BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

280 caracteres de mim


Sou um usuário do Twitter. Escrevo com frequência, mas também gosto de comentar nas postagens, principalmente da extremimprensa (tudo junto e a ver). E foi por uma postagem, onde eu escrevi a palavra "retardada" que levei um bloc de sete dias. Não sou daqueles que não vivo sem, claro. Isso só demonstra o lado que os donos dessas redes sociais escolheram. O importante é não desistir e sempre se posicionar. E eu acredito nesse "exército do bem" que quer ver esse mundo devolvido ao seu estado natural. Como estou sem postar, selecionei 25 postagens, desses dois últimos meses. Talvez aquelas que achei as melhores. Mas se quiser me seguir, será bem vindo: @Anttonioarq

1 - Nessa tarde, dirigia meu Chevette-74 numa avenida quando, à minha frente, uma mulher sozinha empurrava seu carro. Pensei em parar imediatamente para ajudar, mas havia uma fila atrás de mim. Quando, logo à frente, 3 carros e 3 homens pararam, desceram e voltaram para ajudar. Segui, pensando: maldita masculinidade tóxica, nojenta, machista! Será que eles não sabem que ela não precisa deles, pra nada?

2 - Deus criou Adão adulto pra evitar a fase da juventude e ele ser todo revoltadinho, revolucionário do PSOL, porque sabe tudo do paraíso bla, bla; e depois ele começar a reclamar que Eva é uma chatinha que senta ao seu lado no Poliedro, sem nunca pensar em comê-la.

3 - Com todas as provas anexas, num processo alinhavado, lido, analisado e sentenciado por mais de 15 juízes, Lula NÃO TEM DÚVIDA da sua inocência. Uma ação criminosa na presença de muitos, com várias cirurgias, dias no hospital entre a vida e a morte e uma cicatriz enorme no abdômen, Lula TEM DÚVIDA da facada em Bolsonaro.

4 - Durante a consulta, meu oftalmologista me disse que a sociedade é constituída por pessoas com dons específicos. Há aquelas anônimas que fazem o papel altruísta e aquelas que apontam as falhas de governos por não fazerem o papel dos anônimos altruístas. Eu disse a ele: — Eu sou esse último.
  
5 - Já contei aqui enquanto passava minha calça boca-de-sino... Qdo surge um jabuti em cima d uma árvore, ngm faz a clássica e necessária pergunta: como ele foi parar lá? Ao contrário, eles passam a adorar a cena e brigarão se alguém contestar do pq estar lá. O mundo ficou mais burro.

6 - Um país padece da DESINFORMAÇÃO, quando um criminoso, assassino confesso, é preso e é chamado de “suspeito” ou; quando um bandido perigoso, sem um dedo, assaltante de cofres públicos, sentenciado e cumprindo pena é chamado de “ex-presidente”.

7 - O cuidado dos governos autoritários, ditatoriais de esquerda é não parecer que são ditadores. Um dia o povo venezuelano dormiu achando que estava tudo bem e acordou num inferno, sem entender nada. Era tarde pra reagir. O lulopetismo foi esse alucinógeno q nós deram, por décadas.

8 - Quando uma pessoa constrói um castelo de sonhos, por anos (tijolo com tijolo), e você vem jogar com a realidade num duplo carpado de "João 8:32", ela vai te odiar para o resto da vida; vai te excluir das redes sociais... Afinal, quem gosta de ser acordado no meio de um sonho bom?

9 - Estava aqui amarrando o kichute na canela e pensando... Vai ser impossível Bolsonaro governar daqui em diante sem a consultoria dessas duas “gênias” do pensamento amazonista. Falo, claro, de Luísa Mell e Anitta. Amazonamente falando, nem Chico Mendes alcançou tal cultura.

10 - Depois que um urinol foi parar numa galeria de arte (1917), qualquer rabisco virou arte; qualquer merda escrita num papel higiênico virou poema. Qualquer idiota virou artista sob o discurso do manifesto. E a arte no mundo só piorou, dando espaço, abrindo galerias aos lacradores marqueteiros d si mesmos.

11 - Laurentino Gomes escreveu 3 best-sellers: 1808, 1822 e 1889. E acabou de escrever uma trilogia sobre a escravidão no Brasil. Em entrevista à Revista Crusoé, ele disse: “A escravidão nem sempre foi sinônimo de cor de pele. Até o século 17, a maioria do escravos no mundo era branco”.

12 - Quem sabota a solução, está sabotando também o caminho novo, o progresso, o desenvolvimento, a educação, o conhecimento, a alta-cultura, a inteligência, a meritocracia, o futuro, a felicidade. E sabota, com certeza, o amor e a esperança.

13 - Bolsonaro ocupou todos os espaços que poderia haver à direita da política que, figuras como Doria e Maia tentam, agora, se sobressaírem com um discurso retrógrado, da velha política que os projetaram. Em 2022, entenderão isso quando virem um Cabo Daciolo à sua frente.

14 - Lula foi fazer propaganda para Chávez e disse, à época, que a Venezuela tinha “excesso de democracia”... As pessoas que não sabem passar fome. Um salário mínimo na Venezuela, hoje, não chega a R$ 12,00. Não dá pra comer um x-salada. Entendeu a democracia em excesso?

15 O Presidente Bolsonaro acaba de sancionar duas novas leis: 1) cria uma barreira aérea que impede que a fumaça vindo do Paraguai e Bolívia adentre o céu paulistano, fazendo o dia parecer noite; 2) obriga os donos de iates a apareceram nas fotos com as putas, durante o passeio. Grande dia!

16 - Frota está indo para um “novo PSDB”, segundo ele mesmo. Assim, Aécio será expulso e preso, Serra e Alckmin se entregarão à PF pelos desvios de obras do rodoanel. Aloysio Nunes se arrependerá de ter sido motorista de Marighella, FHC e Doria vão virar atores de filme pornô. 

17 - Se alguém veio te contar que certa pessoa não gosta de você. Procure saber se essa pessoa é seu médico, dentista, advogado, etc. Se for, mude de profissional. Se for alguém que não faz diferença na sua vida, até pra empurrar seu carro quando quebra na rua, tem pessoas anônimas melhores. 

18 - Mulher nova na sua vida é como carro usado na concessionária. Quando você vê, acha bonito, perfeito, a sua cara e não entende por que alguém o pôs à venda, e barato. Você compra e depois de um tempo, com muito trabalho, gasto e manutenção, você entende tudo por que seu dono anterior quis se desfazer. 

19 - Você pode entender a cabeça de um socialista, pensando com a cabeça do ator Pedro Cardoso. Ele disse em entrevista recente que a Globo explorou muito seu personagem Agostinho Carrara. Bem, ele combinou um salário antes, e nunca reclamou. E imagino que deve ter recebido sempre em dia também. 

20 - Ninguém levaria a sério Gramsci. A esquerda não só levou como pôs em prática. Enquanto os militares se ocupavam com o comunismo nas ruas, o gramscismo assolava a cultura e a educação. Um trabalho silencioso de anos. Hoje são eles que ainda resistem com um discurso cafona de LulaLivre. 

21 - As tais patinetes elétricas são agora o jabuti em cima da árvore. (E não foi por falta de avisar...) Agora todos têm medo de tirá-lo de lá e serem questionados pelas pessoas que admiram, acham importante e não vivem sem ter um jabuti em cima de uma árvore.

22 - “Os conservadores estão tomando conta do mundo.” Não! O mundo já era conservador antes de você nascer. Há milênios, milênios… Antes da etimologia que deu origem ao termo. Você que é um retardado surtado, achando que o mundo estava curvado ao seu progressismo, descoberto há duas décadas.

23 - O esquerdismo é o refúgio e a forma bruta do incapaz, do inábil, do fracassado. Uma bela analogia que já ouvi: todo esquerdista é como aquele estudante vagabundo que no dia da prova decide convocar a maioria para um boicote e não fazer a prova, sob qualquer pretexto, porque ele não estudou.

24 - É possível calcular "justiça social"? O quanto interfere em nossas vidas? Mas o termo é bonitinho e vive na boca dos canalhas. O mesmo ocorre com "meio ambiente", Todos os dados alarmistas são sofistas, sem estudos científicos. Tudo que é difícil de mensurar é porque é fácil de manipular.

25 - Quando vejo Chico Buarque visitando Lula, como quem vai ao convento ver Madre Teresa de Calcutá, não me impressiona mais a "única unanimidade nacional" (de 50 anos atrás). O que esses novos tempos nos fez, foi mostrar a fratura exposta de um Brasil que não conhecíamos, onde as pessoas não se escondem mais atrás dos seus personagens e máscaras. (Os canalhas têm os melhores e mais sinceros sorrisos.) Como já disse o ex-Reinaldo Azevedo "o ótimo, o medíocre e o idiota" — tudo numa só pessoa.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / setembro de 2019

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Desconstrução

Esta crônica não começou aqui, mas nasceu numa conversa de botequim. Onde se conversa de tudo; e hoje, mais do que nunca, o assunto que supera o futebol é a política.

E não podemos tocar na política sem lembrar dos intelectuais, artistas de hoje (e antes) engajados — palavra muito usada no anos de 1970 — à correntes ideológicas e únicas de esquerda. Não, eu não sou daqueles que preciso saber o que um desses artistas de MPB pensa para tecer meus comentários. A bem da verdade, muitos deles se aproveitam, ainda hoje, da política para existir, ou melhor, difundir sua obra. É o caso da Lei Rouanet, que foi criada sob pretexto de incentivo à cultura dos anônimos, mas virou contrapartida, moeda de troca, aos artistas conhecidos e consagrados defenderem o governo de esquerda, que hoje nos rege, dono da lei, e sob qualquer viés. Como se todos nós fôssemos guiados por eles.

Poderia lembrar de outros aqui, mas o mais engajado sorridente, e quem mais se aproveitou dos governos (militar e de esquerda) foi Chico Buarque. Se projetou no regime militar e se condecorou no governo Lula/Dilma, como mito e símbolo de resistência. Ninguém mais do que ele é, até hoje, aclamado pela imprensa e toda a militância de esquerda como aquele que combateu a "ditadura", com suas músicas e peças de teatro. Combateu? Vamos voltar um pouco no tempo, reler e avaliar parte de sua obra. Uma desconstrução do autor de Construção? Sim, pode ser.

É inegável que Chico tenha sido perseguido pela censura do Regime. Não que suas letras eram balas de canhão a ponto atrair a massa e derrubar o governo — como a música que fez Geraldo Vandré — , mas só porque eram escritas por ele. Ele se fez, e hoje ainda se vende no meio artístico, como símbolo de resistência ao governo militar. Para isso, ousou em algumas letras, criou um pseudônimo e reescreveu algumas letras, trocando palavras, para ter suas músicas liberadas e gravadas.

Em 53 anos de carreira, Chico Buarque compôs, segundo seu site oficial, 343 músicas letradas (às vezes a mesma música com letras diferentes). Dessas músicas, nenhuma delas foi censurada no início de sua carreira até ser reconhecido como artista, de 1964 a 1969. Mesmo após o AI-5 (Dezembro de 1968), ele estava livre para compor e cantar. Sabiá, por exemplo era uma espécie de canção do exílio. Sem problemas nenhum, foi cantada no festival da Globo. Sua música mais tocada naquele final dos anos de 1960, Roda Viva, não sofreu corte nenhum da censura.

Somente em 1970 — e aqui começa tudo —, ele teve a sua primeira música proibida pela censura federal. Apesar de Você foi lançada num compacto simples — meu irmão tem até hoje essa raridade —, que tinha do lado B Desalento. Logo depois, quando perceberam que o "Você" não era nenhuma amante, mulher, etc, os discos foram recolhidos das lojas e a divulgação proibida nos meios de radiodifusão, pelos órgãos de censura. Subliminarmente era uma queixa clara ao governo militar. Muitos a chamam de "Carta ao Médici" ou "Carta ao presidente". Nessa época ele já tinha voltado do seu auto-exílio, em Roma.

Se levarmos em conta o valor de uma música que ficou no imaginário popular, como uma música de protesto (e que marcou um período), podemos dizer que só Apesar de Você e Cálice (1973), foram reconhecidas depois como músicas, com teor de crítica à política, e que sofreram censura ao longo da sua carreira. Isso não representa nem 1% da sua obra musical. Depois, ambas foram gravadas no LP de 1978, ainda dentro do Regime Militar. Foi mais um chororô de ocasião, e como a esquerda sempre interpretou bem nesse papel: vitimização. Para repetir até exaurir: — olha, eles estão me perseguindo. Fui censurado.

Alguém pode argumentar: mas ele teve outras músicas de cunho político censuradas, como Milagre brasileiro, Vence na vida quem diz sim, Tanto mar, etc. Essas não contam? Sim, mas sem a mesma importância. E o que eu digo, são aquelas que, mesmo censuradas, ficaram popularizadas, e sempre aparecerem em destaque na sua obra. Inclusive, depois, foram regravadas por ele mesmo.

As suas músicas censuradas (em partes ou integral), pelos órgãos de repressão do governo militar, eram por simbolizar aspectos negativos da vida social, ou aquilo que afrontava a "moral e bons costumes" da época. Partido Alto, por exemplo, teve palavras trocadas, porque ofendia a própria raça, o brasileiro. Disse o censor, que a avaliou: "Se é engraçado ou uma infelicidade para o autor ter nascido no Brasil, país onde ele vive, e encontra esse povo generoso que lhe dá sustento comprando seus discos, e pagando-o regiamente nos seus shows, afirmo que ele está nos gozando. Opino pelo veto." Depois que substituiu algumas palavras na música, o censor ainda lhe deu outra descompostura: "Como  é que você, que fez uma música como Construção, agora vem com esta, falando de titica e saco cheio." A música foi gravada.

Dos seus discos, nenhum foi mais comentado que Calabar. E aqui abro um espaço para descrever como a censura proibiu a peça e o disco, simultaneamente. Em 1973, Chico Buarque estava com 29 anos, e escreveu músicas lindas para a peça. Depois dos ensaios e pronta para estreia, ele soube que a peça havia sido proibida. Calabar, o elogia da traição soou como uma espécie de resposta à morte do Capitão Lamarca, desertor/traidor do exército brasileiro, por se juntar ao grupo de guerrilha Vanguarda Popular Revolucionária (VPR); se refugiando, por fim, no sertão da Bahia, onde foi encontrado e morto. Os órgãos de censura ao perceberem no meio a palavra "traição", não pensaram duas vezes em proibir tudo.

Das 11 músicas, do disco Chico canta Calabar (depois virou somente Chico canta), muitas tiveram parte das letras substituídas, ou estrofes retiradas (Tire as mãos de mim) e uma música foi totalmente censurada: Vence na vida quem diz sim. A capa, onde aparecia a palavra "Calabar" pichada num muro, também foi censurada. Na parte interna, no encarte do disco, a foto de soldados fazendo piquenique sobre a bandeira do Brasil também foi censurada. Ou seja, não sobrou quase nada. Apesar de tudo, o disco, com canções escritas por Chico e Ruy Guerra, é um dos melhores de sua carreira. A letra de Vence na vida quem diz sim, na forma como foi entregue à censura federal (anexa à esta crônica), aparece o carimbo de "vetada". Na canção Tire as mãos de mim, a última estrofe não foi gravada. Dizia:
"Por três tostões
Ganhaste um par
Hoje está sós,
Eunuco e coxo
Tire as mãos de mim
Põe as mãos em mim
Vendeste um teu amigo
até o fim
Agora leva o troco"
(A estrofe foi subtraída e não foi gravada. Quando comprei o livro Chico Buarque Letra e Música, não veio com essa estrofe. Mandei um email ao editor que me respondeu que na próxima remessa seria corrigido.)

O período duro e repressivo não durou muito, talvez quatro ou cinco anos e só. Em 1976, Chico escreveu três letras para uma mesma música. Nas três versões da conhecida O que será, a frase "o que não tem governo nem nunca terá" não foi censurada e foi gravada assim. A música inicialmente foi composta para o filme Dona Flor e seus dois maridos.

Nessa época, Chico Buarque, e grande parte da chamada MPB (dos artistas engajados) eram aclamados e muito populares nos meus universitários (ainda são até hoje); do outro lado, a maioria da população ouvia mesmo era Antonio Carlos e Jocafi, Benito Di Paula, Originais do Samba, Secos e Molhados e Os Incríveis cantando Eu te amo meu Brasil. Para o meio politizado, se você não ouvia Chico e a MPB você era alienado. Mas quem se importava com isso, se a vida não era tão repressiva como eles diziam àqueles que não deviam nada ao governo?

Naqueles idos, pelos arredores e calabouços, se falava muito em prisões e torturas. Que artistas haviam sido presos e torturados, citando sempre Geraldo Vandré (?); e que nele fizeram uma lavagem cerebral, etc. (Pois é, somente ele carrega essa pecha da tortura. Ninguém mais. Por quê?) Logo após aquela noite, da sua memorável apresentação no Maracanãzinho, depois de ser ovacionado com Pra dizer que não falei de flores, Vandré foi sentindo o peso de sua música no meio dos militares e no início de 1969, já com o AI-5, ele sumiu. Ele arrumou um jeito e escapou pelas fronteiras do país e ninguém mais o viu. Naquela altura sua música já estava na boca do povo. Ele voltou em 1973 negando a prisão e que havia sido torturado. Nunca mais compôs como antes. Nas entrevistas recentes, ele, aos 81 anos, continua negando peremptoriamente que tenha sofrido qualquer tipo de tortura. Passados tantos anos, quem vai dizer o contrário? Por isso, a esquerda o abandonou. Ele não cabe mais na sua narrativa.

Agora, quem verdadeiramente sofreu tortura moral naquela época foi Wilson Simonal. O negão era como se diz hoje, marrento. Dono de uma voz irretocável, tinha personalidade, talento e um domínio total das grandes multidões. Meu limão, meu limoeiro virou hit no final dos anos de 1960. Era um showman. O que ele não estava nem aí, era com o que acontecia no país: do governo militar e aqueles que queriam derrubá-lo. Ele só queria cantar, andar nos seus carrões, se encher de dinheiro e ter as mulheres que queria. Foi acusado, por seus parceiros de música, de ser um informante do governo. (O que ninguém conseguiu provar até hoje.) Sua carreira acabou ali. Isso, sim, foi tortura. E ninguém, desses, veio lhe pedir desculpas, nem post mortem. Morreu anos mais tarde, alcoólatra, sem nunca conseguir provar sua inocência.

Outro dia, uma seguidora do meu Twitter se surpreendeu,  por eu ser arquiteto, e ter um pensamento tão conservador. (Os arquitetos são, na maioria, revolucionários de esquerda.) São outros tempos ou outros homens? Tempos de realidade e não de utopias (outra crônica). Por mais que a arquitetura tenha seu  broto e processo criativo numa visão utópica de mundo, mas a sua transformação é realidade que se toca, que se vê e se admira como poema concreto. Os sonhos são devotos, revigorantes, mas só o real encontro com a vida nos torna pessoas.

Assim, muitos outros também me questionam, porque passei a vida toda colecionando a obra do Chico Buarque (discos, livros, songbooks, DVDs) e hoje sou crítico. Bem, ao longo a vida a gente aprende muitas coisas. Uma delas é apartar o artista (e sua obra) da pessoa. Dizem que Chico Buarque vai lançar um novo disco em 2017. E dizem, até, que há uma música escrita para o Lula. Sempre esperei muito por seus discos chegarem às lojas. Hoje, nem tanto. Talvez, eu compre para continuar a coleção, mas não será com o mesmo entusiasmo quando comprei o LP "Chico Buarque 1978", ali nos meus 16 anos. Não será mesmo!

E para finalizar essa conversa, cheia de retrospectos, lembro da entrevista célebre do escritor Millôr Fernandes ao programa Roda Viva, da tv Cultura. Uma das perguntas, que veio de telespectadores, se referia da sua suposta briga com Chico Buarque. Millôr não quis polemizar, mas afirmou que não havia brigado, e alfinetou: "os defeitos de Chico Buarque se juntaram comigo. Defeitos que não tenho". E concluiu numa frase imortal: "Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal".

(Você pode dizer que esta crônica é a desconstrução de um mito. É sim. No entanto, a pior das torturas, carregadas de censuras, não estão nos tempos da repressão, onde vinha com o carimbo "vetada", do censor que tinha rosto. A pior são as censuras em tempos de democracia, porque elas vêm da forma mais rasteira e velada.)

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Junho de 2017

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Noutras palavras sou muito romântico

Nota: Assuntos recentes e nos noticiários me chamam atenção. Eu escrevo quando algo me incomoda. A dor me incomoda; o amor também me incomoda. Era pra ir pra página do meu Facebook, mas veio pra cá primeiro. Com linguagem de rede social. Sorry



Já havia escrito por aí, mas voltei ao assunto. Há uma santíssima trindade "imexível", irretocável e imaculada no Brasil: Caetano-Chico-Gil (CCG). E com muito espaço ainda pra Roberto, o rei; Pelé, o rei; Xuxa, a rainha; Senna, o mito. O que não falta à nossa gente bronzeada são reinados, coroas, majestades, eunucos e santos pra adorar. Bobos da corte também têm...

Você, meu ouvinte e minha ouvinta, já leu alguma biografia desses "monstros" da nossa e de outras épocas? Claro que não, talvez isso explique a idolatria de tanta gente por esses seres inimagináveis e de almas bondosas. Até o cocô que fazem deve ser linnnnndo!
Pelé, por exemplo, é 42,3% craque; 7,3% está na cabeça dos românticos da bola; e 50,4% puro Marketing. Seu filho não deu certo no futebol. Pelé odiou sua escolha, porque o filho (goleiro ruim e foi pego com drogas) quase tingiu seu marketing de herói dos gramados. Espertamente, também não quis jogar a Copa de 74, porque já temia o fracasso. Aposentou-se no auge e vive das glórias e vil metais do seu passado. Por essas e outras que nenhum brasileiro, por não conhecer melhor Edson, nunca admitirá Maradona, por exemplo.
Geraldo Vandré escolheu viver no ostracismo, desde meados dos anos de 1970. Toda vez que lhe pergunta sobre torturas durante o regime militar, ele nega que tenha sofrido. Os mais sábios da sua vida do que ele (patrulheiros) dizem que ele não diz coisa com coisa... Simplesmente porque ele nega o que todos gostariam que fosse verdade. Hummm. Quem poderá dizer melhor que ele sobre sua vida? Talvez um biógrafo. Não aqueles que teimam afirmar que “fizeram uma lavagem cerebral”, ficando com essa verdade. E eu tenho que ouvir isso.
João Gilberto (82), cantor, mora num apartamento alugado no Leblon. Segundo o porteiro do seu prédio, ele quase nunca desce pra nada (vive lendo, tocando e a única TV que tem é ainda PeB). Quando aparece, ele não usa o hall social do prédio, circulando sempre pela garagem. Ele endoidou? Não! Só quer privacidade e, assim como Vandré, cansou de ser reconhecido na rua.
De Roberto Carlos já li muita coisa, mas tem outras tantas que seu público quer saber. Mas ele quer controlar tudo a sua volta, até as cores das roupas dos outros.
Casamentos conturbados, mulheres, porres, festas em iates, envolvimentos com governos e a máfia... Pelo rastro biográfico de Marilyn Monroe encontrará também o de Sinatra. De como seus amigos mafiosos abusaram sexualmente, fizeram festinha com a bêbada e doente Marilyn Monroe em Cal-Neva, uma semana antes da sua morte. E como o procurador geral da República, Bob Kennedy, fugiu de Los Angeles num helicóptero, na madrugada antes da polícia chegar à casa de Marilyn Monroe. Sinatra estava nesse meio. A vida pessoal manchou a vida artística do "the voice" Frank Sinatra? Não! Ele continua tocando na vitrola de muita gente, inclusive na minha. Para o seu público, o tornou mais humano, talvez. Sua biografia é fácil de encontrar.
No limiar dos anos de 1970, o maior cantor do Brasil era Simonal. Ele sofreu muito com patrulhamento ideológico e boatos que acabaram com sua carreira artística. Toda tristeza que o levou ao alcoolismo e morte prematura. Quem quis provar que ele era inocente e não um dedo-duro? Fizeram um filme recente pra tentar contar esse lado. A tal "comissão de verdade" nunca irá se interessar pelo seu caso. Morreu sem provar que era apenas um negão marrento e de muito sucesso. Os vídeos estão aí no Youtube.
Certa vez, num almoço, ouvi de um velho padre, ser ele a favor da pregação de um Cristo mais humano e menos santo. Eu concordei, mas os cristãos, os fiéis gostam da historia romantizada, idolatrada, santificada, milagreira. Sem negar, é claro, que seja o filho de Deus. Mas como ver só o santo num homem que endoidou no templo?
Mas voltando às biografias censuradas, o único a chamar a coisa pelo nome de "censura" é Alceu "Anunciação" Valença. Deu um pito e esporrou todo mundo. Está no seu mural do Facebook.
Viva a democracia e as biografias; e abaixo os Black Blocs (contrapondo o que prega Caetano). E tudo só porque eu também acredito que é "proibido proibir". Lembra-se disso, velho baiano?
Another words, I'm so much romantic.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Outubro de 2013.