BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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quinta-feira, 15 de junho de 2017

Desconstrução

Esta crônica não começou aqui, mas nasceu numa conversa de botequim. Onde se conversa de tudo; e hoje, mais do que nunca, o assunto que supera o futebol é a política.

E não podemos tocar na política sem lembrar dos intelectuais, artistas de hoje (e antes) engajados — palavra muito usada no anos de 1970 — à correntes ideológicas e únicas de esquerda. Não, eu não sou daqueles que preciso saber o que um desses artistas de MPB pensa para tecer meus comentários. A bem da verdade, muitos deles se aproveitam, ainda hoje, da política para existir, ou melhor, difundir sua obra. É o caso da Lei Rouanet, que foi criada sob pretexto de incentivo à cultura dos anônimos, mas virou contrapartida, moeda de troca, aos artistas conhecidos e consagrados defenderem o governo de esquerda, que hoje nos rege, dono da lei, e sob qualquer viés. Como se todos nós fôssemos guiados por eles.

Poderia lembrar de outros aqui, mas o mais engajado sorridente, e quem mais se aproveitou dos governos (militar e de esquerda) foi Chico Buarque. Se projetou no regime militar e se condecorou no governo Lula/Dilma, como mito e símbolo de resistência. Ninguém mais do que ele é, até hoje, aclamado pela imprensa e toda a militância de esquerda como aquele que combateu a "ditadura", com suas músicas e peças de teatro. Combateu? Vamos voltar um pouco no tempo, reler e avaliar parte de sua obra. Uma desconstrução do autor de Construção? Sim, pode ser.

É inegável que Chico tenha sido perseguido pela censura do Regime. Não que suas letras eram balas de canhão a ponto atrair a massa e derrubar o governo — como a música que fez Geraldo Vandré — , mas só porque eram escritas por ele. Ele se fez, e hoje ainda se vende no meio artístico, como símbolo de resistência ao governo militar. Para isso, ousou em algumas letras, criou um pseudônimo e reescreveu algumas letras, trocando palavras, para ter suas músicas liberadas e gravadas.

Em 53 anos de carreira, Chico Buarque compôs, segundo seu site oficial, 343 músicas letradas (às vezes a mesma música com letras diferentes). Dessas músicas, nenhuma delas foi censurada no início de sua carreira até ser reconhecido como artista, de 1964 a 1969. Mesmo após o AI-5 (Dezembro de 1968), ele estava livre para compor e cantar. Sabiá, por exemplo era uma espécie de canção do exílio. Sem problemas nenhum, foi cantada no festival da Globo. Sua música mais tocada naquele final dos anos de 1960, Roda Viva, não sofreu corte nenhum da censura.

Somente em 1970 — e aqui começa tudo —, ele teve a sua primeira música proibida pela censura federal. Apesar de Você foi lançada num compacto simples — meu irmão tem até hoje essa raridade —, que tinha do lado B Desalento. Logo depois, quando perceberam que o "Você" não era nenhuma amante, mulher, etc, os discos foram recolhidos das lojas e a divulgação proibida nos meios de radiodifusão, pelos órgãos de censura. Subliminarmente era uma queixa clara ao governo militar. Muitos a chamam de "Carta ao Médici" ou "Carta ao presidente". Nessa época ele já tinha voltado do seu auto-exílio, em Roma.

Se levarmos em conta o valor de uma música que ficou no imaginário popular, como uma música de protesto (e que marcou um período), podemos dizer que só Apesar de Você e Cálice (1973), foram reconhecidas depois como músicas, com teor de crítica à política, e que sofreram censura ao longo da sua carreira. Isso não representa nem 1% da sua obra musical. Depois, ambas foram gravadas no LP de 1978, ainda dentro do Regime Militar. Foi mais um chororô de ocasião, e como a esquerda sempre interpretou bem nesse papel: vitimização. Para repetir até exaurir: — olha, eles estão me perseguindo. Fui censurado.

Alguém pode argumentar: mas ele teve outras músicas de cunho político censuradas, como Milagre brasileiro, Vence na vida quem diz sim, Tanto mar, etc. Essas não contam? Sim, mas sem a mesma importância. E o que eu digo, são aquelas que, mesmo censuradas, ficaram popularizadas, e sempre aparecerem em destaque na sua obra. Inclusive, depois, foram regravadas por ele mesmo.

As suas músicas censuradas (em partes ou integral), pelos órgãos de repressão do governo militar, eram por simbolizar aspectos negativos da vida social, ou aquilo que afrontava a "moral e bons costumes" da época. Partido Alto, por exemplo, teve palavras trocadas, porque ofendia a própria raça, o brasileiro. Disse o censor, que a avaliou: "Se é engraçado ou uma infelicidade para o autor ter nascido no Brasil, país onde ele vive, e encontra esse povo generoso que lhe dá sustento comprando seus discos, e pagando-o regiamente nos seus shows, afirmo que ele está nos gozando. Opino pelo veto." Depois que substituiu algumas palavras na música, o censor ainda lhe deu outra descompostura: "Como  é que você, que fez uma música como Construção, agora vem com esta, falando de titica e saco cheio." A música foi gravada.

Dos seus discos, nenhum foi mais comentado que Calabar. E aqui abro um espaço para descrever como a censura proibiu a peça e o disco, simultaneamente. Em 1973, Chico Buarque estava com 29 anos, e escreveu músicas lindas para a peça. Depois dos ensaios e pronta para estreia, ele soube que a peça havia sido proibida. Calabar, o elogia da traição soou como uma espécie de resposta à morte do Capitão Lamarca, desertor/traidor do exército brasileiro, por se juntar ao grupo de guerrilha Vanguarda Popular Revolucionária (VPR); se refugiando, por fim, no sertão da Bahia, onde foi encontrado e morto. Os órgãos de censura ao perceberem no meio a palavra "traição", não pensaram duas vezes em proibir tudo.

Das 11 músicas, do disco Chico canta Calabar (depois virou somente Chico canta), muitas tiveram parte das letras substituídas, ou estrofes retiradas (Tire as mãos de mim) e uma música foi totalmente censurada: Vence na vida quem diz sim. A capa, onde aparecia a palavra "Calabar" pichada num muro, também foi censurada. Na parte interna, no encarte do disco, a foto de soldados fazendo piquenique sobre a bandeira do Brasil também foi censurada. Ou seja, não sobrou quase nada. Apesar de tudo, o disco, com canções escritas por Chico e Ruy Guerra, é um dos melhores de sua carreira. A letra de Vence na vida quem diz sim, na forma como foi entregue à censura federal (anexa à esta crônica), aparece o carimbo de "vetada". Na canção Tire as mãos de mim, a última estrofe não foi gravada. Dizia:
"Por três tostões
Ganhaste um par
Hoje está sós,
Eunuco e coxo
Tire as mãos de mim
Põe as mãos em mim
Vendeste um teu amigo
até o fim
Agora leva o troco"
(A estrofe foi subtraída e não foi gravada. Quando comprei o livro Chico Buarque Letra e Música, não veio com essa estrofe. Mandei um email ao editor que me respondeu que na próxima remessa seria corrigido.)

O período duro e repressivo não durou muito, talvez quatro ou cinco anos e só. Em 1976, Chico escreveu três letras para uma mesma música. Nas três versões da conhecida O que será, a frase "o que não tem governo nem nunca terá" não foi censurada e foi gravada assim. A música inicialmente foi composta para o filme Dona Flor e seus dois maridos.

Nessa época, Chico Buarque, e grande parte da chamada MPB (dos artistas engajados) eram aclamados e muito populares nos meus universitários (ainda são até hoje); do outro lado, a maioria da população ouvia mesmo era Antonio Carlos e Jocafi, Benito Di Paula, Originais do Samba, Secos e Molhados e Os Incríveis cantando Eu te amo meu Brasil. Para o meio politizado, se você não ouvia Chico e a MPB você era alienado. Mas quem se importava com isso, se a vida não era tão repressiva como eles diziam àqueles que não deviam nada ao governo?

Naqueles idos, pelos arredores e calabouços, se falava muito em prisões e torturas. Que artistas haviam sido presos e torturados, citando sempre Geraldo Vandré (?); e que nele fizeram uma lavagem cerebral, etc. (Pois é, somente ele carrega essa pecha da tortura. Ninguém mais. Por quê?) Logo após aquela noite, da sua memorável apresentação no Maracanãzinho, depois de ser ovacionado com Pra dizer que não falei de flores, Vandré foi sentindo o peso de sua música no meio dos militares e no início de 1969, já com o AI-5, ele sumiu. Ele arrumou um jeito e escapou pelas fronteiras do país e ninguém mais o viu. Naquela altura sua música já estava na boca do povo. Ele voltou em 1973 negando a prisão e que havia sido torturado. Nunca mais compôs como antes. Nas entrevistas recentes, ele, aos 81 anos, continua negando peremptoriamente que tenha sofrido qualquer tipo de tortura. Passados tantos anos, quem vai dizer o contrário? Por isso, a esquerda o abandonou. Ele não cabe mais na sua narrativa.

Agora, quem verdadeiramente sofreu tortura moral naquela época foi Wilson Simonal. O negão era como se diz hoje, marrento. Dono de uma voz irretocável, tinha personalidade, talento e um domínio total das grandes multidões. Meu limão, meu limoeiro virou hit no final dos anos de 1960. Era um showman. O que ele não estava nem aí, era com o que acontecia no país: do governo militar e aqueles que queriam derrubá-lo. Ele só queria cantar, andar nos seus carrões, se encher de dinheiro e ter as mulheres que queria. Foi acusado, por seus parceiros de música, de ser um informante do governo. (O que ninguém conseguiu provar até hoje.) Sua carreira acabou ali. Isso, sim, foi tortura. E ninguém, desses, veio lhe pedir desculpas, nem post mortem. Morreu anos mais tarde, alcoólatra, sem nunca conseguir provar sua inocência.

Outro dia, uma seguidora do meu Twitter se surpreendeu,  por eu ser arquiteto, e ter um pensamento tão conservador. (Os arquitetos são, na maioria, revolucionários de esquerda.) São outros tempos ou outros homens? Tempos de realidade e não de utopias (outra crônica). Por mais que a arquitetura tenha seu  broto e processo criativo numa visão utópica de mundo, mas a sua transformação é realidade que se toca, que se vê e se admira como poema concreto. Os sonhos são devotos, revigorantes, mas só o real encontro com a vida nos torna pessoas.

Assim, muitos outros também me questionam, porque passei a vida toda colecionando a obra do Chico Buarque (discos, livros, songbooks, DVDs) e hoje sou crítico. Bem, ao longo a vida a gente aprende muitas coisas. Uma delas é apartar o artista (e sua obra) da pessoa. Dizem que Chico Buarque vai lançar um novo disco em 2017. E dizem, até, que há uma música escrita para o Lula. Sempre esperei muito por seus discos chegarem às lojas. Hoje, nem tanto. Talvez, eu compre para continuar a coleção, mas não será com o mesmo entusiasmo quando comprei o LP "Chico Buarque 1978", ali nos meus 16 anos. Não será mesmo!

E para finalizar essa conversa, cheia de retrospectos, lembro da entrevista célebre do escritor Millôr Fernandes ao programa Roda Viva, da tv Cultura. Uma das perguntas, que veio de telespectadores, se referia da sua suposta briga com Chico Buarque. Millôr não quis polemizar, mas afirmou que não havia brigado, e alfinetou: "os defeitos de Chico Buarque se juntaram comigo. Defeitos que não tenho". E concluiu numa frase imortal: "Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal".

(Você pode dizer que esta crônica é a desconstrução de um mito. É sim. No entanto, a pior das torturas, carregadas de censuras, não estão nos tempos da repressão, onde vinha com o carimbo "vetada", do censor que tinha rosto. A pior são as censuras em tempos de democracia, porque elas vêm da forma mais rasteira e velada.)

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Junho de 2017

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Um abajur cor de carne

Ali, no início dos anos 80, havia tanta música boa tocando, que nós, jovens, rejeitávamos um punhado delas ou colocávamos na prateleira do desprezo por acharmos bregas. Assim, o que queríamos ouvir, comprávamos ou emprestávamos o disco; e as outras, aprendíamos a cantar, mesmo sem querer, porque as rádios não paravam de tocar. Ritchie era essa música que grudava nos ouvidos como goma de mascar.

O inglês Ritchie foi uma figura icônica dos anos 80. Ou: sem ele aqueles anos não teriam acontecido, musicalmente falando. Do seu famoso e álbum "Voo de coração", cinco músicas estiveram no hit parede entre 1983 e 1984. Suas apresentações eram constantes e obrigatórias nos programas de auditórios. Rosto fino, loiro, blusão de couro preto, usando óculos Wayfarer e aquele sorriso despontado pelos pontiagudos caninos (não era belo, mas mesmo assim, havia mil garotas a fim).

E o que era Ritchie para mim? Aquela música que ouvia por tabela: na discoteca, de passar pela rua na frente da loja de disco; e depois sustentava para os amigos que não gostava, porque iam me tachar de brega. Mentira!, gostava sim. Depois desses 34 anos (1983), ainda curto demais suas músicas. Está na minha playlist do pen drive. Sem nenhum rubro na face.

Mas ali, nos anos 80, havia uma outra coisa fascinante. Os discos vinis (bolachões) tinham capas bem elaboradas e encartes com as letras das músicas. As revistas para tocar violão também tinham as letras cifradas. Assim, ficava difícil confundir palavras, frases e cantar errado, como teve gente que passou a vida cantando "Trocando de biquíni sem parar" (Noite do Prazer - Brylho), quando a letra dizia "Tocando B.B. King sem parar". Nada tão mal. Só a confusão de um gênio do Blues com um vestuário feminino de praia. Repetiam o que ouviam sem reparar na letra. Eu, por ofício, sempre tive esse hábito de ler letras, os autores, o arranjador e os instrumentos que estavam presentes naquela música. Dificilmente cometia tal gafe.

Uma fórmula que todo letrista de música — poeta, por que não dizer? — tem em mente (ou não tem) é sentir nas palavras que vem, que elas, muitas vezes, vêm soltas e vão, em seguida, encontrar uma outra e outra... E não necessariamente essa fará junção com a primeira, ou será correspondente, dando sentido à frase: "De um quasar pulsando loa. Interestelar canoa. Leitos perfeitos, seus peitos direitos me olham assim. Fino menino, me inclino pro lado do sim. Rapte-me, adapte-me, capte-me, It's up to me coração". O uso de hipérboles, como "morrer de amor" ou "coração partido", são coisas corriqueiras na linguagem poética.

Eu não tinha dúvida nenhuma que, ao escrever "Menina Veneno", o letrista Bernardo Vilhena quis dizer que o abajur era cor de carne. Nós estávamos nos anos 80 e mais acostumados com essas colocações poéticas que não faz sentido. Qual é a cor da carne? Sei lá. Poderia ser "cor de caramelo", ou algo assim. Estava licenciado.

Não faz muito tempo, vi uma entrevista de Ritchie e ele disse que a letra foi escrita na sala (não lembro se era da sua casa). Mas eles foram construindo a letra com aquilo que viam no ambiente: cortina, escada, porta, abajur, lençol, cama, parede, etc. E assim nasceu Menina Veneno, como uma sombra, a silhueta do fantasma de uma mulher, dessas que atormentam a mente masculina.

Mas eis o que queria dizer. Eu, no Twitter, sigo algumas celebridades. Até para ver o que pensam. Faz pouco tempo comecei a seguir o Ritchie. Depois de algumas postagens, me apartei do assunto e perguntei a ele quem trocou a letra da sua música e inventou o "abajur cor de carmim". (Nas redes sociais já postaram inúmeras vezes a letra com "cor de carmim", e eu me cansei de reparar as pessoas do erro). Aguardei 12 horas para ele me responder: "Foi alguém que não sabe ler. ;)", escreveu de forma lacônica e direta. Exatamente aquilo que eu disse acima: as pessoas ouvem e saem reproduzindo, sem ler ou prestar atenção. Aquele hábito da época do Vinil: de ler as letras das músicas. Quem viveu os anos 80, sempre cantou como eu: "abajur cor de carne", sem se perguntar se havia sentido concreto. Há sentido e realidade em poemas? Tema para outra crônica.

— Então, diga aí Ritchie, cor de carne ou de carmim?


© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Junho de 2017

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Queima aqui dentro


O domingo de inverno descortinava. O sol já era moço quando a neblina baixou insinuante na minha varanda, ainda sem plantas; e era domingo da final de Copa do Mundo, no Brasil. Café com pão, notícias, futebol, frio, meias... E veio com tanta coisa junto ardendo no peito, como vem saudade em notas musicais pingando numa partitura, desenhando uma velha canção. Minto, vem orquestra.

Às vezes, desperto meio assim, vocacionado para tempos idos. Você vai me perguntar, mas é sempre saudade de alguém. Eu tenho saudade também de lugares, trajes, mobília, costumes, modos, retratos, ambientes, paisagens, aromas; tempos doces e despercebidos quando vividos; que não vimos passar, porque estávamos distraídos sendo felizes; e quando estamos assim, em êxtase, estamos construindo a saudade no futuro. A felicidade presente é a moldura e tudo que contorna a saudade no futuro — lembranças a ser contada ou ser só sentida. Ah! E tenho saudade, é claro, com canções de fundo, como uma trilha sonora.

Não sei dizer, precisamente, quantas vezes já sonhei com a saudade. Uma vez, lá nos meus 15 anos, tive um longo sonho — ainda dormia oito horas sem despertar — que viajava ao passado da rua, do bairro onde morava: olha a casa da minha avó como era, de fachada amarelada e jabuticabeira carregada; olha a rua de terra, com cheiro de chuva; olha a igreja matriz; olha a amoreira orvalhada. Eram nítidas tais visões, sentidas em pele arrepiada. Lembro ter passado aquele dia assim: vagando de um canto ao outro, nostálgico e sobre nuvens.

Mas eis o que queria dizer. A música me toma inteiro por nostalgia, como uma carruagem do velho oeste. Terminei o sábado, vendo uma programação na TV. E por ela, uma canção nostálgica, de uma voz me chamou atenção. E, súbito, me exaltei. Por que a deixei passar esse trem na estação? Por que não ouvi essa moça cantar, quando tinha essa voz? Por que ela sumiu? Por que as lindas canções passam ligeiras, como passarinho que pousa na janela? O que me ocupava tanto a vida, que não senti sua voz penetrar nos meus instintos? Apunhalei-me em vão, já era tarde para viver...

Fui à pesquisa da internet. Ela ainda canta. Aos 40 anos de idade, Patrícia Marx, já não é mais aquela menina precoce, só Patrícia, mas ainda conserva a voz doce de rouxinol, afinadíssima em diapasão. Comemorando 30 anos de carreira (ela começou nos seus 9 anos), ela tentava emplacar um CD/DVD cantando soul musics e baladas que marcaram sua, já longa, carreira. Não estava conseguindo, porque o mundo de hoje não reverencia o seu passado, mas sim, o desrespeita, desaconselha e alija.

Fucei mais e deparei com uma entrevista de 2013, que ela concedeu ao portal G1, falando sobre seu novo álbum. Assim como Guilherme Arantes, ela desabafou dizendo que não tinha mais espaço para cantar. Paga-se pouco e shows são cancelados em cima da hora. Já pensava em um plano B: virar professora de canto lírico. Uma pena. Essa moça tem talento; e não foi à toa, e por graciosidade, que foi eleita a melhor cantora em 1994/95, com 20 anos de idade. Fiquei triste quando terminei de ler a entrevista. Fechei o tablet e me enrolei nas cobertas sem querer ver mais nada. Veio a saudade (como canções) e uma vontade de voltar à 1994 e dizer-lhe: "faça tudo agora, aproveite, porque o futuro te abandonará, será ignorada, desrespeitada. Ele se importará só com lixos culturais que lá existem". Fecho aspas.

Acho que houve exposição máxima e exploração. Ela é daquelas precocidades raras, que descobrem por aí e depois se esquecem, porque isso é o mercado e aquele era o momento: a criança; combinando imagem, ingenuidade, graciosidade e talento nato. Assim foi a carreira de Shirley Temple, Judy Garland e Macaulay Culkin. Crianças talentosas exploradas ao sumo, atoladas no sucesso, e depois jogadas na sarjeta do mundo.

Então me lembrei de Guilherme Arantes. Em 2013, ele também desabafou nas redes sociais. Sentiu que as pessoas (seu público) o cobravam por aparecer mais na mídia, fazer mais shows. Ele disse que também era seu desejo, mas sentiu que não havia mais espaço, mesmo seu último álbum sendo eleito o melhor disco de MPB, pela revista Rolling Stones. Não há espaço no mercado audiovisual e na grande mídia, para um dos maiores cantores e compositores dos anos da minha e da vida de muita gente. No seu desabafo parecia quebrantado e eu fiquei com ele, como agora fiquei com Patrícia.

Senti que precisava "consolá-lo" de alguma maneira, e não me confortaria só escrever algo na sua página no Facebook, como: "Tamo junto cara!". Busquei algumas lojas virtuais e não achei nenhum daqueles discos antigos — não há muito sebos virtuais. Acabei adquirindo dois álbuns recentes e intimistas, onde ele faz uma releitura dos seus grandes hits. Uma mão pequena a quem nossas memórias devem muito.

Tenho uma frase, que recorro sempre, para esses momentos de choque de gerações: "O mundo deveria ter acabado no pico dos anos de 1980. Assim, terminaríamos nossa jornada mais feliz e no auge". Tenho a sensação que nada do que se fez depois foi bom. Tudo foi se esvaindo, se desprendendo, desmilinguindo, esfacelando. Também temo, assim eu li por ai, que a vida real termine nos próximos anos (!). Estaremos, de uma vez, desfazendo o compromisso com uma vida (como ela é); e suportando, como seres rastejantes passivos e infelizes, uma vida virtual, sem trocas de olhares, carinhos e alianças. Que assim não seja! (fazendo já nome-do-Pai). Que Deus faça o melhor antes.

Veio-me agora.  Imagine, assim, um terminal de aeroporto num ponto qualquer do planeta, com voos diretos (sem escala), e um painel anunciando a próxima partida: "PAST"; ou outro apontando: "FUTURE" (O passado é a verdade que vivemos.) Divago. Não, ainda não inventaram alguma viagem que pudéssemos organizar sentimentos com tempos, malas e pessoas afetivas; de poder somar coisas vividas com outras sensações ainda não passadas. Entrar num voo que nos leve onde deixamos o "tudo-de-bom", o pote de ouro do arco-íris e sem desperdício de vida. Além do horizonte perdido das nossas geleiras frias, talvez desvende um paraíso, sem tempo e morte, assim Xangrilá ad aeternum.  E se a morte for isso: visitar, com o tato e todos os sentidos, o que foi bem e bom, que seja esperada com aplausos de um estádio lotado. Cheio de seres humanos alentados, esperançosos, como eu, com vontade de viver só o que vale a pena viver. 

Por enquanto, como diz aquela canção de Patrícia, só queima aqui dentro.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / julho de 2014.

terça-feira, 22 de março de 2011

A maior do interior


O escritor Luís Fernando Veríssimo, numa de suas crônicas, descreveu e justificou dez razões para o milionário Eike Batista dar parte de sua fortuna a ele. Fiquei pensando depois, quais seriam as minhas razões, ou como seria se fosse o oitavo na lista dos milionários do mundo. O que faria com tanta grana? Se é que preciso de tudo isso... Se estivesse apaixonado, talvez, desse muitos presentes a minha amada; cobriria sua rua com pedrinhas de brilhantes. Mas, preferiria não estar, senão acabaria ficando pobre e sem ver a cor da grana. De verdade, se não tivesse nenhuma paixão, acho que faria um bem à humanidade. Doaria em uma campanha universal pelo amor no planeta. Meu dinheiro renderia muito mais, com certeza; mais do que uma aplicação na bolsa, ou se comprasse uma cidade inteira para morar.

Esta coisa da paixão que se junta com dinheiro nos cega por muito. No futebol também há paixão, ou o futebol é sinônimo de paixão. Um torcedor certa vez me disse: se tivesse uma sorte na megasena, construiria uma grande arena de futebol para o seu time de coração – paixão de torcedor. E por ela ficamos até doentes, um sentimento que nunca acaba. Deixamos casamentos, namoros, amizades, mas a paixão pelo time, esta nunca morre; vai junto conosco e com a bandeira sobre a urna. Há pessoas que não entendem. Eu entendo até certo ponto, quando não se torna loucura de se ridicularizar por qualquer coisa: brigas, discussões e inimizades. Mesmo assim, fiquei surpreso com sua resposta. Cada um teria algo a fazer diante de tamanha fortuna, ele pensou no seu time de coração. Justo.

Chego a me emocionar quando me deparo com esta relação de afeto entre futebol e o torcedor. Vivo o futebol, torço, vibro e quando meu time perde fico irado, mas na manhã seguinte tudo já passou; vivo no limite de não adoecer por isso ou perder a fome. Adoro estádio de futebol, aquele clima, aquela emoção que só quem já foi sabe o que é. A torcida entusiasmada, cantando e gritando uníssono, empurrando o time a todo o momento, é de arrepiar.

Já confessei que sou palmeirense desde criança, mas tenho um segundo time na manga – quando um não ganha, fico feliz com o outro. Há lugar no peito para um segundo time? Afirmo que há sim! O time da minha cidade luta para retornar ao staff do futebol paulista. Já são mais de 12 anos que o São José EC peleja para voltar à elite do futebol. E se fosse pelo tamanho e pela paixão de sua torcida, o time já estaria lá. Cronistas esportivos dizem que ela é o grande patrimônio do clube; e ela se orgulha em dizer: é a maior do interior! Mas, como em toda competição na vida, tem os tempos de lutas até a batalha final e o triunfo. E é isso que temos feito: os jogadores em campo e nós nas arquibancadas.

No ano passado, num desses memoráveis dias de vitórias e estádio lotado, fui chamado pelo torcedor Guilherme Miranda - arquiteto, companheiro de arquibancada e dono do Blog Torcedor da Águia (Clique aqui) - a fazer uma música em comemoração ao aniversário do seu Blog. A encomenda era uma música que homenageasse – merecidamente - a torcida. É de praxe que, todos os times de futebol tenham um hino; mas uma torcida que tem hino, era a primeira vez. De vez em quando, eu me arrisco a escrever letras de músicas, é minha contribuição nas parcerias. Mexo no violão, para algumas raras peças que não me deixam rubros de vergonha, mas na hora de compor, com notas e acordes, não sai nada – já tentei. Então, aguardei meu parceiro de música retornar de viagem para compor, iniciarmos o processo. Enquanto ele não vinha, rascunhei uma letra. Quanto retornou de viagem nos encontramos, e a música saiu no mesmo dia. Dei o nome da marchinha (de carnaval) de “Torcida Águia do Vale”. A letra é uma volta no tempo, da paixão  que nasceu desde o preto e branco para o azul e branco de sua camisa; do formigão do vale para a águia; e do seu inesquecível herói do acesso de 1980, Tião Marino - aquele que, dentre os jogadores de futebol depois de Dadá Maravilha, era o único que “parava no ar” para cabecear uma bola. A letra e o vídeo, agora disponíveis no youtube – com os créditos do Renato Emanuel - já contam com mais de 850 acessos. A voz é de Eduardo Borges e Mima Barros.

Esses torcedores não deixam de se apaixonar nunca; e enquanto o time não subir, será assim: uma música atrás da outra e um grito só: vai São José!

Torcida Águia do Vale
(Eduardo Borges / Anttonio Buarque)
11/10/10

Eu vou, eu vou, eu vou cantar gritar
O manto azul é a nossa cor
O manto azul é o nosso amor
Torcida águia do vale
A maior do interior

Desde o tempo do “formigão”
Do preto e branco fez o azul
Vimos nascer, crescer uma nação
De leste a oeste, de norte a sul

O amor por ti vem das vitórias
Nossa torcida em ti constrói
Esta camisa tem história
Tião Marino, o nosso eterno herói

Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe Águia
Enche de orgulho o nosso coração
(com luta e garra de campeão)
“Tá na rede” é gol!
Uma explosão

FINAL (só com palmas)

♫ Sou joseense com muito orgulho,
Com muito amor... ♫



© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / março de 2011.

sábado, 20 de novembro de 2010

1980 - a parada de sucessos


Há 30 anos, em 1980, o que se ouvia nas rádios era um estilo de música que tem nada a ver com as de hoje. Pra começar, não havia pagode, funk, axé e nem sertanejo. A base da música nacional era a chamada MPB. Como afirmei, ouvíamos 14 Bis, Fagner, Alceu Valença, Djavan, Boca Livre, Elis Regina, Rita Lee e outros da nossa MPB. No lado internacional, ainda não havia começado de fato a Era Michael Jackson, mas podíamos ouvir Pink Floyd, Roger Keny, Abba, KC & The Sunshine Band, Air Supply, Queen. A maioria dessas eram temas de novelas da época.
Era uma Parada de Sucesso de muito romantismo e de música boa. O tempo não volta, mas as canções ficam marcadas para sempre. Eu guardo todas. Ainda lembro que a rádio que mais ouvia na minha cidade era o Difusora FM, que depois mais tarde virou RD-90.
Quem quiser o arquivo em MP3 da trilha sonora que embalou 1980, eu tenho as 100 música abaixo:

1980

1 Balancê - Gal Costa
2 Another Brick In The Wall - Pink Floyd
3 Crazy Little Thing Called Love - Queen
4 Momentos - Joanna
5 Menino do Rio - Baby Consuelo
6 Toada (Na Direção do Vento) - Boca Livre
7 Lady - Kenny Rogers
8 Lost In Love - Air Supply
9 Meu Bem Querer - Djavan
10 Alô Alô Marciano - Elis Regina
11 Grito de Alerta - Maria Bethânia
12 Don't Stop Till You Get Enough - Michael Jackson
13 Sailing - Christopher Cross
14 Admirável Gado Novo - Zé Ramalho
15 20 e Poucos Anos - Fábio Jr.
16 Xanadu - Olivia Newton-John & Electric Light Orchestra
17 Foi Deus Que Fez Você - Amelinha
18 Little Jeannie - Elton John
19 Amante à Moda Antiga - Roberto Carlos
20 Mania de Você - Rita Lee
21 Magic - Olivia Newton-John
22 Coração Bobo - Alceu Valença
23 All Out Of Love - Air Supply
24 Cruisin' - Smokey Robinson
25 Demônio Colorido - Sandra Sá
26 Do That To Me One More Time - The Captain & Tennille
27 Cheiro de Mato - Fátima Guedes
28 Another One Bites The Dust - Queen
29 Noturno - Fagner
30 The Winner Takes It All - Abba
31 Bandolins - Oswaldo Montenegro
32 Canção da América - Milton Nascimento
33 With You I'm Born Again - Billy Preston & Syreeta
34 Feminina - Joyce
35 Him - Rupert Holmes
36 Babe - Styx
37 Upside Down - Diana Ross
38 Essa Tal Criatura - Leci Brandão
39 Please Don't Go - KC & The Sunshine Band
40 Sol de Primavera - Beto Guedes
41 Call Me - Blondie
42 Chega Mais - Rita Lee
43 Só Nos Resta Viver - Angela Rô Rô
44 Fame - Irene Cara
45 Shining Star - The Manhattans
46 Nosso Estranho Amor - Marina & Caetano Veloso
47Special Lady - Ray, Goodman & Brown
48 After You - Michael Johnson
49 Do Right - Paul Davis
50 Meu Amigo, Meu Herói - Zizi Possi
51 Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira - Moraes Moreira
52 Into The Night - Benny Mardones
53 Just Like You Do - Carly Simon
54 Menino Sem Juízo - Alcione
55 Eu e a Brisa - Baby Consuelo
56 More Than I Can Say - Leo Sayer
57 Noites Cariocas - Gal Costa
58 Ponto de Interrogação - Gonzaguinha
59 Gonna Get Along Without You Now - Viola Wills
60 Give Me The Night - George Benson
61 Lead Me On - Maxine Nightingale
62 I Never Fall In Love - Davitt Sigerson
63 Desesperar Jamais - Simone
64 You And I - Mireille Mathieu & Paul Anka
65 Quem Tem a Viola (Cecília) - Boca Livre
66 Quero Colo - Fábio Jr.
67 Semente do Amor - A Cor do Som
68 Shine On - L.T.D.
69 I'm So Glad That I'm A Woman - Love Unlimited
70 Ships - Barry Manilow
71 Agonia - Oswaldo Montenegro
72 Survive - Jimmy Buffett
73 Bola de Meia, Bola de Gude - 14 Bis
74 Three Times In Love - Tommy James
75 Wave - João Gilberto
76 Canção de Verão - Roupa Nova
77 Modern Girl - Sheena Easton
78 More Love - Kim Carnes
79 Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores) - Simone
80 Love I Need - Jimmy Cliff
81 Aroma - Lúcia Turnbull
82 Planeta Sonho - 14 Bis
83 Cais - Milton Nascimento
84 Escravo da Alegria - Toquinho & Vinícius
85 First Be A Woman - Leonore O'Malley
86 Clareana - Joyce
87 Fracasso - Gilliard
88 Quero Quero - Cláudio Nucci
89 Novo Tempo - Ivan Lins
90 Lembranças - Kátia
91 Meninas do Brasil - Moraes Moreira
92 Never New Love Like This Before - Stephanie Mills
93 Rua Ramalhete - Tavito
94 Faltando Um Pedaço - Djavan
95 Se Eu Quiser Falar Com Deus - Elis Regina
96 Doce de Pimenta - Olivia
97 No Night So Long - Dionne Warwick
98 Nova Manhã - 14-Bis
99 The Second Time Around – Shalamar
100 A Massa - Raimundo Sodré
 



Postado Por Antônio - Novembro / 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

À francesa

Françoise Hardy
Nenhuma outra década colocou tantas beldades francesas no mundo pop, como a década de sessenta. No cinema, era o auge de Jeanne Moreau e Brigitte Bardot. Vi recentemente a comédia “Viva Maria!” — 1965. As duas atrizes estão lindas, interpretando papéis cômicos e sensuais, é claro. Moreau com 37  e Bardot com 31 anos. Balzaquianas, com as suas siluetas bem definidas, faziam duas “Marias” que viviam enfiadas em seus corpetes, arrancando suspiros dos homens em shows de strep tease, que atuavam seguindo um grupo mambembe de atores circenses. Imperdível.

Na música, a década de sessenta também trouxe a cantora Françoise Hardy. Minha memória foi despertava quando lia o livro “A Era dos festivais” e vi citado o nome de Françoise Hardy. Imediatamente veio à lembrança uma canção que fez sucesso no Brasil no início da década de setenta. Em 1968 — com 24 anos — ela veio ao Brasil participar do FIC — Festival Internacional da Canção — defendendo uma das suas belíssimas obras: “À quoi ça sert”. Sua identificação com a música brasileira foi tão contagiante, que logo depois gravou em francês a música que ganhou aquele festival, “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque. Na sua versão, a música ganhou o nome de “La ménsage”. Em 1971, ela faz novamente sucesso no Brasil depois de ter gravado o disco “La Question”, agora ao som do violão da brasileira Tuca.

O que encantava em Françoise Hardy não era somente a sua bela voz, mas a sua beleza vestida de eloquência. Sempre linda, elegante, magra e tímida; dava-se a impressão que ela não sabia que era tão bonita assim. Disfarçava sua beleza cantando. Naqueles anos, ela foi capa de muitas revistas famosas e foi, com certeza, um dos rostos mais fotografados naqueles anos.

Para o Blog, escollhi a canção “La Question”, que foi o que me fez lembrar-se de Hardy e trouxe muitas outras boas lembranças. Lá em casa havia um compacto simples “som livre”, um dos lados do disco era ela. Esta música era tema de uma novela de 1971. No site oficial de Françoise Hardy, está registrado que a letra é dela (Hardy) e a música é da violonista e compositora brasileira Tuca.




La Question
A questão
(Françoise Hardy)

Je ne sais pas qui tu peux être
Eu não sei o que você pode ser

Je ne sais pas qui tu espères
Eu não sei o que você espera

Je cherche toujours à te connaître
Procuro sempre te conhecer

Et ton silence trouble mon silence
E seu silêncio perturba meu silêncio

Je ne sais pas d'où vient le mensonge
Eu não sei da onde vem a mentira

Est-ce de ta voix qui se tait
É de tua voz que se cala

Les mondes où malgré moi je plonge
Os mundos onde, contudo eu mergulho

Sont comme un tunnel qui m'effraie
São como um túnel que me assusta

De ta distance à la mienne
De sua distância em relação à mim

On se perd bien trop souvent
Se perde sempre

Et chercher à te comprendre
E procurar te entender

C'est courir après le vent
É como correr depois do vento

Je ne sais pas pourquoi je reste
Eu não sei por que eu fico

Dans une mer où je me noie
Em um mar onde eu me afogo

Je ne sais pas pourquoi je reste
Eu não sei por que eu fico

Dans un air qui m'étouffera
em um ar que me sufoca

Tu es le sang de ma blessure
Você é o sangue da minha ferida

Tu es le feu de ma brûlure
Você é o fogo da minha queimadura

Tu es ma question sans réponse
Você é minha pergunta sem resposta

Mon cri muet et mon silence.
Meu grito mudo e meu silêncio.

Postado por Antônio - Outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Uma canção, um parceiro



Caros leitores (as),

Alguns de vocês já conhecem, mas gostaria de compartilhar com os demais também, uma canção que compus em parceria com meu amigo Eduardo Borges. Digo amigo, pois além de parceiros na música, somos amigos nos momentos de alegrias e tristezas — já há 10 anos. Como em toda relação, às vezes nos debatemos em alguns pontos de vistas — o que é natural —, mas de volta à música tudo nos une de novo. Sei que ele anda preguiçoso para “mexer” com música, mas é inegável o talento que sempre teve, e isso não vai perder nunca. Espero.
Desde o início da amizade, fizemos umas 05 músicas, mas a última canção ficou marcada. E posso dizer que foi nossa melhor parceria: “Amor da Vida”.
Em setembro de 2007, mandei por e-mail um esboço (na arquitetura se diz “croqui”) de uma letra. Algumas horas depois, minha impaciência me tomou e peguei no telefone. Quando perguntei se ele havia recebido o e-mail, ele pegou o violão e cantou a música pra mim. Não acreditei, me aprontei logo para ira a sua casa e terminar de fazer o resto.
A canção faz bem aquele estilo “sertanejo romântico”, talvez se eu soubesse “mexer” bem no violão e fosse também o autor da música, saísse mais com cara de Chico Buarque. Mas, ficou como teria que ser. Ele acertou.
Faz 01 mês eu registrei a música e agora já podemos divulgá-la, e depois quem sabe receber uma proposta de gravação. Já temos alguns contatos.
O vídeo acima está postado agora no youtube, e vocês podem ver clicando aqui (Amor da Vida).
A música, com arranjo e como foi registrada, está no sítio “músicas registradas” e se vocês quiserem ouvir também podem clicar aqui (Músicas registradas).
Escolhi para o Blog esta gravação acústica (violão e voz), sem os arranjos, pois está como a música foi feita. A voz, é claro, não é minha. O cantor é Eduardo Borges.
Em tempo, um agradecimento ao meu outro amigo palmeirense João Pedro pelos créditos do vídeo, que ficou muito bom.
Só para não haver dúvidas, “Anttonio Buarque” sou eu. Com qual intenção?
Espero que gostem.

AMOR DA VIDA
(Eduardo Borges/Anttônio Buarque)
27/09/2007

Amor da vida
Flor da primavera
O tempo fez em mim.
Sua longa espera

Amor da vida
Sol do meu caminho
Vem morar comigo
E aquecer o meu ninho

Poeiras e pedras
Passei para estar aqui
Antes de você chegar
Meu destino um deserto
Meu futuro incerto
Foi Deus que mandou você pra mim.

|Quantas noites vazias
|Em meu quarto
|Eu te chamo
|No meu sonho
|Nele você vem
|Há tantos motivos
|Pra dizer que
|Eu te amo
|Você é minha razão
|E me faz tão bem
|E me faz tão bem...

Canção pra vida
Hoje tocou em nós
Tatuou nossos corpos
Marcou nossos lençóis

Amor da vida
Será pra sempre assim
Eu em você
Você dentro de mim.

REFRÃO
Eduardo Borges e eu
Postado por Antônio - 04/10/2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Como se fosse a primavera

Ainda a primavera...

O novo texto para o blog está quase pronto. Como o texto "Nesta manhã de primavera..."(leia) ainda está "bombando" com muitos acessos, vou adiar por uns dias a postagem do novo texto. Já fins uns ensaios com alguns leitores e a resposta foi muito boa. Acho que irão gostar.
Enquanto isso, assistam o video da canção "Como se fosse a primavera" de Pablo Milanés/Nicolas Guillén. Chico Buarque gravou está música - 1984. Esta música é uma das belas coleções de compositores cubanos. Deles, gosto muito desse: Pablo Milanés, e de Silvio Rodriguez. Na política, Cuba é um atraso, mas seus compositores são muito bons. Por sinal, esses dois não se alinham mais com a forma governamental e regimentar da ilha.
Enquanto aguardam o próximo texto, leiam os antigos. A primavera começou hoje, vamos mudar o foco e o rumo da prosa.




Como Se Fosse a Primavera

Composição: Pablo Milanés/Nicolas Guillén

De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
E de que modo sutil
Me derramou na camisa
Todas as flores de abril
Quem lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto?
Como se fosse a primavera
Não sou tanto
No entanto, que espiritual
Você me dar uma rosa
De seu rosal principal
De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
Eu morrendo

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Bicicletas, etc...


Quando fui dar nome ao blog, veio a lembrança de uma música chamada “Bicicletas, etc...” (Eduardo Souto Neto e Geraldo Carneiro). Esta belíssima música esta no LP de Taiguara de 1971, na última faixa do lado A. Este disco foi uma das grandes inspirações musicais do meu aprendizado. O título era “Carne e Osso” e na capa aparecia uma boca enorme (provavelmente a de Taiguara). Ouvi este disco até furar, literalmente falando. “Bicicletas, etc...” tinha num trecho da letra: “todas as manhãs eu entro no cinema/ numa imagem de luzes coloridas...” e um arranjo com base em piano, como quase tudo que Taiguara fazia. Neste mesmo disco havia outra canção que se chamava “Momento de amor”, era a 3ª faixa do lado A. Sempre interpretei esta música como uma resposta do amor. Do amor que se dá e recebe na mesma proporção. Sua letra e melodia vão da carícia, do afago ao ápice, ao orgasmo e depois o repouso, o descanso. Tudo dentro de uma sutileza de versos e harmonia. Ao fundo se ouvia uníssono uma voz feminina falando ao seu amante palavras de amor.


Momento de Amor (Taiguara)

Neném, eu percebi quando te amei
Teu medo foi maior que o teu amor, neném
Neném, abre o teu peito e diz pra mim
Tudo que te faz temer assim
Neném, dor que se guarda fere mais
Faz medo, desespera e esfria o amor, neném
Meu bem, faz no leito um sol pra nós
Faz da tua treva o amanhecer
Vida é só uma estrada e vai levar
Aonde o teu amor puder
Vida é teu momento de entregar
É dentro de você, mulher
Neném, agora sim num corpo só
Os nossos corpos sós vão se encontrar no amor
Amor, agora sim eu vou te amar
Mais do que te amar vou te saber
Assim, meu colo acolhe a tua mão
E colhe em tua mão o tato bom do amor
Assim, meu braço estreita o nosso amor
Deita sobre o teu o meu viver
Quero, e esse é o momento de alcançar
Vir junto e mergulhar no amor
Quero, deixar no mundo do teu ser
No fundo do teu ser, o amor
Comigo agora, vem, vem, vem neném


Postado por Antônio - Setembro 2010

sábado, 21 de agosto de 2010

Teletema


Hoje acordei com esta música na cabeça. Ela é uma das jóias raras do final da década de 60. Fui me ater aos seus autores, Antônio Adolfo e o letrista Tibério Gaspar, descobri que andaram pelos festivais daquela época. Em 1969 colocaram a canção "Juliana" em segundo lugar no IV FIC - Festival Interancional da Canção, perdendo só para "Cantiga por Luciana" de Paulinho Tapajós e Edmundo Souto. No ano seguinte eles ganhariam o festival com BR-3. Eu só não entendo porque "Teletema" não tenha feito parte daqueles festivais. Depois a canção foi parar na trilha de uma novela. "Teletema" teve várias gravações na voz de Regininha, Evinha, Paula Toller, Luiza Possi e Ivo Pessoa.
Uma grande sacada da letra de Tibério está no fim de três frases musicais, onde ele interrompe a palavra - junto com a frase musical - para continuar na frase seguinte: Só + Corro = Socorro; Fim + Dando = Findando e; Além + Brando = Lembrando. Este recurso já foi utilizado por Caetano Veloso também. Genial!
Segundo os créditos do video abaixo, a voz é de Regininha e ao piano Marcos Valle.



Teletema
(Antônio Adolfo e Tibério Gaspar)

Rumo
Estrada turva
Sou despedida
Por entre
Lenços brancos
De partida
Em cada curva
Sem ter você
Vou mais só
Corro
Rompendo laços
Abraços, beijos
Em cada passo
É você quem vejo
No tele-espaço
Pousado
Em cores no além
Brando
Corpo celeste
Meta-metade
Meu santuário
Minha eternidade
Iluminando
O meu caminho
E findando a incerteza
Tão passageira
Nós viveremos
Uma vida inteira
Eternamente
Somente os dois
Mais ninguém
Eu vou de sol a sol
Desfeito em cor
Refeito em som
Perfeito em tanto amor

Postado por Antônio - Agosto/2010

domingo, 8 de agosto de 2010

Maestro Soberano

Astrud Gilberto e Tom Jobim
Os meninos e meninas de hoje não sabem, mas o artista da música brasileira mais consagrado e respeitado no cenário internacional não é Ivete Sangalo. Bem, devo ter frustrado alguns leitores e outros deixarão de ler até o final. Lamento, mas ainda é — e continuará sendo por muito tempo — Antonio Carlos Jobim, ou simplesmente Tom Jobim. Seu prestígio no cenário musical rompeu fronteiras e não há lugar no mundo onde não se conheça uma de suas composições. Poderia falar muito dele, passar horas escrevendo sobre suas obras e passagens da sua vida que conheço, mas tentarei ser preciso nas boas lembranças que deixou.

Há um episódio que vivi num aniversário de um menino de 10 anos — presumo a idade — quando veio sua mãe toda entusiasmada me dizer que o garoto sabia cantar muitas canções da moda (estas que tocam no rádio); depois dele ter cantado algumas, eu perguntei se sabia cantar algo de Tom Jobim, ele me disse que não conhecia, nem sabia quem era. Quando cantarolei um trecho de “Garota de Ipanema”, ele me disse sorrindo: “conheço, esta eu conheço”.

Tom faleceu em dezembro de 1994 aos 67 anos, poderia ter ficado mais um pouquinho por aqui, feito mais músicas e gravado outros discos, mas sua lira fechou a partitura sobre o piano e partiu. Ele ainda nos deixou um acervo de músicas belíssimas que já ficaram para a eternidade. Junto com seu principal parceiro Vinícius de Moraes, Tom compôs suas melhores obras e talvez as mais conhecidas do grande público. Cito duas: “Chega de Saudade” — 1958 — foi o marco do início da Bossa Nova quando João Gilberto inventou ao violão a tal batida “bossa nova”, a primeira gravação foi na voz de Elizeth Cardoso no disco “Canção do amor demais”; depois veio “Garota de Ipanema” — 1962, esta canção o tornou de fato conhecido internacionalmente, com gravações em vários idiomas. Tal qual o menino citado acima, quem nunca ouviu esta canção, mesmo desconhecendo seus autores?

Na sua trajetória nos EUA, quando tentaram associar a Bossa Nova ao jazz, a cantora baiana Astrud Gilberto gravou quase tudo de Tom em inglês. Naquele início da década de sessenta, uma de suas canções foi parar também nas paradas britânicas, era “Desafinado” parceria com Newton Mendonça. Pude comprovar isso quando assistia um dos filmes da Antologia do Beatles, uma das cenas mostra a música “Love me do” chegando às paradas em 17º lugar e logo acima — em 11º lugar — aparece “Desafinado”. Até congelei a imagem para me certificar, era verdade. Em meados de 1964, no auge dos seus 24 anos, Astrud Gilberto, naquela época casada com João Gilberto, colocou “ The Girl from in Ipanema” em 5º lugar na Billboard — a parada da música americana: “Tall and tanned and young and lovely / the girl from Ipanema goes walking / and when she passes / he smiles / but she doesn't see / no she doesn't see /she just doesn't see...”. Ao mesmo tempo, seu álbum gravado com o saxofonista Stan Getz era o álbum de jazz mais vendido nos EUA. Astrud caiu no gosto americano com a aquela voz suave e seu rostinho hollywoodiano bem ao estilo Audrey Hepburn. Depois do fim do casamento, sua carreira seguiu por lá gravando outros discos em inglês e de puríssima Bossa Nova e Tom Jobim.

Uma das passagens da carreira de Tom que merece registrar é o encontro com Frank Sinatra. Em 1967 ele recebeu um telefonema de Frank Sinatra dizendo que queria gravar algumas de suas canções. O disco “Albert Francis Sinatra & Antonio Carlos Jobim” foi gravando naquele ano. O curioso é que este disco só perdeu em vendas nos EUA para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles. Hoje só consegui encontrar pelo site de vendas Amazon.com. É triste ter que imaginar que no Brasil não se encontre um disco como este: uma preciosidade. Depois da gravação, Sinatra e Tom se tornaram amigos, e naquele mesmo ano Sinatra o convidou para participar de um especial que estava gravando para a rede de televisão NBC. Aquele encontro foi memorável. A organização não deixou que Tom tocasse piano (seu instrumento preferido), pois achava que músico latino só tocava violão, mesmo assim Tom não hesitou e empunhou seu violão para acompanhar Sinatra, inclusive num dueto em “Garota de Ipanema”. Antes, Tom já havia se apresentando nos EUA no Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova York em 1962. O sucesso internacional não parou por aí, a cantora americana Ella Fitzgerald gravou suas músicas; o parceiro de Paul Simon, Art Garfunkel também gravou “Corcovado” e “Águas de março”.

Depois de sua morte lhe quiseram render muitas homenagens, como uma forma de não deixá-lo cair no esquecimento, mas a melhor homenagem seria se as rádios tocassem Tom Jobim diariamente. Hoje Tom virou nome do aeroporto internacional do Rio, antes Galeão. Um dia ouvi de um amigo coronel da aeronáutica que o aeroporto merecia o nome de um oficial da aeronáutica e não de Tom Jobim. Calei-me , mas fiquei pensando se algum desses oficiais já havia feito uma canção para o Rio como “Samba do Avião”- 1962: “Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro / Estou morrendo de Saudade...”. Acertou quem deu o nome: Aeroporto internacional Tom Jobim. Tom merecia esta e muitas outras homenagens. Reconhecedor, bem que o carioca tentou outra homenagem ao mudar o nome da Av. Vieira Souto para Av. Antonio Carlos Jobim, assim seria encontrada pela Rua Vinicius de Moraes no bairro de Ipanema — onde tudo começou. Eu estava no Rio à época quando o caso virou polêmica. A família Vieira Souto questionou na justiça e a Prefeitura teve de recuar, retirar a placa e voltar a Vieira Souto ao seu lugar. A cidade de São Paulo não soube homenageá-lo, colocou seu nome em um túnel. Quanta insensatez — fazendo alusão a uma de suas músicas —, Tom era contemplador e defensor da natureza, conhecedor do canto dos pássaros e não havia nada de concreto armado na sua alma. Mas pior foi na minha cidade quando soube que um loteamento popular virou “conjunto habitacional Tom Jobim”. Tenho certeza que quem deu este nome só conheceu sua carreira até a faculdade de arquitetura e urbanismo.

Chico Buarque tinha por ele mais que admiração e isso foi antes mesmo da primeira parceria em “Retrato em Branco e Preto” — 1967. Eles foram compadres, parceiros musicais e amigos de muitos drinks. Nesta época, Chico ainda deu uma contribuição na construção de “Wave”, é dele o primeiro verso: “Vou te contar...”; depois Tom fez o resto: “os olhos já não podem ver...” No ano seguinte, Tom & Chico selaram de vez a parceria ao concorrer e ganhar o III Festival Internacional da Canção – FIC com a belíssima “Sabiá”. Antes de morrer ou partir, Tom foi bem homenageado, aí sim, por Chico Buarque em uma de suas canções. Chico havia acabado de compor “Paratodos” – 1993. Num dos versos dedicados a ele, diz: “Meu maestro soberano foi Antonio Brasileiro / Foi Antonio Brasileiro que soprou esta toada / Que cobri de redondilhas...”. Chico chamou Tom para ouvir, mas ele já estava cansado e já sem paciência de tanta música na sua cabeça que pouco lhe deu atenção, revelou Chico.

Promessa cumprida. As reverências a Tom Jobim que faço nesta modesta crônica, esmiúçam em partes o carinho e outras em forma de agradecimento: obrigado ao maestro soberano. Agora, chega de saudade.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / agosto de 2010.


Comento: Este video não é um clipe, acredito que tenha sido extraído de um longa - não tenho esta informação -, mas o rostinho de Astrud é ou não de Audrey Hepburn?

sábado, 7 de agosto de 2010

O filho que quero ter


O filho que quero ter
(Toquinho e Vinícius de Moraes)

É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem
De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim
Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter

Postado por Antônio - Agosto/2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sonho Real

A década de 80 foi marcada por várias descobertas na minha vida. Foi a época da efervescência na música pop no Brasil, com o surgimento de várias bandas nacionais que até hoje estão na estrada, e agora fazendo a cabeça desta geração. Foi naqueles anos, que também deixei cair nos meus ouvidos belas canções que, por descuido, depois ficaram marcadas para sempre em mim.

Quando Lô Borges lançou o disco “Sonho Real”- 1984, eu já conhecia sua obra pelos violões que eram tocados no nosso Clube da Esquina – bem pertinho de casa. Foi lá que ouvi pela primeira vez “Vento de Maio”, “Girassol da cor dos seus cabelos” entre outras. Quanto foi lançado o disco, fui à loja Multison na Rua Sete de Setembro e gastei alguns cruzeiros para ter meu primeiro disco de Lô. Depois que pus a primeira vez na agulha , não saiu mais da vitrola.

Lembro que de manhã, antes de sair para o trabalho – naquela época eu era caixa de banco - eu tomava café ouvindo “Sonho Real”. Tenho o CD remasterizado junto com outros de Lô, mas guardo com carinho o vinil de "Sonho Real" até hoje, quase sem arranhões.

O disco trás obras lindas como “Tempestade”, “Nenhum Mistério” – esta também gravada por Simone – e “Sonho Real”, a minha preferida. Esta composição de Lô e Ronaldo Bastos foi gravada com arranjo e regência de Toninho Horta. No arranjo, além da orquestra de cordas, há arpejos de harpa e gaita; sem contar de um solo inconfundível da guitarra do próprio Toninho Horta. Esta canção entrou definitivamente para minha vida. Não cabem outras recordações, não retiro lembranças de nenhuma paixão que vivi naqueles anos. Ela por si só já me faz suspirar. Hoje reparto com vocês um sonho verdadeiramente real.


SONHO REAL

(Lô Borges / Ronaldo Bastos)
A primeira vista
A paixão não tem defesa
Tem de ser um grande artista
Pra querer se segurar
Faz tremer a perna
Faz a bela virar fera
Quando alguém que a gente espera
Quer se chegar
Só de pensar
Já me faz mais feliz
Nem bem o amor começa
Eu já quero bis
Chega e instala a beleza
No mesmo momento. . .
Ilusão tão boa
Quanto o astral de uma pessoa
Chega junto, roça a pele
E já quer se enroscar
Lê seu pensamento
Paralisa seu momento
Ao se encostar
Sonho real
Faz surpresa pra mim
E trança o meu destino com alguem assim
Chega e instala a beleza
No mesmo momento. . .
Vem andar comigo
Numa beira de estrada
Desse lado ensolarado
Que eu achei pra caminhar
Vem meu anjo torto
Abusar do meu conforto
Ser meu bem em cada porto
Que eu ancorar
Felicidade pode estar pelo sim
Às vezes do seu lado
Tem alguém afins
Chega e instala a beleza
Momento de sonho real...


Publicado por Antônio - Agosto/2010

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A noite que não terminou

Ao lado do grupo MPB-4, Chico Buarque defende "Roda Viva" na final do festival de 1967, exibido pela TV Record; a canção ficou em terceiro lugar

Estreia amanhã (30/07) em circuito nacional - menos nas cidades interioranas como a minha - o filme "Uma noite em 67". Reproduzo abaixo trecho da matéria que o jornal Folha de São Paulo trás hoje em seu Caderno Ilustrada, com comentários sobre o filme. De fato, é um filme para ver, rever e ter em DVD; para guardar como documentário. Vale a pena. Este Festival foi o divisor de águas e marcou o início de uma nova era na nossa música popular. De lá para cá não fizemos mais tantos artistas de alto nível assim. Uma pena.

(Folha de São Paulo 29/07/2010)
Longa refaz história da MPB a partir da grande final do festival de 1967; arquivos e entrevistas revelam bastidores e acertam contas com o passado.
ANA PAULA SOUSA
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

É impossível esquecer aquela noite. Ao mesmo tempo, como é difícil recordá-la.
A final do 3º Festival da Música Popular Brasileira, exibida pela Record em 21 de outubro de 1967, ficou congelada na memória do público como um momento único.
Para seus protagonistas, porém, se foi alegria, foi também perturbação. É isso que revela, quatro décadas mais tarde, "Uma Noite em 67", documentário de Renato Terra e Ricardo Calil, crítico de cinema da Folha.
Por meio dos arquivos da TV Record e de depoimentos de quem estava lá, o filme revê um momento que iria se provar fundamental para a forma que assumiria, a partir dali, a música brasileira.
Há Chico Buarque ("Roda Viva"), Caetano Veloso ("Alegria, Alegria"), Gilberto Gil ("Domingo no Parque") e Roberto Carlos ("Maria, Carnaval e Cinzas") a defender suas canções. E há todos eles a rememorar aquela noite.
"Eu era um fantasma no palco", diz Gil, que caiu de cama, em pânico, horas antes da apresentação.

INTIMIDADE
É desses reencontros profundos com o passado que se constitui o filme. Fica claro que os diretores sabiam que muitos, como Caetano e Gil, tiveram suas falas sobre aquela noite banalizadas, tamanha a quantidade de entrevistas dadas a respeito.
Tinham também em mente que outros, como Chico e Roberto, dificilmente baixariam a guarda. "Era fundamental criar uma cumplicidade. Nós nos preparamos muitos e tentamos ser delicados, respeitosos", diz Calil.
Com isso, arrancaram de cada um momentos de graça, emoção e intimidade, como raras vezes se veem na tela.
"Ao ver o filme, assustei-me mais com suas revelações do que em me ver naquela agonia de não poder mostrar uma música", diz Sergio Ricardo que, impedido pelo público de cantar "Beto Bom de Bola", atirou a viola à plateia. O filme traz à luz a cena inteira, e não apenas a explosão. "Me sinto de alma lavada."
Há também um quê de acerto de contas no que sente Marília Medalha, que cantou, com Edu Lobo, "Ponteio", a grande vencedora da disputa de jovens gigantes.
"Fui espoliada após o festival, não só por pessoas da música, mas também por artistas do universo teatral", diz. "Com o AI-5 [1968], o negócio piorou muito. Num show com Vinicius [de Moraes], fui proibida de cantar "Ponteio". Não descobri se era por causa da música ou por saberem que tinha vínculos com presos políticos", diz.
A entrevista com Medalha, como dezenas de outras - entre elas as de Ferreira Gullar, Chico Anysio, Arnaldo Batista, Martinho da Vila-, ficou fora do corte final do filme. Estarão todos no DVD.
A opção de concentrar-se nas cinco primeiras classificadas faz com que cada canção seja vista de ponta a ponta. Por meio dessas imagens, o espectador não só conhece os maiores artistas da MPB quando jovens, como também visita os primórdios da TV. Ali, o cigarro em cena era tão natural quanto o jovem Chico, com 23 anos, apresentar-se de smoking.

Chico revela mágoa com fama de "velho"

Em depoimentos para o documentário "Uma Noite em 67", ícones da MPB revivem as marcas deixadas pelo festival
Edu Lobo liga Tropicália a "roupas diferentes"; Gil diz ter sido levado ao movimento por insistência de Caetano.
De imediato, o maior impacto do documentário "Uma Noite em 67" está nas imagens de acervo da TV Record -as sequências completas de Chico, Caetano, Gil, Mutantes, Roberto, Sérgio, Edu e Marília defendendo suas canções.
Mas, colocadas em contraponto ao material histórico, são as entrevistas feitas especialmente para o filme -recentes, portanto- as responsáveis pelas grandes revelações sobre os personagens.
"O tropicalismo foi a fase agônica da minha vida musical", conta Gil. Para fazer todos os rompimentos -musicais e até pessoais- necessários à criação do movimento precisou que Caetano o puxasse pelas mãos, ele diz.
Edu Lobo, por sua vez, deixa claro que, 43 anos depois, não mudou muito o modo como entende o tropicalismo. Para ele, toda a revolução liderada por Caetano e Gil a partir daquela noite "girou mais em torno da atitude no palco e das roupas diferentes do que da música".
As tais roupas que Edu cita, usadas sobretudo pelos Mutantes e pelos Beat Boys -as bandas de rock que acompanharam Gil e Caetano em seus números-, foram introduzidas nos festivais a partir daquele ano.
Era praxe, até ali, que artistas se apresentassem na TV vestindo smoking.
Revendo sua aparição naquela noite -de smoking-, Chico Buarque diz que, então, não sabia que aquelas mudanças nos figurinos aconteceriam. Ou melhor: sabia, mas tinha esquecido.
Entre risadas, conta que estava sob efeito de álcool quando Caetano lhe falara, tempos antes da primeira eliminatória, sobre a ideia das roupas. Por isso, não chegou a registrar a informação.
Mas o clima da entrevista sai da anedota quando o autor de "Roda Viva" revela ter se sentido "muito sozinho" naquele período.
Pelo contraste com a estética pop tropicalista, percebeu estar imediatamente identificado como "o velho", "o conservador" -tanto em música quanto em atitude.
"É duro ser chamado de velho, ainda mais quando você tem 23 anos", afirma Chico no filme.
Provocado pelos diretores, Caetano concorda. "Era natural que ele se sentisse assim." Até aquela noite, Chico mantinha o posto de unanimidade nacional e nunca havia encontrado qualquer restrição. Foi a primeira vez.
Na manhã do dia seguinte, nenhum deles seria o mesmo. Nem ele, nem o Brasil. (APS E MP)

Militante revê no filme sua "atuação" como fã

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
"Quando as pessoas vaiavam, estavam vaiando a ditadura, e não as músicas."
A jornalista e militante Rose Nogueira, 65, explica isso enquanto assiste a "Uma Noite em 67" pela primeira vez. Quer dizer, pela segunda, já que ela estava presente no festival onde foi lançado o Tropicalismo, Chico cantou "Roda Viva" e Sérgio Ricardo quebrou um violão.
Ela era uma das moças "de tiara no cabelo, que já vinha com uma peruca" que adoravam Sérgio Ricardo e, claro, achavam Chico Buarque lindo. Rose tinha 20 anos na época. E continua achando Chico "lindo e com uma capacidade de construir poesia como ninguém".
Na tal noite de 67, ela ficou na parte de trás do auditório. E, ao ver o filme, relembra de tudo. "Olha o Sérgio Ricardo pedindo calma. Lembro exatamente disso. E nessa hora em que ele jogou o violão, nossa, fiquei em choque."
Apesar de achar Sérgio Ricardo "um charme", Rose torcia para "Roda Viva". "Está vendo ali? Eu era uma daquelas moças cantando "roda mundo, roda pião"."
A jornalista torcia para Chico em todos os festivais. Mas até hoje se emociona com "Alegria, Alegria".
"Que coisa maravilhosa. Essa hora em que todo mundo grita "eu vou" é emocionante. As pessoas estavam dizendo que não iam desistir. E o Caetano estava lutando com a poesia."
Ela acha que nem Caetano (e nem ninguém no Brasil) fez músicas tão bonitas depois "porque a ditadura veio e acabou com tudo".
As músicas podem não ter melhorado na opinião de Rose. Mas a aparência... "O Caetano era horroroso. Foi melhorando com o tempo. Desculpe, Caetano, mas você hoje é mais bonito."
"O Caetano também foi preso?", pergunta a cozinheira da casa. "Todo mundo foi preso." Até Rose, que um ano depois foi detida e torturada no presídio Tiradentes, onde permaneceu por oito meses. "Depois desse festival tudo mudou."

Brasil se revela por inteiro nos bastidores do festival

Diretores captam um país entre as marcas da província e as antenas da metrópole
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A última noite do Festival de Música Popular Brasileira de 1967 foi um desses raros momentos que condensam e catalisam as forças vivas de toda uma cultura.
Estavam ali não apenas artistas extraordinários em seu apogeu criativo, mas um caldeirão de elementos díspares numa rara e irrepetível sinergia: o berimbau e a guitarra elétrica, a poesia de vanguarda e o ti-ti-ti das revistas de fofoca, as marcas da província e as antenas da metrópole, o pop e a roça.
Diante desse evento singular, a virtude maior dos diretores Renato Terra e Ricardo Calil foi a de preservar uma certa modéstia e um escrupuloso respeito a todos os protagonistas e coadjuvantes da noite memorável.
O documentário busca transportar o espectador de hoje àquele ambiente sem intervir esteticamente, sem interpor interpretações políticas ou sociológicas, sem, em suma, "perfumar a flor", como diria o poeta João Cabral de Melo Neto.
Todos os depoentes são testemunhas presenciais e todos têm o que dizer. Por vezes ligeiramente contraditórios entre si, esses depoimentos ajudam a iluminar o acontecimento por vários ângulos e a construir os seus sentidos.
PROVÍNCIA X MUNDO
Mas o ponto mais forte do filme são as cenas de bastidores do festival, as entrevistas antes e depois das apresentações, em que transparece, nas perguntas dos repórteres e nas respostas dos artistas Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, um alegre descompasso entre uma televisão familiar, provinciana, herdeira do rádio, e uma música revolucionária, sintonizada com o mundo.
Tudo ali diz muito sobre uma época: as roupas, os penteados, a gíria, o humor. O país se revela inteiro em cada fotograma.
Lamentou-se já a ausência de uma fala da cantora Marília Medalha, intérprete da vencedora "Ponteio". Outros testemunhos poderiam ser enriquecedores: de Nana Caymmi, Hermeto Pascoal, Rita Lee. A lista seria interminável, e o filme também.
Material não falta para outros documentários, para extras de DVD ou para uma série de TV, que talvez seja o destino mais adequado para esse tipo de documentário mais jornalístico do que propriamente cinematográfico.
Mas o filme "Uma Noite em 67", por sua força compacta e seu caráter de celebração, vai bem, muito bem na tela grande.

UMA NOITE EM 67
DIREÇÃO Ricardo Calil e Renato Terra
ONDE estreia amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex, Espaço Unibanco Augusta e circuito
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO bom

Antonio - julho / 2010.