BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Confio em você

Hoje, me veio esta questão — que tanto precisamos ter certeza no mundo em que vivemos —, em quem posso confiar? Muito difícil dizer; fechamo-nos e nos retraímos mais nos dias de hoje; tudo por falta de confiança nas pessoas, ou porque, um dia, confiamos em quem não devíamos. Não dá mais para confiar em ninguém, então me refugio ao meu porão, com meus conflitos e medos; não há relação que se possa confiar. Será que caminhamos, de fato, para isso? Será que o isolamento, é o grande mal que aflige a humanidade? Já nos perdemos em relações, empregos, descaminhos por quebra de confiança em quem mais depositávamos. Decepções e angústias ficaram. Sentimentos que fingimos, relações de fachada, interesses pessoais; eis um cenário bom para a traição e a falta de confiança. Que grau de confiança, temos com as pessoas com quem nos relacionamos?

Eu era do tipo que muito fácil, depositava tesouros e tesouros em cofre alheio. Naufraguei-me muito por isso. Confiar em quem não conhecia profundamente. Agora, acredito que confiança tem que ter o tempo de amadurecimento da relação; tempo para conhecer e saber em que chão pisamos ou em que mundo tocamos as mãos.

Sempre quando quer dar exemplo de confiança, um amigo me faz esta pergunta: você deixaria fulano ou sicrano tomando conta da sua casa, com tudo que tem lá dentro? Esta pergunta passou a ser importante em minha vida. Em quem eu deixaria a guarda de meus pertences? Em qual coração eu depositaria meu amor, com a certeza de rendimentos futuros? Difícil dizer sem conhecer fundo, sem penetrar na alma. Já depositei muito pensando em rentabilidade, mas o que obtive foi um saldo devedor e dívidas (sentimentais) para sanar. Triste, mas é real. Aprendemos, então.

Na minha adolescência, lembro-me de um amigo que confiou a mim um segredo familiar. Ele apareceu chorando no portão da minha casa. Hoje reflito muito sobre esse dia, ele só poderia confiar em quem ele gostava demais. Depois que ele me contou e chorou, disse a ele que não era para ficar assim e tudo se resolveria. Guardei o que disse a sete chaves, como um tesouro precioso e íntimo daquela amizade. Os amigos são para sempre.

Confiamos, necessariamente, pela lente do amor. Confiar é umas das ramificações dos caminhos do amor. Para confiar é preciso olhar com a alma, mais do que com os olhos. Quando amamos e somos amados temos confiança. Se errarmos, iremos dizer que erramos para quem nós amamos, na confiança de que seremos perdoados.  Se isso for importante ao mundo — aprisionado e isolado —, saiba que a confiança une e liberta os corações. Quem confia ama e cuida. Ou, como uma paráfrase de um roteiro para um filme de amor: confiar, amar, cuidar.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / agosto de 2011.

sábado, 6 de agosto de 2011

A era do rádio


Vi recentemente o novo filme de Woody Allen, “Meia-noite em Paris”. Saí do cinema recomendando para todo mundo, me entusiasmei. Allen tem essa coisa de tratar o real e o imaginário sob o mesmo prisma; seus personagens fazem essa transgressão sem nenhum temor – vão e voltam; entram e saem. O que torna a trama uma viagem sem fim. Esta me tocou fundo; entrou  pelo túnel do tempo, com o olhar no passado sob as noites da cidade luz.

No filme, traz à Paris – a fim de colher inspiração – um escritor de roteiros para filmes americanos, Gil Pender, vivido por Owen Wilson; ele está escrevendo seu primeiro romance. Sua noiva Inez lhe faz companhia na viagem, com o propósito de viver noites maravilhosas na cidade luz. Ele é obcecado pelo passado, crendo que tudo que foi feito e quem existiu lá, era bem melhor. Descreve também ser um adorador das chuvas que molham seu corpo, sem nunca se importar em carregar uma “umbrella”. Numa dessas noites de embriaguez, sozinho, ele é convidado a entrar num Peugeot antigo, indo parar numa festa. Na verdade, aquela carruagem de rodas sem cavalos, o conduz de volta à Paris dos anos de 1920, onde irá encontrar com personagens ilustres e pelos quais admirava: Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Cole Porter, Salvador Dali, Scott Fitzgerald... Ainda foi agraciado por conhecer Adriana, a sedutora mulher – uma ilustre desconhecida –, por quem ficou apaixonado. Mas, qual a mensagem do filme?

Esperei quase o final do filme para decifrar, ou perceber a mais clara das mensagens que surdiu. Pode haver uma obsessão, mas nunca poderemos dizer que as melhores coisas da vida ficaram no passado, que vivemos ou não (imaginamos). No passado que voltarmos, outras pessoas que lá vivem, também acharão outros passados melhores - foi meu insight. Ele queria se auto afirmar sobre o que escrevia, dando seus manuscritos a esses personagens, com o intuito de receber elogios e confirmação do grande escritor que deseja ser - justificando suas viagens noturnas. Para ensejar sua aventura, ele se ajeita mesmo é com Gabrielle, a moça que vendia disco vinil na praça; e tal, como ele, não se importava em tomar chuva. Fica a dúvida, se ela era do seu presente, ou veio do futuro para encontrar e amar o grande escritor: Gil Pender.

Já faz tempo, tenho trocado o hábito de ver TV por ouvir rádio, quando me levanto. Gosto de acordar e começar o dia com café e notícia. O rádio ainda é uma companhia e continua a encantar; percebi que ele faz nossa imaginação fluir, penso com ele e personifico as vozes que ouço. No dia, vejo garis que trabalham solitariamente varrendo as ruas e os parques da cidade com o radinho no bolso do macacão – a espantar solidão. A locução do futebol pelo rádio é inigualável, dinâmica e emocionante. O mesmo jogo que vemos pela TV, só tem graça se for completado pelo som do rádio. Como os mais antigos diziam da locução de futebol, o jogo é irradiado. Deduzo, então, que o rádio não é do presente, vem do passado; daquele que não deixamos morrer; daquele passado que sobreviveu ao mundo carregado de mudanças e outros meios mais velozes de comunicação. Como nem a TV - o rádio com imagem -, colocou o rádio no passado distante – obsoleto –, então, nada mais irá substituir o prazer que suas ondas criaram em nós.

Antes da chegada da televisão em nossos lares, era pelo rádio que nossos antepassados adoçavam sonhos e ilusões. Dou minha explicação para o time do Flamengo ter a maior torcida do Brasil: a rádio Nacional era a única rádio que transmitia para o Brasil todo – década de 1940 – e irradiava somente os jogos do campeonato carioca. Junto vinham as notícias, radionovelas e programas de humor.

A rádio Mayrink Veiga – RJ foi precursora do melhor programa humorístico das décadas de 1940 até 1960. Está no anuário de 1950: naquela época, a rádio Nacional detinha as maiores estrelas do rádio como Orlando Silva, Francisco Alves, Silvio Caldas, Emilinha Borba; entre os dez melhores programas, nove eram exibidos pela Nacional, mas somente um programa era da rádio Mayrink Veiga – o humorístico PRK-30 -; com o prefixo de uma emissora "de ondas longas e compridas, curtas e encolhidas". O maior show de humor já feito no rádio no Brasil estreou nas ondas da rádio carioca em outubro de 1944. Para muitos, o maior programa de rádio já feito até hoje. Sendo disputado por outras emissoras, passou, posteriormente, para a rádio Tupi-RJ, de Assis Chateaubriand, até findar em 1964. Foram exatos vinte anos de PRK-30 e de muitas gargalhadas no ar.

Lauro Borges e Castro Barbosa
Tive oportunidade agora de conhecer e ouvir as célebres piadas criadas pelos seus apresentadores Lauro Borges e Castro Barbosa. Tudo ainda muito hilário, cheio de deboche, irreverência, improviso e criatividade. Lauro Borges criou 28 personagens ao longo de sua carreira no rádio. É fato, muitos dos humoristas que hoje conhecemos pela TV, como Chico Anísio, fizeram escola ouvindo PRK-30.

O rádio os imortalizou, como aqueles anos de ouro. Depois, com a chegada da TV, eles foram parar nas emissoras da época e aquela coisa do rádio, da imaginação se perdeu. Lauro Borges se suicidou em 1967, quando descobriu um câncer; Castro Barbosa faleceu em 1975. O humor deve ainda muito a eles. Se pudesse, viveria aquela época, só para ouvir PRK-30, como uma volta no tempo: "Bléim! Ao oubir esta suabe gongada, entra no ar, como se fosse uma barbuletinha dourada a PRK-30!...”.

Entrei num Peugeot antigo agora também, eu sei, mas foi bom...

Voltando a Woody Allen, ele dirigiu outro filme que se chamava “A era do rádio”, mas é só coincidência com o que acabo de narrar. Tudo o que nos faz melhor hoje (não somos frutos de nós mesmos), vem dessa raiz do passado que, por vezes, nos incita a voltar com os olhos e ouvidos mais atentos a tudo que nos trouxe até aqui; e assim podermos ser mais puros, essenciais, compreensivos com o presente e esperançosos com o futuro. Como o personagem do filme, podemos achar que tudo e todos eram realmente melhores no passado; até descobrir que outros viajantes do tempo pensam como nós. Não há nada de errado com a linha do tempo, certo com as lições que trazemos para a vida.

Era como um livro de Ernest Hemingway; poderia ser como um quadro de Picasso, ou como um filme de Luís Buñuel, ou quem sabe, uma música de Cole Porter; mas era a PRK-30, uma obra de arte que o rádio eternizou, sem tempo de padecer. Por noites, não me deixa dormir ou embalam involuntariamente meu sono, até me levar a dar boas gargalhadas pelo canal do inconsciente, dormindo. PRK-30 veio até mim pelo dial do passado, e é tudo de bom!

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / agosto de 2011.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Alô, alô PRK-30!


NO DIAL

Nas ondas da rádio Bandeirantes-Am (SP) 840mhz, há um programa de madrugada que se chama "Memória". Trata-se de um programa que conta a história do rádio no Brasil, trazendo muitos programas e personagens que marcaram a época de ouro do rádio. E como tem história para contar... Na política, nas artes, na cultura, na música é um acervo enorme. Quem tiver curiosidade e não está disposto ficar de madrugada ouvindo rádio (acha melhor dormir), os programas ficam disponíveis no portal da Rádio Bandeirantes. É só clicar aqui: Memória .

Antes da TV, era no rádio onde tudo acontecia. Com o nascimento da TV no Brasil, era de esperar que o rádio fosse acabar, ou ficar à mingua - com uma fatia menor de audiência. Isso não aconteceu aqui e nenhum país do mundo. O rádio sobreviveu a todos os demais meios modernos de comunicação que vieram depois.

Num desses programas de madrugada descobri que, o melhor programa humorístico da história do rádio se chamava PRK-30. Fiquei entusiasmado que, resolvi pesquisar mais e escrever o próximo texto para o Blog falando da PRK-30; numa volta ao passado, pelo dial do rádio. Confesso que dei boas gargalhadas com Lauro Borges e Castro Barbosa - protagonistas do programa. É um humor leve, sem apelação e de muita inteligência e improvisos.

O texto está quase pronto para postar. Aguardem.

SOM NO BLOG

Quem acessa o Blog agora, percebe que há um tocador, ou player de música, no canto direito acima. Estou ainda em teste com a novidade. Apanhando, pois algumas músicas não tocam e outras sim. Pelos menos a nova música do Chico Buarque – a que mais gosto – toca na íntegra: “Se eu soubesse”.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / agosto de 2011.