BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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terça-feira, 6 de julho de 2010

A Era Felipe Melo - o silêncio das vuvuzelas



Pronto, acabou mais uma Copa para nós. Recolham as bandeiras, guardem as camisas no armário, calem as vuvuzelas e voltem à rotina e só daqui a 04 anos. Como em de 2006, saímos nas quartas de final. Desta vez o nosso judas e culpado foi Felipe Melo; ele é o Roberto Carlos de 2010, embora não tenha “ajeitado o meião” na hora do gol, mas foi incompetente em “ajeitar” uma bola para dentro das nossas redes, ou como se diz em Portugal: fez um auto-gol. Para completar entrou covardemente com as travas da chuteira na coxa do holandês Robben e foi expulso. Depois na entrevista, com os olhos secos, disse que não foi maldoso – havia mais de 30 câmeras para registrarem a cena. Durante o jogo, se salvou quando teve um lampejo de Gerson ao dar o passe para Robinho marcar o único gol do Brasil, mas no minuto seguinte voltou a ser o que é: Felipe Melo.

Sempre assim, depois dos fracassos procuramos os culpados. Depois de tantos elogios durante a Copa de 1982 e com o gol que marcou contra os Argentinos, Junior foi o culpado por não marcar Rossi no último gol da Itália; antes Cerezo havia sido culpado por cruzar uma bola na nossa defesa na presença do próprio. Mesmo quando jogamos como verdadeiros artistas, como em 1982, também deixamos cair um pouco de tinta no quadro e manchamos a tela, estragamos tudo. Futebol é feito dos seus detalhes e um erro pode custar anos de preparação.

Foi lembrado por um cronista que, futebol de Copa é atípico, jogamos uma competição onde temos que provar que somos os melhores naquele mês, talvez no mês seguinte não consigamos praticar o mesmo futebol e não alcançamos o mesmo êxito. Não há como dizer que houve progressão de um time ou outro e muitas vezes nem sempre os melhores ganham; muito diferente de um campeonato brasileiro, por exemplo. Os alemães sabem muito bem disso. Salvo esta Copa, sempre tiveram um futebol sem brilho, mas com eficiência para jogar sete jogos.

As lições dessa Copa ficaram patentes e lembraremos no futuro como o fim da Era Felipe Melo, creio. Não querendo crucificá-lo pela derrota, mas seu nome será lembrado, pois o mais desinformado torcedor sabia do mal que ele poderia nos causar pelo seu futebol de pouco talento e seu destempero emocional. Somente seu treinador não via isso. Dessas lições tiro algumas.

Não adianta aquartelar jogadores e colocarem debaixo das Leis Dunguianas. Isso não resolveu e nunca irá fazer ganharmos títulos, pelo contrário, preservando e restringindo demais o ambiente deixa o jogador inseguro e depois não tem reação nos momentos de adversidades, com o placar adverso. Faltou passar aos jogadores na concentração o filme “Desafiando gigantes” - 2006, uma bela obra e com bons exemplos de como ganhar uma competição.

A segunda lição importante a lembrar para 2014 é que a Copa sendo uma competição curta de sete jogos, há que se convocarem quem está melhor no momento e não que é nosso amigo, digo, amigo do treinador, fiel a ele. Balela. A Alemanha levou os seus “meninos da vila”: Özil e Müller, ambos com 20 anos de idade e nunca jogaram uma Copa. Müller foi convocado na partida do time para a África do Sul, ele veio para substituir o maestro do time Ballack. Tem sido um dos melhores da Copa. Portanto, para 2014 rasguem esta regra.
Outra lição é que ao se trabalhar um time para uma competição deve-se também entender como está o estado psicológico de cada jogador e tentar colocar todos num mesmo padrão de autocontrole. Na partida contra a Holanda houve um momento em que Robinho é flagrado aos berros com um jogador holandês. O quê fez o holandês ao receber os gritos de Robinho? Manteve-se na sua posição, calmo, não entrou no clima do brasileiro. Assim ajudou o seu time a virar o placar. Após o segundo gol era nítida a frustração dos jogadores, pareciam sem reação.

Por ultimo, nós precisamos deixar de pensar que somos ainda os melhores do mundo, e que não devemos nos preocupar com quem enverga a camisa adversária. Do outro lado também há bons jogadores e por isso devem ser respeitados e marcados, assim como eles marcam os nossos jogadores principais. No jogo contra a Holanda era premissa ter que marcar o Robben (11) e o Sneijder (10). A tática dunguiana ignorou os dois jogadores e eles decidiram.

Em 1968, quando o Maracanãzinho em pé gritava “é marmelada, é marmelada”, por não aceitar que a música de Vandré não estava na final daquele festival, ele foi ao microfone e disse: “A vida não se resume em festivais”. É isso aí, eu também digo: “A vida não se resume em Copa do mundo”. Que a Era Felipe Melo seja sepultada e com ela este futebol pragmático; de quebra que vão também essas malditas vuvuzelas, passem logo esses anos e até 2014. Bola para frente.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / julho de 2010.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O álbum impossível


SE OS nomes de Kanga Akale, Cha Jong-Hyok e Martin Skrtel não dizem nada para você, sorte sua. Pelo que leio na internet, esses jogadores de futebol estão tirando o sono de quem coleciona o álbum de figurinhas da Copa do Mundo. Pertencem ao ranking dos mais difíceis de achar.
Ocorre que nada parece ser muito difícil hoje em dia. Graças à internet, os aficionados podem trocar figurinhas, comprar álbuns já completos, marcar reuniões, reclamar da situação ou vangloriar-se de seus feitos. "Ja completei 2 albumn to no tersero" [sic], informa um menino de 13 anos num blog dedicado ao tema. É pouca coisa, diante de um paulistano de 44 anos que já completou quatro álbuns e pretende chegar a dez cheios. Antes do início da Copa, naturalmente.
Todos correm contra o tempo. Houve alarme em Bauru: durante quase uma semana, interrompeu-se o fornecimento às bancas de jornal. A editora Panini, como toda poderosa empresa multinacional que se preze (a sede é na Itália), "calou-se" diante do problema, denunciam os críticos.
Surgem cotações no mercado negro, já houve um assalto espetacular e os furtos, como no meu tempo, devem ser comuns em qualquer recreio de escola. Mas é claro que, em comparação com as figurinhas de quando eu era criança, muita coisa mudou.
Este álbum de 2010 é globalizado. Não está escrito em português. A seleção da Grécia atende por Hellas, o nome que tem de fato na língua de Homero, e a histórica Sérvia é Srbija para os colecionadores. O que não constitui desculpa, é claro, para os erros de português que se multiplicam nas páginas da internet sobre o assunto.
A não ser que eu esteja muito destreinado, essas figurinhas autocolantes não facilitam a vida de quem quer ganhá-las jogando bafo. Em compensação, é um grande progresso não depender mais da velha cola branca, para nada dizer da mistura de farinha e água ou da impraticável goma arábica, da marca Camelo, que deixava minhas páginas com a consistência de uma bala de cevada -outra coisa da infância que não me traz saudades.
Não há de ser simplesmente por saudade da infância, em todo caso, que tantos marmanjos (até mesmo, devo dizer, na redação de um importante jornal paulistano) entregam-se à febre das figurinhas. Não se trata de uma doença retroativa e, sim, antecipatória. Já é a torcida pelo título mundial o que se concretiza na luta pelo álbum completinho. Importa dominar, ter ao alcance dos dedos o conjunto dos adversários possíveis.
Num arroubo de alma que só se poderia chamar de ibérico, há torcedores que fazem questão de colar de cabeça para baixo as figurinhas do selecionado argentino.
Completar o álbum é vencer todo acaso e incerteza. Obtida a vitória, começa-se outro, assim como a conquista do tetra não tira a vontade de chegar ao penta, ao hexa, que sei eu. Irremediavelmente antiquado, volto a estranhar essa necessidade (no tocante às figurinhas, porque, em matéria de futebol, prefiro ficar calado).
Nunca pensei, quando era criança, que fosse possível completar um álbum. Corria mesmo a desconfiança de que algumas figurinhas nunca tinham sido impressas. O melhor e mais precário álbum que já tive se chamava "Olé" e era desatualizadíssimo. Reunia, como todo bom time de futebol de botão, pernas-de-pau já aposentados, cenas de campeonatos peremptos e ídolos de bigodinho que, nos meus verdes anos de calça boca-de-sino e cabelo "black-power", já haviam sido esquecidos pelas multidões.
O desajuste, é verdade, mantém-se agora, mas com sinal contrário. Jogadores que supostamente participariam da Copa deste ano foram cortados, contundiram-se, e o álbum já deixou de retratar o tempo presente.
Todo colecionador, assim, corre em vão rumo ao futuro, para realizá-lo apenas como um testemunho do passado. Desfiz-me dos meus antigos álbuns de figurinhas. Se pudesse reabri-los, sem dúvida gostaria de novamente verificar que ficaram incompletos.
Ainda espero que, numa banca de jornal perdida no fim do mundo, possa achar num pacotinho aquele Mengálvio, aquele Dino Sani que me faltavam para completar a coleção. A coleção? Melhor dizer: a página. Para que o álbum, com suas lacunas irritantes e figurinhas impossíveis, não se feche jamais.

Marcelo Coelho - Folha de São Paulo - 19/05/2010

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O futebol Arte — Um recado a Paolo Rossi


Certa vez perguntei para meu sobrinho — naquela época com 12 anos — como foi o jogo de futebol do campeonato que estava disputando. Ele me respondeu com um sorrisinho: “Ah, perdemos de 5 x 1..., mas eu dei dois chapéus e um vão de perna.” Achei sua resposta fantástica. O que importa o placar se eu fiz a minha arte? O que importa se perdemos, se eu fui genial? O que importa a derrota, se já nos julgamos vencedores pelo que fizemos? Nós, brasileiros nascemos assim: apaixonados por futebol; e desde cedo já sabemos justificar nossas derrotas na maneira mais inocente num sorriso de uma criança. O que importa é fazer “arte”, dar espetáculos.

Não existe paixão maior que a de um torcedor pelo seu time de coração. Ouso dizer, esta união é verdadeira e leal: na saúde, na doença, na alegria, na tristeza e até que a morte vos separe. A herança de escolher para que time torcer — e isso é uma paixão para o resto da vida mesmo —, vem de nossos pais ou de nossos irmãos mais velhos. Sempre haverá esta influência, pois muito cedo somos inseguros em fazer outras escolhas, quanto mais para que time torcer. É claro que existem alguns que decidem não por influência, mas escolhem torcer pelo time do momento, ou seja, o time sensação da temporada. Com certeza, o momento do time do Santos-2010 fará engrossar o número de torcedores nas arquibancadas e pelo país a fora. Com seu futebol alegre, moleque tem atraído muitos pequenos torcedores já no berço.

Comigo, a influência futebolística foi de um dos meus irmãos, já que meu pai pouco gostava de futebol. Meu irmão, torcedor do palestra, colecionava revista “Placar” e sempre colocava no meu colo algum texto para eu ler – é claro que sempre do Palmeiras. Naqueles primórdios da década de setenta, eu só sabia de futebol pela Seleção do tri-campeonato; aquele time de Pelé, Tostão, Rivelino e Gerson. Dois anos depois da conquista do mundial comecei a torcer com paixão pelo Palmeiras. O time era a “Academia” comandada por Ademir da Guia, Leivinha, Luis Pereira e César, o maluco. O Palmeiras ganhou o segundo campeonato brasileiro em cima do Botafogo-RJ em 1972, depois foi bi-campeão no ano seguinte já contra o São Paulo. Até aqueles meus primeiros anos de futebol, só conhecia vitórias, conquistas e glórias. Colava meus pôsteres na parede, criava meus ídolos que, além desses do Palestra, havia Reinaldo do Atlético-MG. Até hoje não vi jogador como Reinaldo. Ele era um goleador nato, pois seu futebol tinha a ver com aquilo que mais apreciava: a arte.

Assim, como tudo na vida nem tudo são flores — mesmo na vida de um novo torcedor —, veio a primeira decepção ainda naqueles meus 20 anos. Era decepção sim, pois não imaginava que iríamos perder um titulo jogando o verdadeiro futebol brasileiro, com muita arte. Não estou falando do meu palestra, pois já entendia que não era fácil manter um time no auge por tantos anos e ganhando títulos, falo da Seleção de 82.

Em 1982, a Seleção Brasileira era comandada pelo “Mestre” Telê Santana, que vinha do meu Palestra. Telê tinha a pecha de ser um técnico exigente demais, detalhista, mas que gostava do futebol para frente, de atacantes. Naquela seleção havia um desconforto, a maioria dos torcedores não entendia porque o time de Telê não tinha ponta direita. E todos achavam que havia ali a teimosia do treinador turrão. E a seleção foi para copa da Espanha desacreditada, capenga e sem saber o que iria acontecer. Já nos primeiros jogos começamos a perceber a genialidade do time e de seu treinador. O meio de campo era um quadrado mágico formado por Sócrates, Zico, Falcão e Cerezo. O time jogava por música e os adversários não conseguiam parar o ataque, que só fazia gols magníficos. Ah, o ponta direita? Não havia um fixo, todos caiam por aquele lado do campo, como se ali fosse o terreno fértil para brotarem os gols.

Tudo ia bem, já éramos consagrados como a melhor Seleção da Copa, até que veio um trem desgovernado e nos atropelou. Horas antes daquele fatídico jogo contra a Itália, lembro ter assistido na TV uma entrevista com o avô de Bruno Conti, ponta direita da Itália. Um velho sapateiro do interior da Itália; um homem otimista, alegre e orgulhoso do neto. Como um inoportuno vidente, disse que não tinha dúvidas que a Itália sairia vencedora daquele jogo, embora o mundo todo pensasse e torcia o contrário. Acho que os deuses do futebol já haviam lhe soprado nos ouvidos o que iria acontecer. A previsão ou inspiração daquele velhaco foi de um bruxo diante de sua bola de cristal; e uma desgraça iria cair sobre nossas cabeças naquela tarde que seria conhecida como a “Tragédia de Sarriá” — nome do estádio que mais tarde seria demolido pelo governo Espanhol.

Dou-me o direito de não comentar ou sequer lembrar-me dos gols do nosso algoz, prefiro então ficar com a imagem de Falcão ao fazer o gol de empate de 2 x 2. Ele gritava e de braços abertos corria em direção ao lado do campo junto dos outros jogadores. Parecia que havia sido cometido por uma alegria que já não cabia em seu corpo. Mais tarde, descobri que o compositor Francis Hime havia feito uma canção chamada “Falcão”, justamente para descrever aquela cena. Depois da derrota por 3 x 2, com três gols de Paolo Rossi, apaguei. Quando acordei, demorei até minha ficha cair e compreender que o futebol também traz amarguras e desapontamento. No dia seguinte, ainda cabisbaixo fui até o jornaleiro e comprei o “Jornal da Tarde”; a capa trazia estampada a fotografia do filho mais velho de Zico com os olhos cheios de lágrimas. Aqueles olhos marejados representavam o choramingo de toda uma nação. Dobrei o jornal sem lê-lo e guardei comigo até hoje.

No futebol arte não havia espaço para mediocridade, descompostura, deselegância, grossura; a bola tinha que ser bem tratada como pincel na mão de um artista, o campo a sua tela e o gol a sua rubrica. Na vida como na arte não interessa se iremos perder aqui ou ganhar ali, por um simples placar ou de goleada; mas sim, interessa muito sermos lembrados pelas jogadas de mestre que faremos, pelos “chapéus” e “pedaladas” à frente do adversário. Seremos mais lembrados por isso.

Se vivesse aquela copa, meu sobrinho com certeza também iria achar Rossi um jogador repugnante, tosco, deselegante, de gols feios; e a Itália um time com futebolzinho de resultados, mais nada. Por outro lado, se alegraria com Zico e diria: é maior do mundo; Falcão, o mais elegante e genial de todos; Sócrates, o jogador que tem olhos no calcanhar direito; e Éder, o ponta que coloca as bolas com os pés como um jogador de basquete faz suas cestas na linha dos três metros.

O futebol arte morreu naquela Copa, foi enterrado junto com o Estádio Sarriá. Telê viveu tempo suficiente para ter outras glórias e ser campeão mundial interclubes, mas também para a angústia de terminar a vida sem ser campeão mundial com aquela Seleção. Quanto a nós, que presenciamos aquilo tudo, devemos reverências ao sagrado futebol daquela Escrete de Ouro que encantou o mundo. Passado esses anos, ainda carrego comigo esse trauma: toda vez que algum outro time no mundo ousar jogar como aquela Seleção de 82, penso que haverá um Paolo Rossi para estragar com a festa. É inconteste, ele odiava o futebol arte; e eu para sempre vou odiar Paolo Rossi.
(*) dedicado ao Thiago, autor de dois chapéus e um vão-de-perna.

©Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2010.