BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

É possível viver sem trauma?

Luiz Felipe Pondé, filósofo, nos vídeos do seu canal do YouTube, começa quase sempre com uma pergunta. Eu também começo essa nova crônica com uma pergunta, que poderia se destrinchar em muitas outras: É possível viver sem traumas? Antes, a propósito da crônica anterior, que falo da mulher de 30 e 40 anos, estou me sentindo como um Roberto Carlos com suas músicas para as mulheres: uma para cada idade. A próxima crônica deverá ser para a mulher de 50. Voltando.

É possível um mundo sem traumas? Ou: é possível viver sem problemas e frustrações? Talvez numa galáxia distante, ou na eternidade, como cremos nós, os cristãos, sim. A vida abreviada de suas dores não pode ser considerada vivida; é um paraíso em outro lugar distante da Terra. E por que eu digo, invoco, isso? Vivemos num mundo tão autossuficiente, cheios de avanços tecnológicos, facilidades que já consideramos uma vida sem dores (tiraram o álcool do merthiolate) algo, sim, possível. Oras, uma vida, um mundo sem dor é para gente descolada. Que passa ao lado de um corpo caído na sarjeta, com as vísceras à mostra, e sai chupando seu Chicabon e assoviando ao mesmo tempo.

Em 2011, quando ainda recebíamos muita coisa por email, caiu um texto muito bom na minha caixa postal. O texto escrito pela jornalista Eliane Brum, "Meu filho não merece nada" (clique aqui), é uma carta a essa geração; um recado aos pais; um alerta a esse novo tempo e novo mundo. Seis anos depois, continua muito atual na minha memória e, pode ter certeza, continuará pelos próximos anos. Talvez fosse até desnecessária estas minhas palavras, mas há sempre algo a acrescentar. Num dos trechos, ela diz:

“Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode, significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.”

Dois anos atrás, ouvi um relato de uma mulher casada (com dois filhos e com os pés no chão), onde ela acusava seu irmão mais novo de vagabundo. E porque vagabundo? (Ela não disse, mas eu entendi assim.) Ele se encaixava perfeitamente nessa descrição, dessa geração que não sabe conviver com traumas, frustrações e desconforto; que acha que a vida é uma imensa Disneylândia, um parque temático onde a felicidade não é conquistada, mas um direito. E por isso, seu esforço diante da vida é mínimo. Ao menor destempero, ele se encolhe e corre para cama, na casa dos pais, é claro.

Ela me contou que seu irmão, aí na faixa dos 30 anos, não parava em emprego nenhum. E qual era o motivo? Ele não tinha qualificação para assumir o trabalho que lhe davam? Não! Ao contrário, ele era formado numa das maiores faculdades de engenharia do país, o ITA, aqui na minha cidade. O problema do rapagão era achar que as empresas que o contratavam, não estavam adaptadas ao seu estilo de trabalho, e tudo mais que ele tinha a oferecer (?). Isto é, a empresa não se enquadrava no seu perfil. Assim, ele ficava em casa (dos pais) à espera de alguma que viesse dizer: — Olha, fulano, diga o que você quer e melhoramos, para você vir trabalhar conosco.

Estamos falando dessa geração que não está acostumada a ter esforço, ou executar tarefas que não são do seu agrado. Então, ele volta correndo para casa dos pais, antes mesmo que alguém o mande fazer um serviço num país africano, quando ele queria mesmo era fazer um tour em Paris, às custas da empresa. Esse caso, do rapagão vagal, elucida bem que o problema não é o esforço dos pais, em colocar e formar os filhos numa das maiores escolas do país. O problema é como eles educaram esses seres para a vida.

Gosto de usar a analogia do sorvete (picolé) na praia. Toda criança, ali na faixa dos 5 anos, na praia, dá trabalho; ainda mais se a praia está cheia e com fortíssimas e altas ondas. Aí, os pais, ao invés de escolherem uma praia para criança (mais calma), preferem uma bem muvucada, pensando em si. Assim, não conseguem desgrudar os olhos da criança por um triz — criança cega, como se diz. Até o picolé, que está ali a cinco, dez metros de distância, a mãe levanta da cadeira para comprar. Penso que, se você fizer com que ele vá até o sorveteiro, com o dinheiro, e ele fizer sua escolha de sabor (tudo sobre seu olhar), você está dando a esse ser uma autonomia que ele ainda não tinha experimentado.

Qual o risco? Só o de não receber o troco correto. Parece pouco, mas isso é o que ele vai precisar o dia que sair da casa (se é que vai sair um dia): tomar à frente, decisões e se virar, mesmo com aqueles que ele não confia. Se ele escolher o picolé errado, não poderá fazer birra e se irritar com a mãe; a escolha foi dele. O sorveteiro foi embora, e a vida há momentos que fazemos escolhas erradas e não há mais tempo de reparar os erros. Não há garantia de sucesso e que tudo dará certo por nossas escolhas. Tudo começa aí. Construir uma vida também é conviver com os "nãos" que ela nos dá, por que nem tudo depende de nós.

Mas a coisa, da vida sem frustração, vem antes, acontecendo já na pré-escola. É crescente, a cada ano, o número de escolas (particulares e públicas) que têm abolido datas comemorativas como o dia dos pais e das mães. (Acho que já disse isso em uma crônica. Bem, não custa repetir.) Em lugar dessas datas, eles querem instituir o "Dia da família". (Vamos ver se o comércio irá gostar.)

E por que o dia da família? Como todos sabem, família virou uma palavra deturpada, vilipendiada e massificada nesses novos tempos. Tudo virou família. Um casal homossexual e um gato é uma família, por exemplo. Então, se no dia da família, na escola do seu filho, alguém aparecer com a avó, com o tio, o padrasto, a madrasta, o irmão mais velho, uma vizinha, um casal homossexual, etc., tudo está contextualizado. E aí nenhum aluno sofrerá bullying ou se sentirá traumatizado por não ter um pai ou uma mãe biológica. E aqui eu descrevo, e porque é necessário, como era na minha infância na escola. Lembro-me que na minha sala (deveria haver em outras), havia uma aluna que sempre levava a avó nos dias dos pais e das mães. E ninguém olhava aquela garota como uma coitada. Não éramos ensinados a nos compadecer, até porque nem sabíamos se havia dor dentro dela. E se havia, era só dela e para sentir sozinha. Dor é aquilo que se sentia no particular, sem que a sociedade tomasse partido. Se ela viveu com trauma depois? Garanto que não.

Há um desprezo também dessa geração pela morte. Neste mundo (cheio de tecnologias, avanços, curas, saúde e facilidades) é impossível, para essa geração, pensar que tudo um dia acaba, tem um fim, pelo menos no corpo. Assim, eles vão vivendo a vida sem freios, obstáculos e consequências. Um garoto de 13 anos, num desses jogos de internet, onde se joga online, suicidou-se em 2016; talvez sem saber até que morreria, ou que a morte era o fim, porque a punição para o perdedor era o enforcamento. Talvez ele achasse que houvesse mais jogo, ou que alguém o encontraria antes de dar o último suspiro e que não haveria dor. Ninguém lhe disse nada sobre morrer (no corpo). Depois os pais vêm dizer que não sabiam que o filho jogava esses games perigosos.

Também, desde a mais tenra idade, eles aprendem a odiar com facilidade. A frase "eu odeio" está sempre presente no vocabulário, mais do que "eu gosto". O que fica explicitado que eles gostem de poucas coisas e odeiem muito mais. Isso (gostar e odiar) pode ser qualquer coisa ou pessoa. Vai desde um sanduíche até uma música do tempo dos seus pais. Eles acham que tudo que está dentro do seu tempo e espaço é bom e por isso ele deve gostar. E muitas vezes o "odeio isso" é simplesmente para dizerem aos seus pais: "não me venham impor nada." O odiar para uma comida, por exemplo, pode ser aquele jiló que eles nunca sequer experimentaram. Muito diferente da minha geração, que não tinha essa coisa de odiar, sem experimentar. E assim, seus pais os libertam de dizer "não", até para aquilo que eles nem sequer provaram antes. Para odiar cigarro, eu tive que experimentar.

O relativismo moral, já dito por mim aqui neste Blog, tem link com essa conversa toda. Quando nada é proibido, porque tudo é ponto de vista, pronto!, estamos diante de fatos e posturas diversas, sem nenhum tipo de regra, punição, seja por parte dos pais ou mesmo da sociedade em volta. (Nota baixa não repete mais ninguém de ano.) Se um menino de 13 anos, por exemplo, começar a usar droga no sofá da sala, na frente dos pais, isso poderá ser contemporizado por essa visão; ainda mais se os pais forem um desses descolados progressistas. Eles poderão dizer: "melhor que ele fume aqui, na nossa frente, do que fumar escondido, na rua." Esse adolescente não se sente mais impedido de fazer nada dali em diante, dentro e fora de casa. Um mundo de possibilidades foi criado. Ele se sentirá dono desse mundo, cada vez mais.

Enquanto encerro essas linhas — alguns podem até dizer que não tenho paternidade para entender essa geração, ok! —, uma mãe está deitada, neste momento, no sofá da sala, com a TV ligada para paredes, e conectada numa conversa tola de WhatsApp com uma amiga. Enquanto isso, seu filho está no quarto no computador jogando numa rede online, sabe lá o quê. E depois ela (e ele) não entende quando seu filho começa a dar problemas fora de casa. A primeira coisa é o psicólogo, sem nenhuma mea culpa. Sempre eles (pais) vão dizer que os educaram direito, não absorvendo nada. Nem mesmo suas ausências e a referência sagrada de pai e de mãe.

Concluindo. Na próxima vez que seu filho quebrar a cara por fazer algo, sem ao menos consultar você, não lhe dê colo, ombro, compaixão, como está acostumado. Dê-lhe desprezo e uma bela lição de moral. Se ele não aprender com você, pode ter certeza que aprenderá com o punhal da vida. Os traumas, evitados pelos pais, virão em forma de uma dor maior e mais profunda. Muito maior será, se um dia ele sentir a falta que faz um pai ou uma mãe, que morreram num acidente de carro. Até para comprar um simples picolé na praia, ele não saberá se virar (exagero), até por que nem isso você deixou que ele aprendesse.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / agosto de 2017

domingo, 16 de outubro de 2011

Com quem será?


Não existe lugar melhor para levantar assuntos polêmicos do que uma mesa de bar. Ali se deixam opinar; não existe censura ou repressão, e muitas vezes há choros — com revelações surpreendentes. Um verdadeiro divã para psicanalista; e nem precisa de uns goles a mais, as palavras brotam por si só.

Outro dia, numas dessas conversas de botequim, quando falávamos sobre educação e criação de filhos (havia pessoas conhecedoras do assunto), veio a mim uma questão que expus. Por que virou costume em festas de aniversários, além do “parabéns a você”, cantarem o constrangido hino “com quem será”? Digo que é constrangedor, porque os puxadores se esquecem de que estamos ali para homenagear, celebrar e não constranger alguém. Se for mulher ou homem, casado ou solteiro, adulto ou criança; não importa, será escarnecido. Ou, pagará o mico. Para muitos, não passa de uma brincadeira, mas nem sempre é assim. No caso da criança, é uma forma de bullying (intimidação). Por que não?

Quando era criança, nas festas infantis, havia tão somente o “parabéns a você” seguido de um grito uníssono do “pra fulana nada? Tudo! Então como é que é. É pique, é pique, é pique é pique. É hora, é hora... Rachi bum, fulana, fulana!” Pronto, o aniversariante era homenageado, saudado, ovacionado; e não constrangido no dia do seu aniversário.

Quando chegou a era do “com quem será” — não me pergunte quem criou essa tolice —, presenciei algumas festas infantis. A criança, roxa de raiva ao ouvir aquilo, escondeu-se embaixo da mesa; houve casos onde ela saiu correndo, procurando um buraco para se enfiar; em muitos, ela fazia sinal negativo com o dedo; com gargalhadas dos convidados, inclusive dos pais. Isto é penoso demais, é coação. Não só isso, mas a incitação à precocidade, de aos 10 anos de idade, ter que cumprir aquilo que ainda não está no seu script: corresponder-se sentimentalmente e sexualmente com a garotinha que está na ponta da mesa. É pior que o despejo de ovos na cabeça no portão do colégio.

Até os meus 12 anos, ainda tinha hábitos infantis, como empinar pipas, futebol de rua, carrinhos, esconde-esconde, pega-pega; brincadeiras verdadeiramente infantis. Não era cobrado por ser adulto. Mesmo quando entrei definitivamente na adolescência – com um pequeno trauma de deixar a infância, como muitos – fui respeitoso com esse processo. Somente nos meus 15 anos, eu comecei a interessar por alguma menina. Disse interessar, isso não quer dizer que a abordei ou a encostei na parede tentando arrebatar-lhe um beijo. Além do que era tímido.

Psicanalistas irão dizer que a sexualidade já está no ser humano nos primeiros dias de vida. A sexualidade e não o sexo, diga-se de passagem. Como a necessidade de se alimentar ao levar os dedos à boca; são descobertas. Mas estimular o sexo, pulando etapas, poderá gerar um choque na formação do indivíduo. Não sou estudioso, mas é o que penso. Abomino essa precocidade.

Faz um ano li nos noticiários, que o governo brasileiro, não sei precisar qual ministério, queria disponibilizar nas instituições públicas de ensino, máquinas para distribuição gratuita de preservativos. Recentemente, vi que a ideia absurda, ainda está em pauta. Como já disse a amigos, mais uma vez o governo quer entrar em nossas casas para dizer como devemos educar nossos filhos, na vida sexual também.

Poderão alegar o crescente número de adolescentes grávidas. Mas isso não é a melhor maneira de diminuir o risco; sim, pode ter o efeito contrário, estimular o sexo numa idade onde não existe o preparo. Volto ao que já venho afirmando, a família deve sim orientar e educar nesse tema; pais (casados ou divorciados) devem educar seus filhos nas questões e tabus sobre sexo.

Imagina uma máquina dessas na frente de um pré-adolescente, ali nos seus 12 anos de idade. Ele ficará constrangido em ter que apertar o botão da máquina na frente da plateia de amigos. Se apertar, ficará constrangido por ficar com o envelope guardado na mochila por muito tempo; irá querer usar, ou será intimidado por outros a ter que usar. O mesmo ocorrerá com as meninas. No fim, as escolas virarão um atalho obscuro ao sexo precoce e sem limite. Com permissão.

Depois dessa infeliz atitude, não ficarei surpreso, se obrigarem as escolas a terem salas para tratarem necessidades sexuais dos alunos; com luz ambiente e música para relaxar. Isso é pior que “com quem será” nas festas infantis. E haverá pais que ainda acharão graça, como fazem vendo seus filhos sendo constrangidos em frente ao bolo de aniversário.

O sexo, assim como o amor, deverá ser aflorado naturalmente em qualquer indivíduo, como um sol que raia o dia em meio à escuridão. Sem o intrometimento e a imposição das vozes de um “com quem será”. É preciso respeitar as crianças e a infância.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / outubro de 2011

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Criar e Educar


Muitas vezes sou chamado a explicar da minha não paternidade. Sim, as pessoas vivem a cobrar você disso e daquilo (já toquei no tema em outra crônica). Mulheres são cobradas e os homens também. Enfim, convivemos com isso. Neste assunto, não me importo em entrar (sem explicações Divinas...) e deixo que tudo se expire e se esvazie. Sinto-me como um ator que foi chamado para atuar num filme; estava no elenco, sabia o roteiro, decorei o script, mas na estreia, o projeto do filme foi cancelado. Continuo sabendo tudo do filme, mas não fui o ator que todos esperavam ver nas telas. Ser pai é, sem dúvida, uma das tarefas (papéis) mais difíceis; saber o script é obrigação, há que se ter preparação e dedicação. Principalmente no mundo em que vivemos, com suas fórmulas instantâneas para tudo e efêmero nas suas particularidades. É muito difícil educar, eu sei.

Içama Itiba é mestre em falar de assuntos de educação. Suas palestras começaram a brotar aqui e ali, e seus livros foram devorados por muitos pais, depois do caso Isabella Nardoni. Já foi o tempo, educar filhos era instintivo, como vestir um calçado ou andar para frente; passava de geração para geração, avós para pais, pais para filhos e filhos para filhos. Sem literatura ou fórmulas. Todo mundo respeitava todo mundo; e o mundo, creio, era bem melhor. Quando Oprah Winfrey perguntou à primeira dama dos EUA, Michelle Obama, como era a educação das filhas Sasha e Malia, ela foi imediata: “Não há nada de especial. Crio como meus pais me criaram: hora para desligar a tv, fazer as tarefas de casa e quando acordam, elas arrumam suas camas...”. Vindo de uma família que, pela posição de poder, teria todas as regalias do mundo para criar filhos, eis um belo exemplo. Michelle foi simplista ao lembrar-se da educação que obteve dos pais e quis resgatar. Quando ela palestrou aqui no Brasil, eu fiquei admirado com sua inteligência e carisma, agora mais ainda.

Não existe ditado mais antigo: a família é a célula (do lat. Cellula – estrutura básica que forma todos os indivíduos) da sociedade. As novas famílias estão perdendo a didática e a raiz; assim, mandam os filhos para escola, não para serem alfabetizados, mas pensando serem educados pelos professores. Delegam os primeiros passos de um indivíduo, na sua formação — onde tudo pode ser mudado ainda —, aos mestres. Esses, porém, não se veem obrigados a educar filhos dos outros. E aí veremos, tanto no ensino público como no particular, professores sendo ameaçados em sala de aula. Na minha formação, ninguém mandava filhos para escola, com o intuito que a pobre professorinha educasse o comportamento do fedelho. Tudo iniciava em casa.

Um jornalista me chamou atenção, para outra regra, que anda em moda nos dias de hoje: “seja o melhor amigo do seu filho”. Errado! Amigos passam a mão na cabeça, compartilham coisas erradas, muitas vezes estimulam o mal e são corporativos com suas vontades e vícios. Pais devem educar, se impor, dar e exigir o respeito; situar o indivíduo (filho) no mundo, para que ele não atravesse o sinal vermelho e invada além dos seus limites. Amizades, boas ou más, ele irá fazer na sua vida. E por elas fará suas escolhas. Nenhum pai deve ser o melhor amigo do filho; ele deve ser, sim, o melhor pai para o seu filho.

De um palestrante, ouvi a maior desculpa dos pais quando descobrem que seus filhos estão caminhando à margem da sociedade: “eu não tenho tempo...” Caso detalhado de um casal de médicos, que trabalhava 12 horas por dia, e não sabia que seu filho de 16 anos, tinha um pé de maconha plantado num vaso dentro do armário do quarto. Quando o garoto procurou ajuda externa e os pais foram chamados, a resposta foi essa: “não temos tempo...” Creio, ao passar dos 40 anos, já posso considerar que escapei dessa cilada da vida, as drogas. Sem vícios, me considero um privilegiado de um mundo que se construiu a minha volta, onde fui chamado a praticar o mal, mas lembrava de meus pais dentro de casa e tudo fez com que mudasse o leme do meu barco para águas calmas e limpas. Eles tiveram tempo e eu os mirei.

Para a colunista Bárbara Gancia, a palavra em português de mais aproximação para a tradução de bullying é “intimidação”. Não sei por que até hoje não há tradução; quem sabe, haveria mais compreensão na sociedade brasileira para este mal. Na verdade, a coisa começa dentro de casa também, na educação. Aceitar o outro como é, torna-se princípio básico para esta questão, que tanto nos atormenta e já motivou muitos crimes bárbaros, inclusive no Brasil. O filme “Um sonho possível” — 2010, retrata uma família que vive sem preconceitos, sem fronteiras racistas, com tolerância e amor ao próximo. Onde um jovem negro sem teto é adotado por essa família branca. A conquista pelo jovem Michael começa dentro da high school, com os filhos bem educados da família que o adotou depois. As crianças, em nenhum momento, viram o pobre Michael como os demais, com preconceito. Desde o princípio o trataram como um ser humano, sem distinção. Imperdível.

Ainda sobre o bullying, a coisa não é atual, como se supõe. Conheço uma mulher que, aos 13 anos em 1981, sofreu discriminação e intimidação num colégio na minha cidade, inclusive por suas próprias educadoras. Sistematicamente, era corrigida a falar “escola” e não “iscola”; a falar “Ê” ou invés de “É”, como assim se pronunciava, de onde veio no Rio de Janeiro. Para piorar, um aluno que sentava atrás da sua cadeira, cortou o seu cabelo com uma tesoura, aos olhos da educadora. Imediatamente seu pai a retirou daquele lugar, que chamavam de escola. O episódio desencadeou uns meses de depressão na menina. Foi bullying por preconceito.

Entre criar filhos e educar filhos há um abismo a ser vencido. Muitos pais abastecem seus filhos das necessidades básicas: alimentação, vestuário, play station, computador e por aí ficam. E mal sabem que, a educação realmente está na ponta, na raiz, na célula. Quem está de fora percebe isso melhor. Os dias de hoje são cruéis nas formações familiares. Perdeu-se o controle, perderam-se os princípios morais e religiosos. Meus pais eram poucos instruídos, mas o baú com heranças morais e religiosas estão guardados em mim. Eu pedia a bênção aos meus pais e avós a cada encontro, a cada dia. Dou graças a eles por ter errado menos na vida.

Como já disse não sou um especialista em educação de filhos, mesmo porque o universo me privou dessa dádiva — não lamento por isso. Mas vejo muitos pais, sem o cuidado necessário para preparar o indivíduo para um mundo desconhecido, o futuro. Isso está em todos os ambientes sociais, na plebe e na aristocracia. Em tudo vale a regra desses princípios: não roubar, respeitar e amar o próximo, não invejar, não trair, não corromper, não matar... Criar não é o mesmo que educar. Educação requer dedicação e não é um prato de comida sobre a mesa.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.