BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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sábado, 4 de abril de 2015

Onde a felicidade começa



Graças ao meu irmão, estou vendo de novo a série "Columbo", com o excelente Peter Falk. Grande sucesso na TV americana a partir do final dos anos 1960. Columbo é um detetive desengonçado e divertidíssimo. Nem Agatha Christie pensaria as formas mirabolantes como ele desvenda os crimes. O que chama atenção em Columbo é seu jeito de parecer que está só batendo papo, enquanto trabalha, investiga. Despretensioso, irônico, astuto, só esperando o momento certo para o bote; uma serpente prestes abocanhar sua presa a qualquer momento. Quando o suspeito sente o fungar em seu cangote, ele dispara: "eu estou só juntando as pontas, é do meu trabalho". Desvendar crimes é juntar pontas de uma historia mal contada; montar um quebra-cabeça. Ele faz isso com perfeição.

Mas o meu assunto aqui é outro. Sempre quando vem à tona a questão da felicidade, fico tentando juntar as pontas soltas também. Já escrevi em outras crônicas, mas vira e mexe volta com uma interrogação enorme, de pontas desconexas de fios desencapados. Por que tanta dedicação ao assunto? Por que tanta gente atrás da felicidade? E depois essa coisa óbvia, que ela está dentro de nós (clichê de livro de autoajuda). Isso, por si só, não justifica ou explica a felicidade, ou a sua ausência. Onde ela começa?

Deparei com uma postagem do Professor Olavo de Carvalho no Facebook, onde ele enaltece o porquê do povo americano ser o que é. (Ele mora lá há 10 anos). Sem tirar nem pôr: tem altivez, anda de cabeça erguida, tem compaixão, e felicidade fácil... Eu compreendo, eles não veem a vida sob o olhar malicioso, desconfiado, tão costumeiro a nós brasileiros. Eles levam a sério a vida, por que há seriedade no seu dia a dia; assim a felicidade fica parecendo ser uma coisa normal e corriqueira.  Olavo ainda concluiu: quando eles veem em você o mínimo de coisa, que não seriam capazes de executar, dizem: "I am so proud of you".

A felicidade é um estado de ser, está no íntimo. Não há dúvida. Mas as suas causas são, sim, exteriorizadas. O que nos põe em contato com ela é o ambiente, ou poderia dizer, o que conspira e reina em torno à vida. Depois de ler "Foi nos EUA que pela primeira vez aprendi que a felicidade é normal", interpretei:
A felicidade não está no outro. Ela surge no acaso da vida, cotidianamente. Quando tudo que nos cerca é bom, liberto, verdadeiro, acolhedor, seguro e confiável. Não está entre quatro paredes, mas numa dimensão de nação. Numa atmosfera de prazer e esplendor. Vivemos num país onde as pessoas vivem buscando felicidade o tempo todo (?). O brasileiro tem síndrome da felicidade ausente, e por isso vive convergido no "vou ser feliz quando...". Esse "quando" nunca chega. Porque, o simples fato de ser normal, faz parecer tão distante, inatingível pelo próprio esforço. Isso (estado de bem-estar) tem a ver com esse mundo de fronteiras que nos cria e suas leis que nos governam. A política, a lealdade, a compaixão; depois o acesso ao trabalho, ao emprego, ao lazer, à moradia, à educação, à cultura; tudo junto e com respeito mútuo e cidadão. Longe ela está, mesmo, do mero encontro com o ser amado. A felicidade está na justiça.
Alguns leitores entenderam e outros não. Eu diria que, a maioria leu só a primeira linha, o óbvio ululante. É uma coisa nossa, brasileira, porque, de fato, temos pouco contato diário com o bem-estar coletivo. Ele se cria no mesmo instante que se desmancha. Há ainda o conceito, na forma egoísta, que felicidade só basta estar com alguém que gostamos numa cabana e acabou. Dane-se se o mundo está ou não em guerra, ou se há contas para pagar. Desde que eu esteja aconchegado, com o amor da vida, pode o mundo acabar.

Não é bem isso. A explicação está no comportamento, especialmente, de nós brasileiros: sempre carente clamando pela felicidade ausente, como um objeto de desejo. Então, pense comigo: o povo brasileiro é apaixonado por futebol e carnaval. Tudo que o faz viver momentos de felicidade instantânea como insights, quando somente assiste, sem participar (deleitar), porque a vida depois é dura, difícil e injusta. Por isso o carnaval, o futebol e outras diversões coletivas ganham proporções maiores que o simples lazer. Tomando o espaço que seria da convivência familiar: na rua, no trabalho, na escola, na vida, no encontro diário. O dia seguinte é uma ressaca moral de injustiça, dureza, dificuldades, falta de dinheiro e falta de perceptivas. A síndrome da quarta-feira de cinzas.

A felicidade deveria ser cotidiana e normal. Agora, quem é que sente isso morando num país inseguro, injusto, cercado por desigualdades, malandragem, corrupção e desgoverno? E tudo que, direta ou indiretamente, nos fere na alma, na honra. Essa atmosfera que nos faz sentir bem com tudo; essa atmosfera que nos coloca em contato com o self e o Criador; onde todos se somam, independente do seu poder aquisitivo e nível social; uma atmosfera de pessoas inteiras e verdadeiras. Onde está?

Poderia me fechar nesse egoísmo e dizer: se está bem para mim, que se dane o resto. Ao contrário, penso: se estiver bem para todo mundo eu também serei atingido pelo mesmo sentimento. Não dá para ser feliz sozinho (já disse o poeta), porque a felicidade não se sustentará por muito tempo entre quatro paredes. A felicidade não se sustenta, quando aguardamos um filho chegar tarde da noite da faculdade ou de uma balada. Aperto no peito, aflição, insegurança: isso não é felicidade. O bem-estar cotidiano deveria ser contagiante e duradouro. Isto é, felicidade sem medo.

Não quero pregar aqui essa coisa de mundo melhor com igualdade, de catequese socialista. (Pregam o que não vivem). Nenhum ser humano é igual ao outro. Se todos forem chefes, quem serão os empregados? É preciso que todos se sintam felizes dentro de suas posses e condições. Se há o empreendedor, deverá haver quem o ajude a empreender. Não existe empregado sem patrão, como querem. Para isso há que se ter justiça reinando em tudo que se faça. Não ostentar posses e coisas, mas o bem-estar. Com respeito e admiração e não com inveja.

Quem é que não fica feliz ao ver a justiça acontecendo? Só não fica quem anda à margem da lei, na criminalidade, na contravenção do mundo. Porque a maioria das pessoas (que trabalha, paga impostos e se sustenta) pensa como eu. Eu não quero ser feliz sozinho, mesmo porque não teria com quem partilhar.

Poderia citar mil coisas aqui que nos faz feliz e não depende só de nós, mas de quem cuida da nossa vida, por governo. Então, fui ler a etimologia da palavra "governo", encontrei: "Do L. GUBERNATOR, 'diretor, líder, governador', originalmente 'timoneiro', do Grego KYBERNAN, 'pilotar ou ir ao leme de um navio, dirigir', palavra que originou nossa 'cibernética'”. Enquanto tocamos nossa vida cotidianamente, alguém dirige o leme da embarcação que é a cidade, o país, a nação, enfim, o governo. Quando ele é um bom timoneiro, nos sentimos seguros dentro da embarcação; não nos preocupamos com icebergs e maremotos. Confiamos que estamos sendo bem guiados. Isso nos dá segurança de viver; isso nos dá conforto; isso nos dá prazer; isso nos traz também felicidade.

Lá do outro lado do mundo ou aqui mais próximo, não dá para ser feliz vendo injustiça e miséria.

Olhando para o país nesse exato momento, vejo o brasileiro, forçadamente (não espontâneo), começando a tomar sentido de si. Depois de perceber os alicerces da nossa democracia sendo abalados por um governo para lá de corrupto; depois de não enxergar um país justo para suas gerações futuras, começou a reagir.

O primeiro estágio é do reconhecimento, que muita coisa vai mal, e é preciso se mexer. Reconhecer que Lula, por exemplo, não passa de um farsante, um vigarista abjeto. Agora, só isso também não basta; ou dizer "ladrão!", da boca para fora nas redes sociais, e no íntimo ainda continuar cultivando a inveja da sua malandragem. Lembrando que, até pouco tempo, Eike Batista tinha milhares de seguidores da sua fortuna, por inspiração e por inveja.

No íntimo, o brasileiro ainda gosta e inveja a malandragem alheia; aquele sujeito que se deu bem, não importa os meios — lei de Gerson. Se tivesse a oportunidade, e poder, faria o mesmo. É preciso agora — estamos caminhando para isso —, com o reconhecimento, mudar essa mentalidade. Mudar o sentido do leme, a forma de pensar a vida; olhar para o mar revolto tomando à frente e pôr o país de volta no rumo, navegando em águas calmas, sob ética e moral. Felicidade é possível, sim, na sua amplitude e com justiça.

Por enquanto, como sempre age o personagem de Peter Falk, estamos ainda juntando as pontas de nossa identidade perdida, para se encontrar de novo, quiçá, num país mais civilizado e melhor. Eu queria mesmo é que todas as pontas já tivessem juntadas e muito bem atadas, mas isso irá demorar...

Por fim, pegando pelo avesso dessa conversa, existe um porquê da pescaria marítima em Cuba ser proibida pelo governo. Você pode perguntar: eles não gostam de peixe de mar ou pensam na preservação de alguma espécie? Não, nada disso. Simplesmente, porque embarcações mar adentro são um convite à fuga fácil da ilha/prisão. E isso é um caminho sem volta no mar: o anseio esperançoso de um povo triste e oprimido ao encontro de terras onde há liberdade e, quem sabe, um derrame de felicidade.

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Abril de 2015.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Ter razão ou ser feliz?

É melhor que tenha razão em sua vida. Não no sentido ditame de opressão e imposição da palavra sobre a outra. Mas na forma que se descreve na sua raiz: a faculdade de compreender as relações das coisas e de distinguir o verdadeiro do falso, o bem do mal; a faculdade de raciocinar, de apaziguar, de estabelecer razões lógicas; justiça, retidão, juízo, bom senso, equidade... É mais do que isso, mas paro por aqui.

Ter razão é mais importante que os sentimentos vorazes e submersos. Podemos ter razão pelas estações e a florescer a vida toda, mas com a felicidade não temos a mesma garantia.

Razão é temperança, gentileza, amadurecimento, conhecimento; a felicidade é temporal, é do self, a forma que espírito se manifesta quando se reluz pelo feixe da... razão. Apagará com as noites sombrias, com as tempestades, a menor fagulha de dor, e com as pedras do caminho.

A razão é mister porque nela toda casa se edifica; e com a felicidade se apetrecha e se enfeita seus cantos. A razão nos põe no eixo, no equilíbrio e traz a paciência de viver dia após dia. A felicidade se aproveita disso, da sua existência para acontecer.

Ter razão, torna a vida mais esperançosa e feliz. Este é o aprendizado. Se tiver que haver uma ordem, que a razão venha a frente, abrindo os caminhos do entendimento, da compreensão; e que o coração seja a porta de entrada para ambas.

Deus me livre de ser feliz sem razão nenhuma. Quando desse torpor despertar, sentirei frio, fome, sede e amargura; e tudo sem onde me agarrar. Cadê a minha razão?  


© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Novembro de 2013.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Só vou ser feliz o dia que...



Meu filósofo favorito diria "fuja dos chatos, daqueles que vivem buscando a felicidade". Eles são melancólicos, tristes e podem pisar (sem querer) em você. Toda busca vociferada e alarmada é uma mentira delirante (todos nós somos bons em mentira); uma ladainha de desculpas para a vida e de não vivê-la; de verdade, ele nunca tem vida; tem só intenção e ânsia.

Engana-se vivendo, ou dizendo que vive sua busca incessante, que nunca chegará; a verdade única é que toda ela [vida] por ele passará, e sem piedade. Justificará tudo, pela ausência daquilo que acredita não ter; mas como um merecimento de prêmio, um diploma de graduação que receberá no final. Não existe vida no pressuposto, no imaginário, no futuro, no condicional e no final. Ou essa coisa tola de pensar positivamente e ficar na estação esperando, esperando... "Só vou ser feliz o dia que..." é um trem que não chega e dá preguiça de esperar.

Só digo uma coisa, não peça nada na forma mais infantil como se deseja um brinquedo novo; de querer as coisas que pode tocar com as mãos; não procure nada que seja coisa. Você terá pouco tempo para maravilhar-se e brincar com ela. Todo brinquedo depois de explorado perde o prazer e o sentido em si (já disse meu irmão). Depois é abandonado na caixa. A confusão se estabelece quando se confunde tudo com prazer e gozo.

Quem corre atrás do outro, procurando o que já tem em si, viverá sempre uma jornada agonizante e em vão. Àquele que, na sua solitária vida, reclama da ausência daquilo que já possuí de graça, seria melhor se provocasse suas revoluções internas, e começar a promover a justiça ao seu redor. Tudo que vivemos é tão próximo e por que queremos o longe?

Toda vida em si é melancólica, triste, labutada, difícil e também feliz; tudo nela é transitório e se desmancha no ar. Não existe a noite do amor eterno, porque sempre haverá um amanhecer para findar. É sempre um começar de novo; voltar algumas casas e reiniciar o jogo da vida.

Quem diz "só vou ser feliz o dia que...", a garantia que esse dia nunca chegue é imensa. Penso, por fim, que deveria ser abolida tal verbete dos dicionários de sinônimos e dos livros de auto-ajuda. Quem sabe, então, teríamos mais momentos e instantes altivos de vida vivida; veríamos mais noite de estrelas no céu e com os dias mais radiantes.

Tudo sem compreensão do nada, simplesmente porque não cabe explicação.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Novembro de 2013.

domingo, 26 de setembro de 2010

Encontrei a felicidade

O cristianismo prega que encontraremos a felicidade plena no Reino de Deus. E onde está o Reino dos Deus? Fui lá conferir: O Reino de Deus não virá de modo ostensivo. Nem dirá: Ei-lo aqui; ou Ei-lo ali; Pois o Reino de Deus está dentro de vós. (Lc 17, 20-30). Aqueles fariseus não entenderam nada e muitos de nós (cristãos) ainda continuamos a não entender patavina do que disse o Cristo. Depois dessa inferência secular, poderia parar de escrever por aqui. Perdeu a graça em dizer que encontrei a receita da felicidade e ela está no livro dos livros; ou para outras crenças: nas alquimias, nos chás, na bula do prozac, no horóscopo, num pergaminho escondido no críptex, ou num baú secreto cuja chave foi lançada ao mar. Nada! Não há chave, não há baú, nem segredo. Há sim, nossas vidas e o modo de como queremos que ela prossiga daqui em diante, com ou sem amor. Continuemos a olhar para fora, ou vamos ao encontro da nossa espiritualidade?

A busca do externo, do exibicionismo, do materialismo, do consumismo, da satisfação nas coisas que o mundo oferece, faz muitos de nós sentirmos este vazio interior. O que falta para sermos felizes plenamente, se já provamos de tudo? Partindo desse engodo, já numa forma de desespero, acreditamos então que só seremos felizes quando alguém nos trouxer a felicidade a nossa porta. Como se tudo fosse uma mercadoria a delivery. Esta é nossa última cartada. Exigimos e aguardamos. Traga-nos uma porção. Não! Queremos uma quantidade farta que é para durar a vida toda. Ok?!

Pode ser que eu não esteja falando com você, mas isso é o que a maioria das pessoas busca. Anseiam nas suas relações interpessoais, que a outra pessoa a faça feliz. Esperam do outro e nada fazem por si, e para si. Faz parte do requinte que a pessoa escolhida, além de todos os outros atributos (ser príncipe ou princesa), traga ainda a felicidade no seu caminhão de mudanças. Depois do beijo no altar eles irão agora requerer seus direitos num casamento: a felicidade do outro. E se houver falhas nas suas atribuições um irá cobrar o outro e tudo caminhará para um divórcio bem rápido; e somente mais tarde, depois de algumas visitas ao analista, irão perceber que não há dívida de felicidade com ninguém. Querer sugar a felicidade alheia, é exigir além das fronteiras das relações humanas, mas muitas pessoas pensam, vivem e agem assim.

“É impossível ser feliz sozinho”, na música de Tom Jobim este é o verso mais comentado e propagado por aí. Tem outro de Vinícius de Moraes também: “mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão”. A música, a poesia tem a licença para dizer o que vier e tudo fica permitido, mesmo que seja uma receita que não se aplica na vida real. Assim, quem quiser acreditar nessas frases poderá concluir que a solidão é sinônimo de infelicidade. Entretanto, a solidão quando sofrida — e não sentida —, poderá trazer a infelicidade sim, mas ela não é determinante. Vou mais fundo.O que de fato é estar sozinho? Estar sozinho é ausência de companhia, de abandono e não falta de felicidade. Vasculhei nos dicionários de sinônimos e não há menção da ausência de felicidade para a palavra solidão. O pior abandono que causamos a nós é o abandono da alma; e uma vez instalado esse vírus, ali começará brotar a infelicidade — a erva daninha. É quando perdemos o foco e a referência, num sinal fatídico de se olhar no espelho e não se ver – nossa alma e tudo esvaecem.

Pode ser lugar comum o que vou dizer, mas não existe a vida totalmente feliz, e aqui, aonde viemos aprender, não existe felicidade plena. Por isso, necessitamos aprender a exercitar e expelir nossas emoções: as boas e as más; mais cedo ou mais tarde iremos precisar desprendê-las quando tivermos que encarar a realidade dos fatos. Não há vida sem luta e para isso há que se ter coragem para viver. O sofrimento, a dor são imputáveis à vida, assim como a felicidade. Não poderemos evitar nunca o sofrimento e a dor, as noites tempestuosas virão, com certeza, mas poderemos ansiar e permitir a felicidade sempre. Isto sim. Quando vivemos algum drama na nossa vida, somos aconselhados a fugir, fazer as malas numa viagem para esquecer. Sem notar que todas as nossas dores vão junto com as malas. Quem sofre com alguma dor, deve viver isso como se vive o amor na sua plenitude. Nunca devemos fugir dos nossos sentimentos.

Para saber até que ponto o dinheiro compra a felicidade, uma pesquisa recente nos EUA, com mais de 450 mil pessoas, constatou que para ser feliz o importante não é ser rico, mas sim não ser pobre. A verdade, é que as dificuldades de acesso aos bens de primeira necessidade desencadeiam fatores de ordem física, psíquica e emocional — trazendo a infelicidade. Respondendo à pesquisa, a grande maioria que está feliz ou vivendo momentos felizes encontrou na religião (qualquer delas) a sua maior causa; já a infelicidade, está mais atrelada à solidão, e esta, com certeza, já numa forma de sofrimento, de abandono da alma.

O ser humano é uma máquina de queixumes. Não bastasse o corpo, que com o tempo dará sinais de cansaço e dores, as pessoas se queixam também das dores da alma — ainda na juventude. Gostaria que essas pessoas que vivem a reclamar da vida, olhassem para dentro dela e enxergassem os tantos motivos que têm para dar felicidade a si. Quiçá, uma visita à ala de pediatria de um hospital de câncer mudasse seu comportamento, com mais resignação. Iriam se queixar menos e amar a vida que tem. O melhor remédio para dor é o amor. Por outro lado, encontraremos poucas pessoas que irão dizer: EU ENCONTREI A FELICIDADE. A felicidade dá medo até de dizer que se tem, ficamos com a sensação que irá fugir a qualquer momento e não encontraremos mais o fio da meada. Dá medo de ser feliz. Ou, por um instante, nos perguntamos: mas isso que é a felicidade? Duvidamos dela. E como numa frase que li: “o medo da felicidade está na raiz de todo pensamento supersticioso: estando bem, nos sentimos ameaçados e nos protegemos batendo na madeira”.

O filme “O Divã” — 2009 traduz bem esta conversa aqui. A personagem vivida por Lilia Cabral é daquelas mulheres mais do que comum: casou, criou filhos, vida modesta e em paz. Durante uma sessão de psicanálise percebe que sua vida falta algo, um sentimento de incompletude a toma conta. Então, ela resolve viver aventuras amorosas e perigosas. Em consequência, rompe o casamento de anos e cai na vida. O fato, é que a terapia a traz para a realidade, e ela se descobre ao olhar para dentro da sua vida — vivida e escolhida. A frase final dita por ela sintetiza tudo: “Se tive problemas um dia, não foi por falta de felicidade. Ah, não foi mesmo”.

Acender um fósforo numa noite fria irá aquecer somente o minúsculo inseto ao redor da chama, e tão logo se apagará; mas acender uma lareira no canto da sala irá aquecer a casa e as pessoas que ali moram. O amor é o fogo duradouro da lareira, que devemos manter aceso para encontrarmos o caminho da felicidade. Os que acendem a fogueira do amor, irão se aquecer ao seu redor e viver mais felizes. Há aquelas pessoas que passaram a vida toda buscando a felicidade sem encontrar, mas na verdade, viveram nela a “não felicidade”: a negação da sua presença em muitos momentos da vida. Essas pessoas amarguradas, birrentas e de mal com o mundo são puramente ocas, incompletas e terminam sozinhas — o tempo já se foi. Quem não quiser chegar ao final de sua jornada assim, ainda há tempo para abrir as portas do coração e deixar forjar o amor na espiritualidade e por fim a felicidade — tudo na mesma fornalha. E quando a vida um dia lhe questionar, poderá dizer: se tive felicidade um dia, foi porque vivi muito o amor.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / setembro de 2010.