Você é desapegado? Muitas pessoas dificilmente irão responder a esta pergunta de prontidão. Pensarão e sairão pela tangente, ou devolverão a mesma pergunta. Uns irão lembrar-se das roupas velhas e puídas que já não usavam e doaram a um bazar e justificarão: sou desapegado por isso. Quase nenhuma dirá que doou uma roupa nova, que custou muito cara, de uma grife famosa. Desapegar é difícil, eu sei. Tem que praticar diariamente. É um ato, antes de tudo, de amor ao próximo.
Tenho isso comigo: se o mal fosse maior no mundo, a humanidade já não existiria mais. Por um fio do equilíbrio dessas forças, o bem ainda controla o mal, ainda é maior; ou eles se compensam. Acredito também, que todos nós nascemos com um chip que vem como um código moral, de ética e conduta. Uns perderão pelo caminho; outros irão buscar mais do que a moralidade imbuída no Ser humano. A benevolência ainda é grandiosa no mundo, isso também se deve aos desapegos e doações de almas, de pessoas que nunca imaginamos existirem. Uma voz que não se ouve, mas que se manifesta no silêncio.
Toda vez que vejo o mundo à beira de conflitos vem à lembrança aquelas pequenas missionárias que vivem na clausura. Optaram por essa vida e só sairão de lá com a morte. Vivem numa entrega de oração pela humanidade, pela paz de pessoas que elas nem conhecem e vidas que nem frequentam. A mente ocupada, sempre. O que muito se explica que elas vivem até depois dos 100 anos. Isso também é uma forma de desapego. Suas indumentárias não têm grife; não andam em carros de luxo; comem comidas que elas mesmas preparam, se purificam e santificam diariamente. Depois oram sem parar, com fé e amor. Tudo para manter o mundo em constante equilíbrio, contraponto às forças daqueles que se agarram aos bens terrenos, e por isso lutam, brigam, guerreiam, se matam. Se há o mal; há muitos querendo o bem da humanidade, e por ela renunciam a própria vida.
Peregrinos que fizeram a primeira vez o percurso de Santiago de Compostela testemunham que no início do caminho, o preparo é como se estivessem que carregar a vida nas costas, como assim dizer: preciso levar tudo para a minha jornada. Ao longo do caminho, a vida vai se desprendendo, se soltando das mãos; pertences são deixados pelos caminhos, sem pena, nem valor. Caminhar é preciso, carregar não é preciso. Enquanto se caminha, se ora e não se pensa em nada, somente cumprir o caminho, com a roupa do corpo e nada mais.
Outro dia, um político local escreveu em seu mural do Facebook: “devemos praticar o desapego...” A mensagem veio de um celular direto de uma igreja, presumo; a mesma que aderiu e resolveu frequentar de um tempo para cá – estava no meio do culto e se empolgou. Ele é político e seres dessa espécie não merecem muito crédito, adoram fazer proselitismo, dizer frases feitas do óbvio da vida e assim ser “curtido” por seus eleitores. Tudo dito, mas sem tirar um centavo do bolso; sem tirar a camisa para vestir àquele descamisado na rua; sem nenhuma forma de desapego em cuidado ao próximo. Algumas pessoas sobem em púlpitos e tribunas, para pregar em seus discursos, que o bom da vida é praticar o desapego. No mundo, há aqueles poucos que se doam sem nada receber. Esses são desapegados até dos discursos hipócritas.
Dentro das igrejas há outros missionários pregando aos fiéis palavras de fé e que a vida não vale pelo apego às coisas terrenas. Alguns desses continuam humildes na vida fora do templo, tentando praticar e viver tudo; outros ostentam riquezas (essas que as traças corroem), numa vida que não condiz com o que dizem acreditar.
Ontem fui dormir pensando nela. Estou pensando nela ainda... Não pensando em sua beleza, mas sobre a pessoa que ela é. Vi no canal GNT um programa sobre a vida fora das telas de Angelina Jolie; de como ela tem-se empenhado nas causas humanitárias pelo mundo: Paquistão, Haiti, Congo... Onde há gente sofrendo, lá está Angelina. Ela e Pitt, seu marido, doaram vários cachês milionários para ajudar povos pelo mundo. Criaram uma fundação por essa causa. Malgrado, alguém veio me dizer: ela faz doações para abater no seu imposto... Discordei. Não é com esse objetivo, ela visita e acompanha muito de perto esses povos, estando nos lugares, pondo o dedo nas feridas e procurando diminuir as dores das pessoas. Há amor no que faz. Se pudesse adotaria todas as crianças órfãs no mundo — creio. Um dos filhos adotivos veio do Vietnã. Que linda mulher!
Depois me indaguei: ela não faz e não fala em nome de nenhuma religião, age em nome dos seus instintos — os mais nobres —, seguindo os passos do Cristo, que as igrejas pregam pelos evangelhos. Perguntei. Quem merece mais o céu? Um padre cantor? Um político bravateiro? Uma apresentadora de programas infantis que odeia crianças? Um pastor que ficou rico com sua igreja? Ou Angelina, que ficou rica com seu talento e depois, por ser bela por todos os lados que se vê e não se vê? Na minha conta, essa já virou santa.
Não vejo o desapegar somente naquilo que nos servia e hoje não mais; dos objetos do passado que guardamos e da vida que tínhamos. Há algumas histórias reais de desapego, ou mais do que isso, de altruísmo. Aquele que doa, em vida, seus órgãos, suas vestes, seu tempo, seus bens; aquele que, além da caridade, oferece o colo, o ombro, o abraço, o amor que tantas pessoas necessitam. Desapegar é preciso; carregar tralhas, rancores é desprezível para o caminhar. E só com a leveza na alma que teremos a paz; e nada mais será importante.
“Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos que já se acabaram. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas possam ir embora. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará. Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira”. (Pratique o desapego - Fernando Pessoa)
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / janeiro de 2012.