BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
Mostrando postagens com marcador antagonismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador antagonismo. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Assim na terra como no céu


Eu disse que estava escrevendo um texto sobre essa antítese que rege nossas vidas: o bem e o mal. O que chamo de guerra das guerras, porque seu fim nunca chega, é milenar, apocalíptico. Sempre houve e sempre haverá a medida de forças, como um cabo de guerra, que se puxa na polaridade da Terra. São essas as forças antagônicas de equilíbrio da existência da raça humana e toda natureza que a cerca. Porque essa é a nossa condição. Não há garantia um dia vamos dar certo nessa vida, e só uma delas sairá vitoriosa. Isso talvez seja o grande desafio de viver: a corda bamba no desfiladeiro do fim do mundo.

A guerra das guerras não se trava visível à luz do dia, nas trincheiras, por trás de barricadas, nos bombardeios aéreos. É uma guerra longa, silenciosa, lenta, no obscurantismo, nas trevas. A guerra que nunca termina é a batalha entre o bem contra o mal. Todos os dias, nos calabouços da mente humana ela se alimenta, e com a vida seguindo seu curso, numa sensação de “paz e amor”. O mundo nunca terá paz por completo. Esqueçam essa história de "mundo melhor".

Se olharmos para a Terra do espaço, veremos um sinal de fumaça aqui e ali, de explosões e ataques aéreos aos grupos terroristas islâmicos — o novo inimigo do Ocidente. Nada que possa alarmar a humanidade (?); nada que se compara às grandes guerras mundiais. O mundo, aparentemente, anda numa certa passividade, de gente boba nas redes sociais. Mas não é bem assim. Os longos anos da guerra fria nos ensinou que há outros tipos de batalhas. As piores são as silenciosas.

Não é muito difícil imaginar que muitas coisas que mantém a existência humana funcionam aos pares, como um universo paralelo onde tudo se equilibra: masculino e feminino, esquerda e direita, corpo e alma, amor e ódio, vida e morte. Como também a paradoxal covardia e coragem, céu e terra, côncavo e convexo. Nossos membros superiores e inferiores vieram aos pares; depois as narinas, os ouvidos, os olhos.  

O formato arredondado da Terra, e muito do que a ciência tem descoberto, mostra que o universo é um colosso simétrico, ou parece ser. O que equilibra tudo isso? Penso sobre essas forças antagônicas, que se complementam, e traçam uma linha imaginária que separa tudo em partes iguais, como uma laranja. 

Alguns pares nos foram negados. A cabeça, o órgão sexual, o coração, por exemplo. Talvez, se tivéssemos em pares (e opostos) não saberíamos como reagir em muitas situações. Assim, uma só boca para termos uma palavra só, fica bem claro. Com uma só perna, não caminharíamos tão longas distâncias e o equilíbrio seria mais difícil. Sem uma das mãos, não faríamos muitos serviços, como fazemos tento as duas; sem um dos ouvidos não alcançaríamos muitas notas musicais. 

Assim, como o chão que atrai nossos corpos e tudo que está sobre a terra. Newton entendeu essa lógica: se não saímos do chão como os pássaros é porque algo nos prende a ele: uma força gravitacional. Há uma força que nos faz estar em contato com o chão, e por isso não temos esse dom dos pássaros. (Se não tivessem asas, não seriam pássaros.) É uma lei de atração, de abstração, de sucção. Ação e reação.

A filosofia chinesa, o taoismo, definiu o conceito Yin-Yang como forças opostos e que se convergem para formar a vida e todo seu complemento. Yin representa o feminino e Yang o oposto, masculino. Assim, reconhecem que é a vida em todos os seus princípios.

Quando penso no bem e no mal, imagino que o mal nasceu antes. Ambos vieram do coração, da ira e da compaixão. Reconhecemos, lá na pré-história alguém teve sua fúria, por sobrevivência, exposta; o bem nasceu da compaixão, por um resposta a tudo. Nunca mais se separaram.

Não ser teimoso e achar que todos os seres vivos estão dispostos a praticar só o bem, e, portanto, só reconhecem o mal depois que a "sociedade" o condenou. Assim, seguindo essa cartilha esquerdista, ele atira para o lado do bandido, como forma de proteger. Nada disso me convence. O mal e o bem já vem como um combo, um kit de sobrevivência. Uma hora utilizamos um ou outro.

Estou lendo o livro "A Corporação", de Nicholas Hagger. E o que diz esse livro? Descreve um poder paralelo, além de nações e governos, que domina e controla o mundo sob os vários meios: políticos, Então, aquela história de donos do mundo, que dizem ser uma conspiração, é séria. Eles agem no obscurantismo, organizando sociedades secretas que envolvem uma parcela significativa da sociedade, como a imprensa mundial, por exemplo. Anônimos, eles comandam nossas vidas há mais de 100 anos. O fim disso? Difícil imaginar, pois se quisessem o bem da humanidade, estariam financiando a paz e não guerras.

Você pode achar que o mundo anda num estado de normalidade, e por isso não devemos criar alarmes e acender luzes de perigo. Nós vivemos, de fato, uma era de desprezo pela vida — a nossa e a alheia. Nunca o homem fez tanto pouco caso da vida, não estando em guerras de tanques – elas justificam o mal. As guerras travadas são internas. Pela autoestima, o narcisismo, se sentir feliz a todo tempo. Isso explica o porquê de muitos sentirem seu coração partido ao ver um cachorro na chuva e nada sentem quando um mendigo dorme ao relento. O desprezo é pelo humano.

Desprezamos a vida, porque tudo que nos cerca nos dá a falsa sensação que temos controle sobre ela e de tudo que pode vir no futuro. Não há controle de nada, só incapacidade cada vez maior de reagir ao mundo e de se sentir mais afetuoso. O bem e o mal se travam, embora tudo faz nos confundir, para que não saibamos definir mais, nem um nem outro. O que salvar primeiro no fim dos tempos, o corpo ou a alma? Tem gente que ainda tem essa dúvida.

O mundo é isso mesmo: um lugar de encontro de seres iguais que se estranham, de vez em quando. E que agora padece nesse gap que se tornou este século. De pessoas ressentidas, mal-amadas, fingidas, distantes e de afetos duvidosos. É preciso entender como as pontas se juntam lá no fim, como é aquilo que une tudo na vida. Como o bem e o mal, Deus e o demônio. E assim na terra como no céu.

(Desculpa se não consegui ser tão claro)

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Dezembro de 2016

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Causa humana




Talvez eu entenda um pouco — bem pouco — do excessivo zelo, trato, cuidado, nos nossos dias, aos animais domésticos: festas de aniversario, colos, carinhos, banho, tosa, perfumaria, lugar na cama, presentes. E gente cada vez mais, e vorazmente, se empenhando em chamar atenção do mundo a essa causa.

Isso que pode se chamar também, sim!, de amor; o qual, sem sombra de dúvida, vem ocupando o lugar dos seres humanos no coração dos...seres humanos (será mais um problema da falta de interesse de um pelo outro, por famílias, ter filhos e sexo? Sei lá...)

Num mesmo dia, separado só por uns três minutos de intervalo, a TV local da minha cidade divulgou duas matérias jornalísticas, no mínimo, antagônicas. A primeira de grupos de familiares que faziam uma pequena passeata (para chamar atenção) sobre a importância da adoção de crianças. Eram umas 40 pessoas somente. Havia até um casal que esperava um filho na barriga e estava na fila da adoção. Gesto humano e difícil de ver. Do outro lado, na matéria seguinte, uma feira e desfile de pets num shopping da cidade. Aí sim, com milhares de pessoas felizes exibindo seus animaizinhos bibelôs. Pensei comigo: estamos mesmo vivendo outros tempos. O interesse por cães e gatos já superou o de seres humanos.

Estou esperando até agora alguma manifestação. No dia 09 de Setembro último, uma garota de 13 anos foi espancada numa escola em Sorocaba, interior de São Paulo, por outra garota, só pelo fato dela ser... bonita. Isso mesmo, o crime dela é ser mais bela que a bruxa malvada, a inveja em pessoa; e o conto de fadas (sem príncipe) é que a maçã da bruxa de Branca de Neve virou um socão na boca. 

Resultado: arrancou-lhe os dois incisivos centrais de sua boca. Ninguém veio nas redes sociais (Facebook) dizer uma palavra, se indignar com tamanha  estupidez e covardia (a outra que atacou era três anos mais velha). Mas fosse ela pertencente algum grupo de minoria, ou uma gatinha maltratada, isso teria comovido o mundo, e autoridades seriam cobradas por justiça.

Vivemos, de fato, a Era do antagonismo com perda dos valores humanos. A cada dia perdemos, também mais, o poder de se indignar com esse solapamento de vidas, ou simplesmente aquilo que é inerente ao ser humano; contudo, os canalhas autoritários avançam sobre nós com mais vigor e poder — tudo que lhes demos. Até virarmos pó e refém por completo.

Há algo de errado no mundo de hoje. Onde os animais são enterrados com honras de grandes homens; e homens são mortos, sem nenhum remorso, como se fossem pequenos animais.

Mas eu só vou entender mesmo essa inversão (sentimental), essa carência, essa afetuosidade, o dia que ouvir um gato num bar mentindo vergonhosamente para o garçom; e depois ver um cão traído, cabisbaixo se matando melancólico, enforcado com sua própria coleira.

Haverá compreensão, estarão mais humanizados; aí sim, dá pra amar, conviver, gargalhar, sofrer, acolher como seres humanos. De outro modo, fica fácil ser só animal doméstico abanando o rabicó. Afinal, eles são encarnações de anjos do céu: bonzinhos e sem maldade alguma — dirão.

Desde onde o homem conhece o outro, ele é suscetível a ser irritante, falho, hipócrita, mentiroso, covarde, desleal; mas também carinhoso, leal e amável: o livre arbítrio divino. E de poder amar no outro o que também tem de pecaminoso e pior em si. Esta coisa de amar só o bem é abjeção com cianeto. Homem nenhum abana o rabo quando vê um canalha.

Penso, assim, se outra vida tivessem, muitos desses gostariam de nascer gato de madame, porque todos querem ser gatos e cães de pedigree. Se gato não faz nada, só come, bebe, espreguiça e se lambe, imagina o de madame. Que inveja felina! Tive cachorros em casa, mas eles viveram como devem viver animais domésticos: nos fazendo felizes no quintal.

Aqui não é céu e não dá pra brincar disso: agora eu quero ser animal, porque eles não traem, não mentem; e por essas e outras merecem o lugar do ser humano nos banquetes. Ainda temos muito que falhar e pecar; e eu só entendo amar quando os defeitos também são evidentes, como os nossos. Amar o bem perfeito e quem só late ou mia é fácil e confortável. Quero ver amar quem tem defeitos como os nossos.

Sei, por fim, que contrario muitos amigos queridos que se dedicam a essas causas (até com exagero). Eu, porém, não entro nessa turba da causa animal, porque ainda estou tentando entender e aprender a causa humana. 

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Outubro de 2014.