Astrud Gilberto e Tom Jobim
Os meninos e meninas de hoje não sabem, mas o artista da música brasileira mais consagrado e respeitado no cenário internacional não é Ivete Sangalo. Bem, devo ter frustrado alguns leitores e outros deixarão de ler até o final. Lamento, mas ainda é — e continuará sendo por muito tempo — Antonio Carlos Jobim, ou simplesmente Tom Jobim. Seu prestígio no cenário musical rompeu fronteiras e não há lugar no mundo onde não se conheça uma de suas composições. Poderia falar muito dele, passar horas escrevendo sobre suas obras e passagens da sua vida que conheço, mas tentarei ser preciso nas boas lembranças que deixou.
Há um episódio que vivi num aniversário de um menino de 10 anos — presumo a idade — quando veio sua mãe toda entusiasmada me dizer que o garoto sabia cantar muitas canções da moda (estas que tocam no rádio); depois dele ter cantado algumas, eu perguntei se sabia cantar algo de Tom Jobim, ele me disse que não conhecia, nem sabia quem era. Quando cantarolei um trecho de “Garota de Ipanema”, ele me disse sorrindo: “conheço, esta eu conheço”.
Tom faleceu em dezembro de 1994 aos 67 anos, poderia ter ficado mais um pouquinho por aqui, feito mais músicas e gravado outros discos, mas sua lira fechou a partitura sobre o piano e partiu. Ele ainda nos deixou um acervo de músicas belíssimas que já ficaram para a eternidade. Junto com seu principal parceiro Vinícius de Moraes, Tom compôs suas melhores obras e talvez as mais conhecidas do grande público. Cito duas: “Chega de Saudade” — 1958 — foi o marco do início da Bossa Nova quando João Gilberto inventou ao violão a tal batida “bossa nova”, a primeira gravação foi na voz de Elizeth Cardoso no disco “Canção do amor demais”; depois veio “Garota de Ipanema” — 1962, esta canção o tornou de fato conhecido internacionalmente, com gravações em vários idiomas. Tal qual o menino citado acima, quem nunca ouviu esta canção, mesmo desconhecendo seus autores?
Na sua trajetória nos EUA, quando tentaram associar a Bossa Nova ao jazz, a cantora baiana Astrud Gilberto gravou quase tudo de Tom em inglês. Naquele início da década de sessenta, uma de suas canções foi parar também nas paradas britânicas, era “Desafinado” parceria com Newton Mendonça. Pude comprovar isso quando assistia um dos filmes da Antologia do Beatles, uma das cenas mostra a música “Love me do” chegando às paradas em 17º lugar e logo acima — em 11º lugar — aparece “Desafinado”. Até congelei a imagem para me certificar, era verdade. Em meados de 1964, no auge dos seus 24 anos, Astrud Gilberto, naquela época casada com João Gilberto, colocou “ The Girl from in Ipanema” em 5º lugar na Billboard — a parada da música americana: “Tall and tanned and young and lovely / the girl from Ipanema goes walking / and when she passes / he smiles / but she doesn't see / no she doesn't see /she just doesn't see...”. Ao mesmo tempo, seu álbum gravado com o saxofonista Stan Getz era o álbum de jazz mais vendido nos EUA. Astrud caiu no gosto americano com a aquela voz suave e seu rostinho hollywoodiano bem ao estilo Audrey Hepburn. Depois do fim do casamento, sua carreira seguiu por lá gravando outros discos em inglês e de puríssima Bossa Nova e Tom Jobim.
Uma das passagens da carreira de Tom que merece registrar é o encontro com Frank Sinatra. Em 1967 ele recebeu um telefonema de Frank Sinatra dizendo que queria gravar algumas de suas canções. O disco “Albert Francis Sinatra & Antonio Carlos Jobim” foi gravando naquele ano. O curioso é que este disco só perdeu em vendas nos EUA para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles. Hoje só consegui encontrar pelo site de vendas Amazon.com. É triste ter que imaginar que no Brasil não se encontre um disco como este: uma preciosidade. Depois da gravação, Sinatra e Tom se tornaram amigos, e naquele mesmo ano Sinatra o convidou para participar de um especial que estava gravando para a rede de televisão NBC. Aquele encontro foi memorável. A organização não deixou que Tom tocasse piano (seu instrumento preferido), pois achava que músico latino só tocava violão, mesmo assim Tom não hesitou e empunhou seu violão para acompanhar Sinatra, inclusive num dueto em “Garota de Ipanema”. Antes, Tom já havia se apresentando nos EUA no Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova York em 1962. O sucesso internacional não parou por aí, a cantora americana Ella Fitzgerald gravou suas músicas; o parceiro de Paul Simon, Art Garfunkel também gravou “Corcovado” e “Águas de março”.
Depois de sua morte lhe quiseram render muitas homenagens, como uma forma de não deixá-lo cair no esquecimento, mas a melhor homenagem seria se as rádios tocassem Tom Jobim diariamente. Hoje Tom virou nome do aeroporto internacional do Rio, antes Galeão. Um dia ouvi de um amigo coronel da aeronáutica que o aeroporto merecia o nome de um oficial da aeronáutica e não de Tom Jobim. Calei-me , mas fiquei pensando se algum desses oficiais já havia feito uma canção para o Rio como “Samba do Avião”- 1962: “Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro / Estou morrendo de Saudade...”. Acertou quem deu o nome: Aeroporto internacional Tom Jobim. Tom merecia esta e muitas outras homenagens. Reconhecedor, bem que o carioca tentou outra homenagem ao mudar o nome da Av. Vieira Souto para Av. Antonio Carlos Jobim, assim seria encontrada pela Rua Vinicius de Moraes no bairro de Ipanema — onde tudo começou. Eu estava no Rio à época quando o caso virou polêmica. A família Vieira Souto questionou na justiça e a Prefeitura teve de recuar, retirar a placa e voltar a Vieira Souto ao seu lugar. A cidade de São Paulo não soube homenageá-lo, colocou seu nome em um túnel. Quanta insensatez — fazendo alusão a uma de suas músicas —, Tom era contemplador e defensor da natureza, conhecedor do canto dos pássaros e não havia nada de concreto armado na sua alma. Mas pior foi na minha cidade quando soube que um loteamento popular virou “conjunto habitacional Tom Jobim”. Tenho certeza que quem deu este nome só conheceu sua carreira até a faculdade de arquitetura e urbanismo.
Chico Buarque tinha por ele mais que admiração e isso foi antes mesmo da primeira parceria em “Retrato em Branco e Preto” — 1967. Eles foram compadres, parceiros musicais e amigos de muitos drinks. Nesta época, Chico ainda deu uma contribuição na construção de “Wave”, é dele o primeiro verso: “Vou te contar...”; depois Tom fez o resto: “os olhos já não podem ver...” No ano seguinte, Tom & Chico selaram de vez a parceria ao concorrer e ganhar o III Festival Internacional da Canção – FIC com a belíssima “Sabiá”. Antes de morrer ou partir, Tom foi bem homenageado, aí sim, por Chico Buarque em uma de suas canções. Chico havia acabado de compor “Paratodos” – 1993. Num dos versos dedicados a ele, diz: “Meu maestro soberano foi Antonio Brasileiro / Foi Antonio Brasileiro que soprou esta toada / Que cobri de redondilhas...”. Chico chamou Tom para ouvir, mas ele já estava cansado e já sem paciência de tanta música na sua cabeça que pouco lhe deu atenção, revelou Chico.
Promessa cumprida. As reverências a Tom Jobim que faço nesta modesta crônica, esmiúçam em partes o carinho e outras em forma de agradecimento: obrigado ao maestro soberano. Agora, chega de saudade.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / agosto de 2010.
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