BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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quarta-feira, 26 de março de 2025

Adolescência e a raiz de tudo

O quê! Você ainda não assistiu “Adolescência”? Corre para assistir. Foi a mensagem que recebi. Não corri, mas fui buscar entender do que se tratava. Li alguns comentários e a sinopse dizia de um garoto de 13 anos que mata uma garota, sem aparente motivo. Também surgem nesses comentários palavras corriqueiras e wokeístas: bullying, misoginia, masculinidade tóxica, machismo, feminicídio (essa é foda de aguentar), incels, etc. Para dar mais tempero ainda, a história se baseia em um fato real. Bem, aí começam os truques... A minissérie, produzida por Brad Pitt, trocou o assassino da vida real, um negro e usuário de drogas, por um garoto branco, de família conservadora. (Claro que já estão negando.)

Então dei play e não consegui passar do primeiro episódio. A coisa é perturbadora, de uma trama discorrendo numa cidade da Inglaterra. E, claro, eu vou ter que lembrar, assim como a Inglaterra, toda a Europa escolheu o multiculturalismo ante ao cristianismo. E o resultado é uma civilização de identidade perdida, longe de seus valores de outrora. Nas primeiras cenas, o policial que desvenda o crime, esbanjando virtudes e competência, é um negro e seu parceiro é uma mulher. Tudo para fugir do estereótipo e lacrar, para não perder o costume woke.

A mensagem retornou ao celular com “hoje, é preciso pensar para ter filhos”. E o enredo, facilmente, aponta as causas: redes sociais, bullying, misoginia, ódio à mulher, machismo, incels, games, telas, telas... O que não se discute, no entanto, é a raiz de tudo isso. Por que os jovens estão assim? O que nos fez chegar a isso?

Eu tenho uma sugestão, e talvez seja a coisa mais perniciosa que o establishment já pôs no caminho da humanidade: o FEMINISMO. Voltemos ao século XIX e lá está a raiz de tudo isso. Ondas e ondas até chegarmos à quarta delas: o ódio ao homem, ao macho. E nem precisa dizer ódio em dobro ao patriarcado e à família. E vai-se semeando, com ideias progressistas, desde o jardim da infância. Meninos são tolhidos de sua masculinidade para não irritar garotinhas.

No século passado, a feminista Simone de Beauvoir e seu parceiro Jean-Paul Sartre já confundiam a cabeça de jovens e adolescentes, atraindo-os para seu convívio íntimo e depois abusando sexualmente deles. (Um método parecido com Júlio Lancelotti.) A verdade que essa praga chamada feminismo, invisível aos olhos, nunca mais nos deixou.

É obvio que tudo é mais perceptível e tateável em países de extremo progressismo, como a Inglaterra. O escritor Theodore Dalrymple não precisou ver “Adolescência”. Ele presenciou coisas talvez piores nos arredores de Londres, e narradas em “A Vida na Sarjeta”: “A vida nos bairros pobres da Grã-Bretanha demonstra o que acontece quando a maior parte da população, bem como autoridades, perde a fé na hierarquia de valores. O resultado é todo tipo de patologia: onde o conhecimento não é preferível à ignorância, e a alta cultura à baixa, os inteligentes e os que têm sensibilidade sofrem a perda total do significado das coisas”. Bingo!

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Março de 2025.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Amigos incorretos

Já se passaram 25 anos e parece que foi ontem... (Eu e essa minha sensação apocalíptica de tempo passando de pressa. E como passa...) Mas aí eu pergunto: o que nos faz lembrar 1994? Os saudosistas dirão que foi o ano do tetra campeonato do Brasil, do trágico acidente que vitimou Airton Senna ou do Plano Real. Mas quase ninguém lembrará que foi nesse ano que estreou uma das séries mais icônicas feitas para a TV, no mundo. (Os chamados sitcoms são a elevação do humor num encontro com a vida real.) Se não foi a maior produção, com certeza é a mais assistida de todos os tempos. Friends é engraçado, sensacional e atemporal.

No Brasil, a série só começou mesmo em 1996. Naquela época, os canais pagos eram de uma raridade, que só quem tinha uma antena da DirecTv podia assistir algo além da programação global. A Warner Brasil passava Friends na mesma sintonia que a TV americana. Eu, porém, só tomei conhecimento quando ela já estava acabando. (Fazia muitas coisas naquela época, menos ver TV.)

As mídias modernas e os streamings deixaram as TVs mais interativas, misturando-se com a internet, e todo mundo hoje pode ficar atualizado com tudo que rola aqui e lá fora. Inclusive com a programação dos lançamentos. Hoje, streamings como Netflix, Prime Vídeo ou de música Spotify colocaram-nos equalizados e ninguém perde mais nada. Basta pagar.

Voltando à conversa. Minha intenção nestas linhas, claro, não é descrever os personagens de Friends e nem contar curiosidades sobre a série. Há no YouTube e na internet uma vastidão de vídeos e artigos. Não serei eu mais um a contar — já contando —, por exemplo, que a moldura amarela pendurada no olho mágico na porta da Rachel/Monica era de um espelho que havia quebrado e o cenógrafo achou que ficaria bom ali. Virou logomarca, estampa de camiseta, souvenir; e ali permaneceu, por longos 10 anos.

O que me faz refletir sobre a série, e como relatei parte na crônica sobre Bridget Jones (ler aqui), é a linguagem: coloquial, comportamental, despojada e como ela separa, de forma substancial, aquela geração desta aqui, ressentidos de 2019. Aquela geração era politicamente incorreta e mais madura. Tinha um linguajar mais solto, sem advertências e óbices de intolerância. Muito diferente da linguagem de hoje, totalmente corrigida, censurada, pautada e forçando a barra para uma narrativa preconcebida.

No Brasil, isso ganhou um nome recente que pegou na internet: lacração. A postagem, as leis de governo, o discurso, a publicidade, a premiação do Oscar, os filmes de Hollywood, as novelas globais e todos os meios que tentam se comunicar através da cultura têm que lacrar na esteira do politicamente correto; vendendo diversidade para parecer legalzinho, como uma forma de corrigir possíveis falhas de comportamentos do passado. Com isso, quase tudo que se produz hoje tem um sotaque dessa narrativa chata, enfadonha e apodrecida. Foi-se o mérito, a frase marcante, a piada improvisada. Em seu lugar entrou o babaca lacrador, que para tudo ruge, corrige e "problematiza".

Como já escrevi numa postagem do Twitter, os progressistas não só querem dirigir nosso presente (apontando para o futuro), mas também se empenham em corrigir o passado. O marinheiro Popeye, por exemplo, na sua "ressignificação" (outra palavra inventada), trocou o cachimbo por um apito. Isso mesmo!, problematizaram o cachimbo de um personagem de 90 anos. Até programas nacionais, como a Escolinha do Professor Raimundo e Os Trapalhões ganharam nova linguagem politicamente correta. Ninguém gostou.

O termo politicamente correto e seu emprego é anterior a Friends, claro. Mas ganhou muito mais fôlego e espaço nos meios culturais a partir dos anos 2000. E isso pôs um freio moral, ético à dialética, orientou textos de escritores e roteiristas. Hoje ninguém consegue mais ter liberdade para criar um roteiro, um diálogo contrário à agenda progressista. Friends é marcado por essa linguagem que não veremos mais: despojada, solta, sem censura e ainda muita engraçada, até hoje.

Os seis personagens criados por Marta Kauffman e David Crane são brancos, de classe média, não-tatuados; não usam drogas, não fumam, não bebem. E por incrível que pareça, eles são heterossexuais — hoje tornou-se necessário dizer isso. Em todos os 236 episódios é possível encontrar muitas cenas, piadas sobre sexualidades com despojamentos e sem medo de uma nota pautada, com exclamação, do NYT. Faz pouco tempo vi a chamada de um artigo que dizia que Friends era homofóbico. Ri alto antes e depois que li a matéria cheia de não-me-toques e discurso politicamente correto. Gente chata, ressentida e sem sexo dá nisso.

Num episódio — difícil lembrar qual — Phoebe beija Rachel na boca. Um beijo até demorado, com muita comemoração do público presente na gravação. Havia um contexto todo ali, claro, até porque, segundo pesquisas, eles já se beijaram um ao outro em algum momento dos 10 anos. Agora, imagina o que a Folha de São Paulo diria hoje? Que havia ali um beijo lésbico; foi o primeiro da série; seriam elas bissexuais? E todo esse bla bla que só interessa a esse mundo lacrador.

Agora, tente imaginar se Friends fosse feita hoje:

RACHEL: Foi morar na república porque brigou com os pais, pois eles estavam se metendo demais na sua vida. Queria sua independência, mas vive mandando WhatsApp para o pai quando a grana acaba. Uma vez por semana, ela também leva suas roupas para a avó lavar.
PHOEBE: Feminista, tatuada, cabelo roxo, piercing no nariz e não depila. Marchou contra Trump e é  a favor do islã. Anticapitalista, abortista, toca violão muito mal e canta pior ainda suas músicas sem rimas, com letras falando em empoderamento.
MONICA: Lésbica não assumida, ela tem uma paixão recolhida por Rachel e sofre muito por não ser correspondida e ter que disputar esse amor com seu irmão Ross.
ROSS: Professor de história da rede pública. Marxista até o último fio de cabelo. vive doutrinando os alunos, dizendo que Hillary sofreu um golpe e Obama é o pai dos pobres. Cabelo com coque e maconheiro.
JOEY: O negão da série (entrou pelo sistema de cota hollywoodiana). É um gay preguiçoso que usa calça apertada. Não fica em emprego e vive reclamando de discriminação e preconceito, pois acha que merecia ganhar mais que os brancos.
CHANDLER: Mora com Joey e forma o casal da série. Vive dando chiliques e gritos histéricos quando Joey não arruma a cama onde eles dormem. Tem um pato e um galo de estimação, o que deixa nas entrelinhas se os animais dormem com eles na cama.

F.R.I.E.N.D.S - Essa foto usando canudinho plástico é considerada, hoje, uma ofensa à moral e aos bons costumes progressistas.
Friends não deixou saudade, porque, como os Beatles, muitas gerações ainda rebobinarão a fita e repetirão como eu tenho feito. O que deixa saudade é aquela geração, de uma era que parece não existirá mais. Na cena final do 236º episódio, eles estão no apartamento já vazio e cada um dos seis deixa a chave sobre o balcão, encerrando aquele ciclo, aqueles longos 10 anos.

Ali, naquele dois cenários dos apartamento e no sofá do Central Perk, nenhum jovem de hoje seria capaz de assumir, sem medo e agruras. Por que aqueles engraçados amigos são únicos e representaram uma geração corajosa, independente, sem amarras e sem falas teleguiadas. Friends fechou um ciclo de uma época que não volta mais.

Certa vez, li um texto que brincava com uma possível viagem à lua. O que (ou quem) você levaria? A pergunta era como se você nunca mais retornasse, mas poderia levar algo. Lembro que alguém (friendmaniac) respondeu que levaria um box de DVD com todos os episódios de Friends. Na época achei curioso e hoje dou razão. Seria uma bela lembrança deste mundo.

Estou namorando um pôster na internet que tem no seu título "It´s the end of an Era" (Isto é o fim de uma Era). E acho que foi mesmo. No rodapé do pôster há um resumo, em números, do que foi Friends: 5192 minutos, 236 episódios, 138 ex-companheiros (as), 25 ocupações (empregos), 10 anos, 9 casamentos, 7 crianças, 6 pessoas, 5 cidades e 4 apartamento.

1994 é uma imagem no retrovisor de um mundo que não veremos mais. Mas Friends respira, ainda encanta e nos faz lembrar todos os dias como foi bom viver aquela geração incorreta. E se um dia quisermos voltar já sabemos o caminho.

(Ah! Na minha opinião, dos friends quem eu mais gosto é de Rachel — linda! — e o mais engraçado é Chandler.) 

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / outubro de 2019

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Quando chama o coração... peraí


ATENÇÃO! ALERTA DE SPOILER 
Enquanto escrevo essas linhas, a crônica Quando chama o coração (ler aqui) já ultrapassou 10 mil views (ou leituras), aqui no Blog. O sucesso, com um número crescente nas últimas semanas, se deve ao fato da Netflix ter disponibilizado a quinta temporada de When Calls The Heart, no início deste mês. A procura por marcadores acaba encontrando este Blog, sem querer. Obrigado!

Na Netflix, a série já está na lista de "em alta", porque os fãs querem saber como continua a história de amor entre Elizabeth e Jack.

Não precisa dizer que, quando escrevi a crônica, em março de 2018, estava muito empolgado com a repercussão das imagens que chegavam dos EUA, dessa mesma quinta temporada. Ali, pelo sétimo episódio, acontece o casamento da década, como anunciou a Hallmark Channel. Finalmente Elizabeth e Jack se casam e pareciam que iam viver uma vida eterna, formando família e que tudo terminaria bem. Mas não foi bem isso... (Confesso que esse término da quinta temporada destemperou o romantismo que dei à minha crônica. Foi uma ducha de água fria.)

Aconteceu, porém, o inesperado. Capítulos depois, o personagem do mocinho Jack some, morre numa missão (?). A morte de Jack pegou todos de surpresa, não só os personagens, mas também o público fã da série. Os comentários nas redes sociais aqui no Brasil e nos EUA eram diversos e divergiam sobre a motivação da morte do personagem.

As mudanças de roteiro não agradou ninguém, claro. Tanto o público como o elenco ficaram perdidos: e agora? A atriz Erin Krakow fez uma live no Instagram na mesma semana. Não dava para esconder os olhos inchados de um choro que não sabemos ao certo se era dela ou de Elizabeth. Depois, a produtora da série, Hallmark Channel, fez uma outra live no Facebook com os dois atores (Erin e Daniel) sentados num sofá com a atriz Lori Loughlin no meio, como se estivesse apaziguando uma briga. Dessa vez Erin não escondeu e deixou escapar algumas lágrimas. O seu choro era de alguém que queria se recuperar de uma dor que ainda sentia. (Tenho comigo — não contem nada a ninguém — que ela estava apaixonada por Daniel.)

Dias depois, as duas atrizes vieram novamente às redes sociais anunciar que a série teria uma sexta temporada. E como todos já imaginavam, um bebê estava a caminho, dando linha a um roteiro reescrito. Mas muitos fãs afirmavam que não assistiriam a continuidade; não haveria mais graça seguir a série dali em diante. Aquele romance, que colocava tempero na história, agora era uma lembrança de Elizabeth. Seu herói estava morto. Era o fim de uma eternidade.

Depois, acompanhando os bastidores, descobri que o ator que interpreta o mountie Jack Thornton, Daniel Lissing, pediu para sair da série com a desculpa que tinha convites para outros papéis. Fiz alguns comentários que não agradaram muitas fãs do ator. Fazer o quê. Eu achei, e continuo achando, sua atitude uma falta de profissionalismo. Ele deveria ter respeitado o contrato e ido até o fim da quinta temporada, ao menos. Aliás, eu acho que não deveria nem haver a sexta. (Está para entrar no ar nos próximos dias nos EUA).

Encerrando, e sendo menos romântico que a crônica anterior, When Calls The Heart continua um refúgio para quem já se cansou deste século XXI tão cheio de valores invertidos (eu cansei). A série é pura emoção, ternura, romantismo, compaixão e tudo que agrada os olhos e os demais sentidos. Se fosse um cheiro, seria como o aroma de café da manhã, numa janela aberta ao passado.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / fevereiro de 2019

segunda-feira, 26 de março de 2018

Quando chama o coração

Eu tenho andando esses dias, digamos assim, mais emotivo. Então, aproveitei para vir aqui no meu refúgio e recostar no meu divã. Por vezes já caí numa cama com o coração nas mãos — meus 20 anos —, como se estivesse doente fisicamente, mas é alma, só alma. Apartei-me dos noticiários do cotidiano, da política, das discussões, da chateação e o que se revelou foi um peito entornando. Amor por alguém? Não, amor que não se põe em colo nenhum, mas que se sente no ar.

(Não tenho certeza, porque não lembro, se foi Nelson Rodrigues quem disse que o único amor puro é aquele que brota na nossa infância. Deve ter sido ele, vou pesquisar...)

Tenho passado uns tempos de muitas discussões e debates nas redes sociais. E por essas eu andei exaurido, fadigado, intolerante, gritando e xingando virtualmente. Fico atônito e inconformado, como muitos, porque queria que as coisas andassem de forma ligeira. Que a justiça viesse a galope, dragando e arrastando tudo e todos para dentro de um calabouço, onde só cabem os marginais do poder. Mas nem tudo depende de meu esforço, ou do meu pensamento positivo — eu penso, logo acontece. Há que se ter resiliência para aceitar e aguardar o tempo onde tudo acontecerá.

Nessa encruzilhada, redirecionei meus pensamentos para outros assuntos e acabei captando paisagens perdidas na janela da minha vida: — Olha aquele amor que pouco se comenta, está passando ali, virando uma esquina... Ele ainda habita no mundo, nos becos, nas casinhas dos arredores, nas montanhas; e, como terra molhada, tem cheiro de chuva. Há pessoas se amando nas nuvens,  nas madrugadas, em lençóis, fronhas, e ouvindo canções de amor. Há pessoas se olhando nos olhos, dizendo "sim" e colocando aliança nos dedos, sem receio do futuro. Ainda há.

(O outono se anuncia e toda vez que ele chega, vem um vento forte dos bons sentimentos; mais frio nas manhãs e mais calor no coração. E tudo fica mais à flor da pele. Os sentimentos brotam como folhas secas no cimento duro da calçada.)

Toda vez que ouvimos falar de histórias de amor, vem à mente uma tragédia como uma sobremesa acre depois do jantar, como dedos e unhas são justapostos. — Porque ninguém pode ser tão feliz assim, e uma tragédia deve acontecer — responderá o leitor. Nunca é um amor com final feliz. Sempre os protagonistas terão um câncer ou uma morte que impeça aquilo (o amor) de ser velho, de gerar filhos, netos e bisnetos; que impeça o amor de ser eterno. Claro que há, na vida real. Em ocasiões raras, já deparei com histórias de casais octogenários quando um morre o outro vai logo em seguida. Os antigos diziam que fulano "morreu de paixão". Não é uma dramaturgia shakespeariana, mas historias de gente de verdade, que não vão para os livros.

E por lembrar Shakespeare, veja que Romeu e Julieta é uma história que se repete ainda nos nossos dias. Digo que ela se repete, porque aqueles que ainda insistem nesse tema (romancistas e roteiristas) seguem a linha do amor que acaba em tragédia, em atropelamento, em doença, em crime e vingança. O amor que mata por amor, que morre por amor, por parecer grande demais ao mundo e o mundo não saber lidar com ele. E todos ficam com aquele nó na garganta de que algo poderia ser diferente. Aí eu pergunto: não dá para ser feliz para sempre, e além da eternidade? Amor que acaba em tragédia não é amor.

Bem, vamos ao que interessa. Já faz um ano, estava procurando algo novo para assistir na TV, cliquei numa série que, só pela sinopse minhas pupilas dilataram: No início do século XX, uma professora linda, recém formada, de família aristocrata, abandona seu conforto para lecionar numa pequena vila na fronteira dos EUA com o Canadá. Como sou capturado por filmes de chapéus e vestidos longos, me peguei a ver, mas já com medo de ser uma dessas tragédias de desencontros, conflitos (com ganhos e perdas) e morte com faca atravessando um corpo na beira da estrada.  

When Calls The Heart é muito maior que isso. É uma história de amor; do amor que se dá e recebe de volta; do amor que é possível e para sempre. Do amor que não se confunde com paixão. Daquele que brota no coração à léguas de distância das suas almas; e seguindo seu rastro e aroma como se o coração chamasse: venha, estou aqui! E faz seu imaginário flutuar, de não ter nem forças para encostar a cabeça no travesseiro e dormir. Você sonha acordado: é disso que sinto falta, desse amor...

A série é baseada no livro homônimo (1983) da escritora canadense Janette Oke. Numa pesquisa rápida, Janette tem 83 anos, e ela se dedica a escrever romances falando sobre sua fé cristã, onde, em muitas vezes, as mulheres são protagonistas.

Depois desse parênteses técnico, sigamos. Elizabeth Thatcher, a bela protagonista, vai atrás do desconhecido. Ela vai em busca de sonhos, com coragem, vivacidade, independência, como num retiro espiritual da sua vida. Ao chegar, ela encontra uma Coal Valley chocada com o acidente na mina de carvão que vitimou mais de quarenta homens. Por consequência, muitas viúvas tendo que criar seus filhos, sozinhas. Desde então, ela começa a perceber que não iria encontrar vida fácil naquela cidadezinha. Mas havia algo maior que tudo no caminho: o amor.

A escola, onde iria lecionar, não existe mais. Ela terá que improvisar e ministrar suas aulas num saloon, que fica fechado durante o dia. As crianças daquela cidade parecem despertar nela um outro sentimento que ainda não tinha tido: a dor pela perda de alguém próximo. É hora de ser mais forte e ajudá-las a enfrentar esse momento. Ao mesmo tempo da sua chegada, o policial de montaria Jack Thornton também apeia na cidade como representante da lei. Jack é jovem, belo, viril, corajoso e justo. O primeiro olhar entre eles é trocado no primeiro episódio e nunca mais eles serão os mesmos. Eles se apaixonam à primeira vista.

O amor que brota, cresce e toma conta entre o policial Jack e sua amada professora Elizabeth é algo de sonho, de conto de fadas. Eles têm pureza na alma. O primeiro beijo vão episódios para acontecer. Eles se amam nos olhares, nos gestos de bravura  e reconhecimento; uma admiração sem muitas palavras. Num dos episódios, Elizabeth tenta editar suas memórias em um livro, e quando ela manda uma carta para a editora, recebe um "não" como resposta. Imediatamente, Jack, percebendo sua tristeza, a surpreende ao confeccionar um único livro para ela. Ele, além disso, ilustra seus textos com seus desenhos. A conquista do coração com gestos singelos. Ela se joga em seus braços quando ele lhe entrega o livro.

O episódio do Natal é também surpreendente e mágico.  (Sem dar muito spoiler, mas vou contar só esse.) Às vésperas do Natal, surge na cidade um velhinho com seu cachorro e numa carruagem cheia de bugigangas. Ele tem um slogan: "eu tenho exatamente aquilo que você precisa". Exibe simpatia e diz pertencer a lugar nenhum, mas vive no mundo... As crianças ao avistarem na sua carruagem, já o identificam: Santa! Mas algo inesperado acabou estragando o baile da polícia que Jack iria levar Elizabeth. O trem, onde trazia os presentes das crianças de Hope Valley (a cidade havia mudado de nome alguns capítulos anteriores), descarrila. Imediatamente, a cidade se junta para fabricar presentes com os objetos que as pessoas possuíam em casa. Nenhuma criança podia ficar sem.

Tudo deu certo. Depois da encenação do Natal e a distribuição dos presentes, Jack recebe do velhinho viajante uma caixinha de música, e lhe diz: — não precisa pagar... Ao mesmo tempo que Elizabeth chega em casa exaurida e vê na sua árvore de Natal um bilhete de Jack pedindo para comparecer ao saloon numa roupa informal. Ela põe o seu vestido de baile e vai até ao encontro com Jack. Quando chega, vê um ambiente todo iluminado à luz de vela, como se fosse um salão de baile. Jack aparece segurando aquela caixinha de música de repertório único, e eles dançam. Antes de partir da cidade, aquele velhinho arremessa uma bola de basebol para o alto, até ela explodir em fogos de artifício e fazer a neve cair na noite de Natal de Hope Valley. Ele era mesmo o papai Noel.

WCTH é puro amor, sem tragédia. Totalmente politicamente incorreta, não porque retrata um período que já parece longínquo da nossa história (o século XX), mas por não dar espaço a discussões como gênero, homossexualismo, feminismo e outros temas do maldito mundo de hoje. Ao contrário, a cada episódio o público leva consigo uma mensagem de compaixão, amizade, heroísmo, resgate, bravura, justiça, fé e amor. A série transmite valores conservadores que uma novela da Globo não mostraria, e sem ser piegas. Tudo se condensa e a faz você aspirar, como se segue um aroma de café fresco quando os olhos se abrem pela manhã.

Enquanto a quinta temporada ainda não chega ao Brasil — Go Netflix! —, os fãs americanos estão se emocionando, todos os domingos, com cada episódio dessa temporada. Tenho acompanhado alguma coisa via Twitter. O ápice foi no domingo (18/03) com o casamento de Jack e Elizabeth; aquele que a Hallmark Channel chamou de "o casamento da década", porque era tudo que o público esperava desde o primeiro episódio. Eles eram correspondentes em tudo e o casamento foi a premiação e a consequência desse amor. O casamento foi para selar o compromisso já assumido daquelas almas, desde o primeiro olhar. Gostaria de reproduzir toda a cena da celebração, mas deixo aqui resumido só um instante: na igrejinha de Hope Valley (Elizabeth ministrou muitas aulas à suas crianças), uma lágrima — única e pequena lágrima — escorre pelo canto de seus olhos, quando ela declara todo o seu amor, e termina com a voz murmurada: — I'm yours.

"They say There´s fireworks in empty Sky. They say. That your stomach fills up with butterflies. They say. You will know. Cause your heart takes flight. When you finally find THE ONE..."
A coisa foi levada tão a sério, que parecia ser vida real. A atriz Erin Krakow (Elizabeth) trocou o sobrenome de solteira de sua personagem para o de casada, na bio da sua conta de Twitter. Passou a se chamar "Elizabeth Thornton". Uma realidade fora do comum, enquanto a hashtag "Hearties", que marca os apaixonados pela série, chegou ao oitavo lugar naquela tarde/noite nos EUA. Os hearties estavam com os olhos cheios de lágrimas. Eu, sem assistir, também fiquei.

O Canal dos EUA Hallmark Channel (tem um histórico de ser um canal cristão com conteúdo para a família), produtor da série, anunciou na mesma semana que WCTH terá a sexta temporada. O sucesso do episódio do casamento teve uma repercussão tão grande, que eles apostaram numa última e derradeira temporada (última?). Isso só comprovou uma coisa: as pessoas, lá e em qualquer lugar do mundo, ainda quererem ver mesmo é história de amor, e com final feliz.

Nessa, meu imaginário já viajou ao término dessa linda história: Jack e Elizabeth irão envelhecer em Hope Valley. Lutarão por outras causas e amores; terão filhos e netos; e, por fim, uma eternidade para viverem. E o mundo ainda respira, porque existe amor. E ele está no ar.

(Lembrei-me da frase de Nelson Rodrigues: "Como sempre me apaixonei por minhas professoras, acho que as grandes paixões do homem surgem quando ele está entre os seis e dez anos, apenas". Então, eu posso dizer que tive a minha Elizabeth Thatcher.)

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / março de 2018