar sempre de carro novo; ter um apê próprio para levar não só essas de 30, mas as de 20; tem futebol society quase todos os dias; melhor tomar cervejas com amigos, do que ter que pagar a sua conta; filho nunca foi objetivo na vida (são muito caros); viagem para Europa é mais barata para um e tranquila, quando não tem uma mulher para encher seu saco querendo ir a lugares de compra, quando ele quer tomar cerveja australiana num pub. Enfim, ele está fugindo de compromissos longos, cobrados; passando bem longe da casa da sogra e dos almoços de domingo. Aí fica parecendo que você, mulher, vai às baladas em vão. É verdade. Vai, sim. Não tem homem!

Aí eu pergunto: Como penetrar nesse universo (quase misógino) e sair dali com seu homem zerinho, em suaves prestações? Difícil responder. Vivemos numa época muito controversa, confusa de relacionamentos. Com tantas facilidades em construir e desfazer tudo como num passe de mágica. Anti-sentimental e pró-imagem. Muito status e pouca vida. Muita tecnologia e poucas relações. Muito WhatsApp e poucos telefonemas. Eu diria até que vivemos um hiato, um vazio, um abismo ou uma transição de eras. O sentimento, o amor deixam de ter suas importâncias e o que vale é o sucesso, o corpo, a saúde, a imagem, o parecer, a felicidade, a longevidade, a grana, o prazer e o desfrute.

Mudar isso é como virar um tabuleiro inteiro, no meio do jogo. Essa mulher precisa aprender: homens amadurecem mais tarde. Não é como na década de 70, quando eles, com 30 anos, eram casados, já com três filhos. Homens com 40 anos, hoje, andam com boné de aba para trás, bermuda, regata e jogam vídeo game com seu sobrinho de 15. Só vão criar juízo e visão do mundo depois dos 50. E olha lá...

Por outro lado, essa mulher (sem terapia), por achar que a escassez é um problema que está com ela (não imagina que ele não quer compromisso), começa a se sentir rejeitada (se for bonita, mais ainda); vai querer ficar mais bela (do que já é), só para atrair esse cara. Gastos excessivos com cabeleireiros, manicures semanais, academia e plásticas (bumbum, seios, nariz, etc.). Está tudo misturado no seu subconsciente. (Ela pode até dizer que turbinou os peitos por ela mesma, mas não há explicação quando é algo do corpo que se quer consertar. É para ser visto de fora e não no espelho.) Mesmo assim, ele só a quer para uma noite, porque beleza cansa e só serve até ele gozar. Mesmo se você for bonita, não pense que tem o poder de escolha. Mulheres bonitas são péssimas para escolher homens. Sempre acabam nos braços de caras mais ricos, bonitos, adúlteros e cafajestes.

(Quando eu falo em escassez, é no sentido da raridade de um tipo de homem. Aquele que está pronto, homem feito, mas precisa de um empurrão ou algo que o impulsione para assumir um compromisso sério.)

Essas mulheres deveriam se mirar naquela da sua espécie, que está numa faixa mais acima (45 e 50 anos). Se estiver sozinha, é porque já foi casada, ou porque entrou nessa safra de escassez também, tudo com blasé. Menos ansiosa, mais paciente, sem aquele elã dos trinta; até por que, para ela, sobraram os filhos para cuidar, enquanto o ex-marido veleja em Ilhabela. Essa, que já passou pela crise dos 30 (de difícil namorado/parceiro), aprendeu, com os tropeços, que o homem não a quer da maneira que ela sempre achou que fosse.

Repare bem e se pergunte: Por que tem mulher feia, gorda, desajeitada e malvestida casada? A resposta é simples. É porque ela não tem muita frescura na escolha de homem. São tímidas e até passam despercebidas numa festa. Ela não olha a conta bancária do cara, seus olhos azuis, seu nariz italiano, seu Corolla, etc., mas enxerga muito além. Enxerga futuro, filhos, etc. E, principalmente, se ele tem disposição para uma vida a dois. Pronto! Depois, ela tem algo a mais que oferecer que sexo. Já dizia o velho Gikovate: as relações, hoje, são feitas de parcerias e não de amor-romântico (século XIX). Ela oferece parceria.

Homem feito não gosta de mulher burra. Bonita/burra só para se divertir na balada. No dia seguinte, ele vai jogar futebol com amigos e nem se lembra dela. Se ela não sabe discutir política (assunto do momento), oriente médio, livros, séries da Netflix, etc., esquece. Você tem que se parecer (e ser) interessante para ele. Sua beleza e atração é sua fala, seus argumentos, seus conhecimentos e tudo que possa se somar à vida dele. (Conhecer futebol não serve). Atributos como: cozinhar, servir, arrumar, decorar, educar devem ser instintivos. Não são acessórios. Fazem parte do conjunto daquele universo atrativo.

Tem um um ditado popular que diz que você tem que casar com quem você gosta de conversar, porque, na velhice, o que sobra é só a amizade. Eu acredito nisso.

Por fim, se você mulher trintona tradicional, ainda tem alguma esperança de um bom relacionamento, é melhor olhar mais para o lado. Quem sabe aquele carinha feio e magro do teu trabalho. Pode ser ele. Frequente mais supermercado do que baladas. Gaste mais tempo com livros e filmes do que com supinos, legpress e crossfit. Mais tempo em conhecimento do que com futilidades, shopping, sapatos, raves e música sertaneja. 

Olhando para esse nosso tempo (cheio de mutações e imprevisibilidade), talvez com 40 (ou mais) você, com paciência e sorte, encontre esse homem para o resto da sua vida. No silêncio da alma, na respiração serena de uma manhã. Depois, aprenda acender a churrasqueira e a manter sua cerveja na temperatura certa. E já vou avisando, ele tem barriga.

(Outra dica: "Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas" – Nelson Rodrigues)

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / agosto de 2017

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

A taça de vinho (quase) vazia



Meu domingo à tarde, com o sol ardendo lá fora, é aqui dentro. Aqui dentro de casa, deste escritório, dentro de mim e na frente desta tela. Esqueça o churrasco, os amigos, a conversa fiada. Quando venho para cá (para este Blog) é por que o caldo entornou; é por que há muitas frases soltas, vírgulas e et-ceteras no caminho — um divã de palavras. (O et-cetera de "Crônicas" são as batalhas que não se esgotam.) Pode o mundo ruir, mas as questões nunca. Sempre caberá uma pergunta derradeira no fim do mundo: Por que acabou?

Bem, não sei por onde começar, o que me incomoda desde quando saí caminhando da igreja, mas vamos lá.
 
Se o leitor atual revirar aqui no Blog, vai encontrar o texto Eu não tenho mais tempo para errar, onde eu abordo sobre essa inquietude que acomete as mulheres, de querer formar uma família, ao mesmo tempo que a fertilidade vai escorrendo por entre os dedos. Era uma preocupação da ocasião. Então, volto a questionar essa mulher caminhando para o amadurecimento (entre os 30 e 40 anos).

Foi esses dias, fiquei entalado pela saliva, depois de me ater numa conversa de botequim com mulheres nessa faixa etária. Descobri que, elas já não pensam tanto assim sobre essa vida partilhada e família constituída como regra social. Elas já buscam outras causas (focos), que não sabem bem o que são, mas é para lá que querem ir. Como entender isso? Estou tentando.

Então, inquiri: — Você quer casar e ter filhos? E a resposta veio negativa. Encontrar alguém, sim, com quem possa passar umas horas, viajar, fazer sexo, mas nada de ter responsabilidades com filhos e outras preocupações. Decifrei algo mais: ela, ao que me parece, nem deseja desfrutar do mesmo teto. E ainda fez uma auto pergunta: — "Será que precisamos mesmo encontrar alguém?" Algo traga essa mulher para um lado escuro da vida. Ela não sabe, porque desconhece essas forças do mundo que a embaraça e transporta seus olhos para outros desejos.

Para muitas delas, um homem do lado — sem muitos traumas do passado, claro — é o suficiente; aí pode complementar com um cachorrinho, ou um gato e já basta. Nada que dê muito trabalho. Depois, ela é uma mulher fitness, que pedala, corre, sai com as amigas (cazamigas), faz pós, faz selfie no face, ri muito, faz serão, etc. Uma mulher sem tempo para banalidades e coisas ultrapassadas como carregar uma barriga por nove meses. Em consequência, a celulite que isso gera. Deus me livre!

O que tem mudado esse comportamento? O que faz essa mulher jovem escolher o caminho da academia ao do altar e maternidade? Por que ela não tem mais medo do pejorativo "solteirona"? Talvez estejamos mesmo passando por esse período, como uma sombra que paira sobre um mundo já sem afeto, de alegria triste e tudo que a expulsa para fora desse modelo social. Pode ir embora ou ficar por longo tempo.

O relativismo moral, muito presente em nossas vidas, minimizou o pecado, a tragédia, o rubro da face, a culpa; não há certo ou errado, bem ou mal, belo e ridículo; porque tudo virou ponto de vista — uma quebra de regras seculares. Essas coisas que nos deixam mais light e não nos implicam mais com nada — a cabeça erguida, sem culpa, diante do ato mais vexatório. A verdade foi arrancada do mundo pelo ponto de vista de um idiota. Quem lhes tirou o sonho do vestido de noiva? E do buquê? E da lua de mel?

Li uma entrevista do psiquiatra Augusto Cury, onde ele afirma que temos uma geração triste e depressiva. Ele fala desses novos seres que ainda estão dentro de casa, dando trabalho aos pais. Mas posso dizer que, a geração da tristeza-sem-razão é contagiante, está em nós, adultos. O mundo anda triste, sem razão:
"Nunca tivemos uma geração tão triste, tão depressiva. Precisamos ensinar nossas crianças a fazerem pausas e contemplar o belo. Essa geração precisa de muito para sentir prazer: viciamos nossos filhos e alunos a receber muitos estímulos para sentir migalhas de prazer. O resultado: são intolerantes e superficiais. O índice de suicídio tem aumentado. A família precisa se lembrar de que o consumo não faz ninguém feliz. Suplico aos pais: os adolescentes precisam ser estimulados a se aventurar, a ter contato com a natureza, se encantar com astronomia, com os estímulos lentos, estáveis e profundos da natureza que não são rápidos como as redes sociais."
Ninguém quer lutas muito pesadas e cruzes para carregar. Todos fogem dos problemas com medo de não dar conta. Desejam viver o superficial da vida, evitando tropeços, arranhões e quedas. Um filho que chora, um marido que trai, uma casa para cuidar, uma conta bancária no limite do cheque especial? — Estou fugindo disso! — pensa essa nova mulher.

E não digo que há um dedo do sexo masculino nisso (nessa mudança de pensamento). Há sim. Desde que o sexo ficou fácil, o amor ficou difícil. A frase que já li por aí é, sim, verdadeira. O jogo de sedução do homem é agora também o dela. Elas se jogaram na vida.

O jornalista Arnaldo Jabor disse numa entrevista que, nos anos 1960, para você comer uma mulher que estava afim, não era assim tão fácil. Você tinha que ter pensamentos revolucionários, ser marxista, de esquerda (ou dizer que era), demonstrar um certo ar de rebelde sem causa, etc. Hoje a coisa mudou. O homem não precisa muito esforço para seu intento, basta que tenha um pouco de dinheiro e ostente algo que não tem; depois que esteja no lugar certo, na hora certa e disponível. Então, você quer dizer que ficou chato ao mesmo tempo que ficou fácil? Sim, o sexo casual banalizou o desejo pelo sexo oposto. É muita oferta com pouca qualidade. Mas quem quer qualidade?

Uma coisa que me vem agora é, depois que o Estado brasileiro resolveu interferir na condução da família, impondo a  tal lei da palmada junto com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), os pais perderam a autonomia para criar filhos ao seu modo. Em consequência, essas solteiras passaram a enxergar um estorvo e aí desistiram do desejo. A impressão clara é que, o governo petista, que nos guiou por 13 anos, trabalhou contra o modelo de família. Com isso, a família passou ser qualquer união entre pessoas, mesmo que dure uma semana. Eles conseguiram nos atingir.

Faço um novo parênteses, para lembrar um trecho de um texto de Luiz Felipe Pondé, publicado na Folha de São Paulo, onde ele fala de pessoas críticas (muito comum nos dias de hoje) e como elas estão destruindo o desejo:
"Outro fetiche é o da revolução. Toda pessoa crítica faz uma revolução por fim de semana. Mas, entre todas, a mais ridícula é a revolução sexual, aquela que matou o desejo e o afeto entre homens e mulheres. Quando, no futuro, estudarem nossa época, perceberão que, entre as baixas causadas pela gente crítica, estarão o afeto e o desejo. Nunca ambos foram tão falados e tão combatidos a pauladas. Afogados na banalidade das quantidades."
A morte do desejo e o afeto, é isso, só pode ser isso que está acontecendo. Quanto mais nos tornamos amantes da nosso umbigo (amar a si mesmo), mais deixamos de ter desejos e afetos. O que vamos concluir lá na frente, que não precisamos de ninguém, nos bastamos. Sem percepção e mais contato dos sentimentos que estão indo embora do mundo. Quando o sexo tornou-se um assunto político e saiu da cama, banalizou e virou discurso de tribuna, e não mais o desejo de um pelo outro.

Tudo vem para embaraçar, criar nuvens de fumaça onde tudo parece ser tão simples. Como ensinar, por exemplo, seus filhos que há outros gêneros além do masculino e feminino? E que ele pode ser o que quiser (homem ou mulher); e se ele demonstrar seu machismo por aí vai sofrer represálias. Os portais de notícia — leia a UOL e saberá — vivem trazendo temas polêmicos (pelo menos eles acham), para uma sociedade, majoritariamente conservadora, discutir. Levam pau nas redes sociais. Ninguém quer saber se há homens transando com homens, mesmo não se achando gays por isso — o que eles chamam de HSH. Quem eles querem atingir com isso? Tirar pessoas do armário, talvez.

Como que a humanidade passou milhares de anos, sem saber, e só agora esses jornalistas bonzinhos vêm nos trazer esses novos arranjos? Essa gente pensa que o mundo começou nos anos 1960, só pode. Depois, eles mudam os termos para dizer que há algo novo e bom que só nos "fará crescer como seres humanos". Falo do tal "poliamor" (entre aspas), uma prática que estão dando manchete como uma nova roupagem ao que já chamávamos antes de suruba, ou poligamia.

Esses progressistas são os contribuintes desse mundo, que dizem ser melhor; eles estão dando um fim no desejo, no afeto, no interesse singelo e milenar entre homens e mulheres. O que essa gente quer para o mundo? Eu não sei, porque eu sempre pensei em preservar o que eles querem mudar. É uma luta eterna.

Neste momento (caminhando para o encerramento desta crônica), no arrebol desta tarde, essa balzaquiana, de quem eu falo, está numa festa com amigos, bebendo, fazendo selfies, sem muita preocupação que amanhã é segunda-feira, e ela terá um dia hard pela frente. (E essa não é a vida?) Mas, nada que uma boa aula de bike no fim do dia não renove. Depois, ela vai para casa comer o que tem na geladeira e ficar de pernas para o ar no WhatsApp.

E este cinquentão está aqui, pensando nela. Sob um pavor, que esse mesmo mundo que a tragou, também com ele está flertando: venha, venha... Percepções e sintomas de quem tem como única companhia, aqui e agora, a solidão de escritor — eles são sempre solitários — e junto uma taça de vinho quase vazia. Acabou. Por que acabou?

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Setembro de 2016

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Como um trailer sem carro


Uma mulher sem um homem é como um trailer sem carro. Não vai a lugar algum”. Com razão, trailer não tem motor e a maioria dos modelos por aí, só tem duas rodas. Sozinho não sai do lugar. É preciso de um veículo motorizado com muitos cavalos para rebocá-lo. Bela analogia.

Nos dias de hoje, esta frase soaria um tanto machista, preconceituosa, pecaminosa, out-of-date, e totalmente reprovada por essa gente bronzeada que mostra seu valor, diariamente no Facebook. Campanhas seriam disseminadas reduzindo a reles o seu autor. Verme machista! — diriam.

Verdade mesmo, a frase foi dita por uma personagem feminina num filme de 1964, antes mesmo que alguma mulher queimasse seu sutiã em praça pública, pedindo emancipação, liberdade e igualdade. Mas posso garantir, o roteirista não errou no script; e o público acolheu com sutileza suas palavras. Ele estava em consoante com seu tempo.

Naquele início dos anos de 1960, as mulheres casadas ainda eram donas de casa, cuidando do marido e da prole. As que não alcançavam esse status invejavam as que tinham seu homem, sua casa, sua família. (Isso é o que nos mostra as películas hollywoodianas.) Com a proclamação da chamada revolução feminina (Women's Liberation Front) tudo tomou outro rumo, se perdeu e a feminilidade também. Um cordão umbilical familiar se rompeu daquele modelo familiar. Mulheres deixaram suas casas e afazeres; mulheres saíram do vestido para usar tailleur e substituir os homens nos negócios. Hoje, sindicatos feministas odiariam e poriam toda sua rede social em batalha, a odiar também a mulher que dissesse que precisa de um homem.

Depois que surgiu a denominação “feminista”, para aquela categoria de mulheres que resolveram dirigir suas próprias vidas, independentes de qualquer relação estável e necessidade, o mundo não foi mais o mesmo. O contrário do que se constata, se você disser que o oposto de feminista é machista, o termo cai num conceito pejorativo e como um mal a se combater. A sociedade não-machista irá sempre pensar em homem que bate em mulher e tão somente.

Chique é ser chamada de feminista e viver de suas mazelas sentimentais, porque homem nenhum suportaria conviver, por muito tempo, com uma assim: mulher que briga, que disputa, que discursa com os seios de fora, mas não sabe fritar um bife e nem ao menos andar sobre um salto. Como disse Luíz Felipe Pondé: “o puritanismo feminista, que não entende nada de mulher, faz da mulher uma ‘camarada’ vestida de homem em meio a um mundo brocha de tanta exigência de igualdade entre os sexos”.

Na verdade, a vida das relações conjugais e amorosas, tornou-se tediosa demais e por isso há tantas separações, descontroles e desarranjos familiares. E para complicar ainda mais, um novo modelo de casal resolveu entrar na disputa pela construção familiar. Exatamente assim: “deixem que nós cuidemos do seu filho”. É o que se vê pelas pregações nas redes sociais. Um cartaz, a princípio provocador, diz que “toda criança adotada por um casal gay, foi gerada e abandonada por um casal hétero”. Mesmo que a frase tenha duplo sentido, ela faz propaganda, oportunista, apontando para outros caminhos e saídas. Quando se imagina aquilo que chamam de família tradicional (abomino esse termo); porque todos nós viemos de uma relação hetero (até os homos); de um ato sexual hetero, mesmo que abandonados depois. A família ainda continua a existir a partir deste modelo. Por outro lado, nada contra as outras relações de uniões de pessoas do mesmo sexo. Mas não chamar de família, por favor.

O mundo piorou com essa conjunção atual e a feminilidade foi-se junto, dando espaço às mulheres de “luta” em busca do nada agora. Os direitos civis, uma de suas brigas, já estão conquistados; está na hora de voltar para casa e fazer um jantar para o marido.

Outro dia, conversando sobre este assunto com uma amiga (vivendo a sua fase trailer sem carro), ela me disse algo que poderia sintetizar tudo que se passou nesses anos, a partir dessa pseudo emancipação: “eu acho que para algumas mulheres faltou coragem para ser mãe; para outras faltou coragem para ser puta”. Bingo!

Ao homem não houve mudança de papel. Ele continuou sendo o provedor, o macho dominante e ciumento. Diante do que acontecia permaneceu estático assistindo a tudo, sem entender nada. E quando deparou com essa nova mulher, se assustou e recuou. Na verdade, ele só queria uma que fosse como sua mãe, caseira e cuidadora. Agora quem está perdido e procurando seu trailer para atracar é ele.

A frase do filme “Kiss me, stupid” (1964) do diretor Billy Wilder foi dita pela personagem de Kim Novak (Polly). Polly é uma garota de programa que mora e “trabalha” (atende à clientela) num trailer. Ao ser inquirida por Zelda, a mulher do homem que passara a noite, ela a reprime e diz à Zelda que seu marido é ótimo (no sentido do caráter), tentando convencê-la a voltar para casa. Convicta, ela assegura que a vida de Zelda é invejada por outras mulheres (inclusive as GP´s como ela): "acredite em mim, tem um marido ótimo"; um marido, uma casa e uma família. Tudo perfeito para o mundo de 1960, pós-revolução industrial, familiar e ainda muito romantizado. Uma mulher sem um homem para conduzi-la, não chegaria ao outro lado da rua, talvez à prostituição.

O mundo de hoje acha que não. Acha que podemos ir, sim, a muitos lugares separados; o mundo de hoje acha que podemos educar filhos estando ausentes; o mundo de hoje acha que podemos dividir tarefas dentro e fora de casa; o mundo de hoje acha que podemos viver muitas relações sem se perder; o mundo de hoje não prepara as relações para durarem, mas para serem efêmeras; o mundo de hoje não percebe também, como estamos perdidos por termos abandonados certos velhos costumes.

Por fim, um homem sem uma mulher e uma mulher sem um homem, continuarão a se cambalear por aí e ir a lugar algum. Assim, como um trailer sem carro.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Abril de 2013.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A geração ponto com

De tanto ouvir falar, e para não ser atropelado por essa ou qualquer outra geração futura, fui procurar saber o que é “Geração Y”. Entender esses novos seres que habitam o planeta; as causas e consequências nesse choque frontal de gerações, de A a Z. Ou seja, estar em sintonia com meu tempo, para não ser pego desprevenido. Tenho me assustado com alguns comportamentos ultimamente – isolados ainda -, que chegam a me arrepiar, me fazendo pensar se ainda vivo nesse planeta. Será que não estou mais nele? No mundo, onde nosso lado ocidental não está em guerra com ninguém, diretamente, a qualquer disparo, chego a pensar em trincheiras. Tenho receio das revoluções silenciosas.

Esta ordem parece ilógica, pois a geração X é do início dos anos 60, e pela sequência, veio a geração Z e agora a Y. E depois dessa? Acabou o alfabeto... Sei de outras classificações, como aquela que chamavam geração Coca-Cola – anos 80; essa que dizem ser a década perdida, pois nada aconteceu. Será? Ficou marcada pela música homônima da Legião Urbana “Somos os filhos da revolução / Somos burgueses sem religião / Somos o futuro da nação / Geração Coca-Cola”. Antes, ouvi dizer da geração Woodstock – final dos 60 e início dos anos 70, definida pelos movimentos de contracultura, da liberdade de expressão, dos protestos estudantis pelo mundo e do rock´n roll na veia.

Não sei dizer qual delas eu me encaixo, acho que um pouco de cada. As gerações marcam um período, ou vêm retratar o comportamento das pessoas diante do mundo do qual elas representam; um mundo do qual elas receberam e agora modelam com suas mãos. E depois vão tentando se livrar, porque a vida se torna monótona, ultrapassada e escravizada. Partem para outra.

Esta geração, que chamam de Y (nascidos após 1980), é marcada pelos avanços e usos dos recursos tecnológicos; os meios tecnológicos de última geração - ultimate. Na contramão, ainda há, por exemplo, os que em plena era do som digital, preferem o bom e velho disco vinil - como num filme que vi. Mas, a geração Y não está nem aí com quem quer ficar para trás. Eles vão adiante. São tão avançados que, temos impressão de uma criança, antes de aprender a falar, já manuseia esses instrumentos com desenvoltura; o que, para muitos adultos, é um transtorno, algo inatingível. Desconfio que elas nasçam sabendo. Por outro lado, interagem pouco, são seres robotizados; o que torna a vida, que recebem para ser vivida e partilhada, um tanto impessoal, individual e mais competitiva.

Uma amiga me contou que, sua filha de 13 anos, fica horas em frente ao computador. Ao mesmo tempo, consegue manusear várias ferramentas, numa cadeia de informações de aparente exaustão  - não para ela. Para nós, que viemos de um mundo mais lento, fadigamos. Fica difícil acompanhar e optamos por resumir os usos por até duas ferramentas, que entendemos achar profícua. O celular, por exemplo, considero de grande utilidade. Ou, a melhor de todas atuais.

Quando eles se juntam em rodas de bate-papo, são barulhentos, conversando vários assuntos ao mesmo tempo; assim, como fazem nas conversas virtuais, pelo Messenger. Dia desses, fui ao cinema de um shopping local. Era uma sexta-feira. A sessão era daquelas de final de tarde, que você escolhe para relaxar antes de ir para casa jantar. Na entrada do cinema, avistei alguns jovens – na faixa entre 13 e 17 anos – se aglomerando no mall em frente à bilheteria. Imaginei que havia algum filme interessante, ou se estavam ali marcando ponto de encontro na saída do colégio. Quando saí da sessão, fiquei pasmo com a quantidade deles, era quatro vezes mais do que havia. Falavam alto, em várias rodas de conversa. Suas aparências eram de alienígenas. Sem definição de expressão. Todos – meninas e meninos – tinham a mesma aparência, trajes, mesmo estereótipo, e mesmo rosto. Sem sexo definido. Fiquei horrorizado, quando passava em meio a eles, e pensei: quem são? Em qual planeta habitam?

Deixo algumas perguntas a esta geração. Estão interessados pelos caminhos do mundo? Qual a tolerância à corrupção e os desmandos políticos? Ficarão revoltados contra qualquer governo - saindo da zona de conforto (em frente ao computador) -, para mudar uma situação? O que pensam sobre família e Deus?

Outro dia, um garoto de 10 anos – sem nenhum motivo aparente – em poder de uma arma de fogo, que roubou do pai, atirou contra a professora em sala de aula, em seguida seguiu por um corredor até uma escada e atirou contra sua própria vida. Ele só tinha 10 anos, e era da geração Y. Fora isso, nada a temer com eles.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / setembro de 2011