Eu ainda subia em árvores quando estreou nos cinemas o filme “Horizonte
Perdido” (muitos anos já se passaram), e, como muitos outros, só fui ver tempos depois, quando adquiri grandeza, entendimento e gosto apurado. O filme
é homônimo do livro de 1933, do britânico James Hilton. Acabei de ler o livro,
mas o filme já havia me trazido antes perguntas (algumas sem respostas); tudo que me levou numa viagem enigmática a um lugar distante e perdido nas montanhas, ao tempero de belas
canções de Burt Bacharach. Lua azul (Karakal).
(O livro tem uma narrativa mais detalhada e um final diferente do filme. As minhas questões, porém, são as que o filme me deixou.)
(O livro tem uma narrativa mais detalhada e um final diferente do filme. As minhas questões, porém, são as que o filme me deixou.)
Três
anos atrás, quando vasculhava uns filmes completos no YouTube (esses de domínio público), deparei com o Horizonte Perdido. Vi as primeiras cenas, sem saber do que se tratava, e de cara já gostei da música. Baixei o filme, com uma qualidade
ruim, diga-se de passagem, mas assisti atento e emocionado com sua mensagem sutil; depois
a contribuição das belezas de Olivia Hussey (Romeu e Julieta) e Liv Ullmann. Há algo surpreendente. E uma
pergunta incomoda ao espectador: foi sonho ou realidade?
Depois
da queda do avião, um grupo de cinco pessoas (no livro são quatro) fica perdido nas montanhas nevadas
do Himalaia. Ali, longe da civilização, Conway e seus companheiros estão entregues à sorte. Mas, antes que pudesse bater o desespero, são surpreendidos por uma expedição que passava (ocasionalmente?) por ali. Depois de lhes darem alento, aqueles andarilhos oferecem agasalhos e sapatos adequados para a neve. Mais do que isso, aquele guia, num gesto acolhedor, também lhes oferece abrigo num mosteiro, muito além
das montanhas. (Eles não sabiam o que encontrariam.)
Horas e horas de longas caminhadas e vento forte, eles chegam. Ao avistarem aquela paisagem de floresta muito verde e construções como uma vila medieval — ao avesso de tudo do outro lado da montanha —, percebem que estão num lugar paradisíaco, onde a água cristalina jorra das colinas, o clima é ameno e a vida é lenta como será longa.
Horas e horas de longas caminhadas e vento forte, eles chegam. Ao avistarem aquela paisagem de floresta muito verde e construções como uma vila medieval — ao avesso de tudo do outro lado da montanha —, percebem que estão num lugar paradisíaco, onde a água cristalina jorra das colinas, o clima é ameno e a vida é lenta como será longa.
Shangri-la
era um paraíso, de fato. Naquele mosteiro, num canto esquecido do planeta, iriam perceber uma comunidade apaziguada sem tristeza, roubos, mentiras, perseguições, corrupção, fortunas
e muito menos comunicação com a velha civilização — como depois descreveu o monge Tchang. Seria possível aquela vida isolada de tudo?
Mas eu enxerguei mais do que isso no filme. Aquela descrição de paraíso, incrustado no meio das colinas nevadas, remeteu à um vácuo, um fio atando a vida terrena à morte — um universo paralelo. Aquele instante que a vida se esfacela, com o desvendar do outro lado (da montanha) e a opção de viver o eterno ou o risco de voltar e morrer (definitivamente) nas avalanches das cordilheiras e de outras doenças. Shangri-la parece um caminho sem volta.
Mas eu enxerguei mais do que isso no filme. Aquela descrição de paraíso, incrustado no meio das colinas nevadas, remeteu à um vácuo, um fio atando a vida terrena à morte — um universo paralelo. Aquele instante que a vida se esfacela, com o desvendar do outro lado (da montanha) e a opção de viver o eterno ou o risco de voltar e morrer (definitivamente) nas avalanches das cordilheiras e de outras doenças. Shangri-la parece um caminho sem volta.
Richard
Conway (Peter Finch), como os demais, ia percebendo aos poucos como Shangri-la era agora sua última fronteira. A dúvida que atormenta, do desejo de voltar à civilização, só revela a vida viciada de mentiras, violência e de abandono que não conseguimos nos libertar. (Para onde vamos não há volta.) Parece que não fomos programados e não suportamos uma vida em paz, sem desejos, exuberância e o poder do dinheiro. Aquela vida sem desafios, guerras diárias num tempo que não passa de Shangri-la, anunciava uma tediosa jornada. Cadê as notícias ruins?
Assim penso que seja o outro lado da vida (da montanha) — parece o que se propõe o romance. Quando atravessamos, não olhamos para frente e diante de quem estamos, mas olhamos para trás e tudo que deixamos na vida interrompida; achando que podíamos ter vivido mais, ter tido mais, ter viajado mais, sonhado mais. A angústia da não aceitação, que não se tem mais aquele corpo, do outro lado, mesmo sabendo que lá o tempo não passa e não precisamos juntar riquezas como forma de sobreviver. Demoramos a entender que a alma se alimenta de outras coisas.
Assim penso que seja o outro lado da vida (da montanha) — parece o que se propõe o romance. Quando atravessamos, não olhamos para frente e diante de quem estamos, mas olhamos para trás e tudo que deixamos na vida interrompida; achando que podíamos ter vivido mais, ter tido mais, ter viajado mais, sonhado mais. A angústia da não aceitação, que não se tem mais aquele corpo, do outro lado, mesmo sabendo que lá o tempo não passa e não precisamos juntar riquezas como forma de sobreviver. Demoramos a entender que a alma se alimenta de outras coisas.
Já caminhando para o final, Conway é pressionado por seu irmão (ele se apaixonou pela "jovem" Maria) a deixar Shangri-la. Entre a cruz e a espada, ele decide, por fim, partir, deixando aquele sonho que nunca imaginou ser tão real; e depois esquecer sua paixão por Catherine, a professora que conheceu em Shangri-la. Ele estava mesmo decidido a voltar à realidade da civilização, talvez porque duvidava que tudo o que vivia ali era mesmo verdade. Ao vê-lo partir, o velho Tchang, num ar de passividade e confiança, diz assertivo: "ele vai voltar".
Na caminhada, a neve, o vento varrendo e a avalanche vêm com crueldade, e aquele pequeno grupo se vê em risco. A perder toda pureza do ar e de todas as maravilhas de Shangri-la, Maria envelhece no caminho e morre de fraqueza. Ao vê-la morrer, seu irmão se joga num desfiladeiro e Conway, dias depois, é resgatado, despertando numa cama de um hospital de campanha. Ele teve alucinações falando de um lugar chamado Shangri-la, disse o médico.
A morte talvez seja mesmo essa passagem, como acreditam algumas pessoas. Uma travessia desse para o outro lado da montanha, como um mundo em paralelo no meio, onde o tempo não passa e a volta é quase impossível. Mas a pergunta que fica sobre o final, quando Conway desperta do seu coma: foi realidade ou sonho? Não tem como saber o que se passou. Conway, então, foge do hospital e sobe as montanhas de neve novamente tentando encontrar o caminho que o leve à Shangri-la, onde está a vida que ele agora quer viver, eterna e com a mulher que amou.
Depois desse "the end", fiquei entalado me perguntando sobre aquele desfecho e até onde nossos sonhos podem nos levar. Toda vez que ouço notícia que um avião desapareceu na sua rota, penso que foi resgatado a um horizonte perdido; num mundo paralelo, onde a vida é calma e sob uma lua azul. Não houve morte, mas resgate. Uma verdadeira Shangri-la, onde o que menos importa é o tempo passar.
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Julho de 2016