BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Natal sem crônica

Este ano não escrevi nenhuma crônica para o Natal; minto, escrevi “As luzes de Natal”, mas nem considero que foi um mergulho, foi um nado no raso... Explicarei adiante. Antes, uma história que fala de formação, de infância pobre e de superação.

Para quem não conhece – já citei algumas vezes aqui - Reinaldo Azevedo é um jornalista político; ele tem um Blog desde 2006, onde comenta especificamente sobre política, embora fale de outros assuntos também. O Blog é atualizado diariamente com seus textos. Chega a escrever um livro por semana. Há quem o odeie; mas há muito mais os que o amam - seus fiéis leitores. De fato, ninguém consegue ser unânime. Nem ele o será. Ainda mais com temas tão polêmicos.

São 120 mil visitas por dia no Blog. Creio que seja um Recorde, se comparado aos outros que tratam de assuntos análogos. Sou um desses, desde 2006. Empresários, políticos (até os que o odeiam), artistas, humoristas, cineastas, anônimos, todos consultam seus textos antes de formar opinião sobre qualquer assunto. Reinaldo já criou jargões, inventou palavras; é irônico, tem picardia, humor, mas por trás de tudo que fala tem esta coisa do compromisso com a verdade, com argumentação dos fatos; não deixa nada sem resposta do que publica. Como ele mesmo deixou claro, pode-se ter opinião contrária do que se diz, só não pode ter opinião sustentada na mentira. Esse é Reinaldo, ou Tio Rei, como gosta de ser chamado.

Outro dia uma pessoa me disse – numa forma de me inquirir - que sou um escravo de suas publicações. Não, eu o leio diariamente para ter lucidez (ou mais) sobre o que penso e que está nos noticiários por aí. Demais leitores do seu Blog fazem o mesmo. Leio também outros cronistas, em especial os que escrevem no jornal Folha de São Paulo: Pondé, Coutinho, Marcelo Coelho, Ruy Castro, Eliane Catanhêde, Danuza, Barbara Gancia e também leio Dora Kramer do “Estadão”. Mas, nenhum desses têm mais retidão, lucidez no que escreve do que Reinaldo Azevedo.

Bem recente, ou para ser preciso dia 24/11/2011, ele postou um texto que emocionou a mim e muitos dos seus leitores. Na última vez que fui conferir já ultrapassava os 1400 comentários.
Ao ser chamado por seus algozes, de reacionário, tucano e principalmente de representante da elite e burguesia, Reinaldo, tomou fôlego e escreveu nessa madrugada um texto comovente. Trouxe para todos a sua origem humilde, de quem foi pobre um dia, mas nunca se deixou vencer por essa fraqueza e estupidez latente de se apoiar na pobreza para se justificar e dizer: sou um herói! Recebendo aplausos, como fazem alguns políticos por aí. Não precisou disso. Estudou, lutou e venceu. Somente isso, ou tudo isso. O texto do “Ferrorama” você pode ler (Clique aqui). Depois que li pensei, como muitos dos seus leitores, nas nossas histórias de vida, que muitas pessoas não imaginam existir. Assim, nos rotulam disso e daquilo.

Voltei ao meu texto do ano passado sobre o Natal.

Este ano não escreverei nada sobre o Natal. Acho que tudo que tinha que dizer sobre as lembranças, sobre minha infância – o Natal tem gosto e cheiro de infância -, sobre os presentes, está na crônica que postei aqui o ano passado: "O presente de Natal". Quiçá, no próximo ano escreverei um conto de Natal, ou contarei uma história sobre o Natal de outras pessoas, mas a minha história está nessa crônica, não tem outra. Quem não leu ainda, convido à leitura (Clique aqui). Confesso, quando escrevi algumas lágrimas desceram. Depois passou. Assim como foi difícil para Reinaldo Azevedo aquele texto (Este será um texto difícil, leitores!), para mim também foi esse. Falar da infância tão longe, mas tão presente ao mesmo tempo em nossas lembranças; falar do presente de Natal que veio numa Kombi que estacionou no portão de casa, só com lágrimas nos olhos.

É chegado o Natal. Famílias cristãs do mundo inteiro se dão as mãos num abraço à manjedoura do Menino que vai nascer; numa corrente de união, oração, fé, esperança, luz, perdão, paz e amor. Podemos viver um Natal sem crônicas, sem histórias e contos; mas não podemos viver um Natal sem esses ingredientes. E as lembranças? Guardo todas, pois nenhum Natal será melhor como os que vivemos sem brinquedos. Eles nos trouxeram a compreensão e os grandes tesouros. De onde viemos tristes, eu sei, mas não morremos por isso; nem por não ter tido um mísero ferrorama.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / dezembro de 2011.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

As luzes de Natal


A esta hora da noite, alguém na janela vizinha instala suas luzes de Natal. A cada noite a vizinhança se ilumina. Mais e mais luzes aparecem. Apaguem a iluminação pública e deixe só as luzes piscantes das fachadas – andaremos por suas trilhas, sem medo. Há uma concorrência, ou uma referência: moro naquele apartamento com luzes azuis e vermelhas na janela, onde há um papai Noel subindo pelo gradil... Virou chamariz. Nesta época do ano, ficamos na torcida para que o dia voe e o sol desapareça logo no horizonte. Quero ver as luzes piscando e os enfeites de Natal das janelas.

A esta hora da noite, a Lagoa Rodrigues de Freitas deve estar clara como o dia. Parece que lá há competição, ou concurso para o melhor enfeite de Natal. Quem pisca mais, ou quem faz mais desenhos em multicores.  O conjunto dos prédios, que circundam a Lagoa, é como uma valsa sem música, num sincronismo de luzes e cores. Realmente é um cenário maravilhoso, com aquelas luzes todas cintilando no reflexo nas águas brandas da lagoa. A árvore de Natal gigante navega sem direção, pra lá e pra cá. Pousada sobre as águas. Um astronauta (ou papai Noel), lá de cima dirá: um disco voador pousou numa região do planeta terra, está piscando.

São somente luzes que vêm pela corrente da eletricidade, enchendo nossos olhos turísticos; vêm neste tempo do amor que perdoa. Depois elas passam e se apagam. A vida prossegue sem elas...

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / dezembro de 2011.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O presente de Natal


Quando decidimos reformar a casa, pedi licença à memória de meu pai — o arquiteto — e me atrevi a arranjar o projeto. Comecei e saiu. Queria ter sido mais que o arquiteto, queria ser o eterno morador da casa que meu pai construiu. Onde vivi os melhores anos da minha vida.

A arquitetura é para viver, isso já foi um conflito, agora é um conceito que carrego comigo, quando ainda sonhava com a carreira. A peleja da forma versus a função. Nossos mestres insistiam nessa polarização, que brigava um mundo belo com o necessário. Sempre pensei e me pus ao lado de que tudo tem um porquê; mesclando função com a estética: a minha arquitetura. Há que ter vida na arte para que não caia na frieza, insossa — capa de revista. Arquitetura tem alma!

Sem saber disso, meu pai foi idealizador e construtor da nossa casa. Ele, contudo, não teve um projeto discutido e aprovado; nem um par de esquadros, um escalímetro e muito menos dispunha de um Neufert para consultar antes de iniciar a sua obra. Havia, todavia, a necessidade de abrigar a família, dar guarida com alguns milheiros de tijolos de barro. Era tudo o que tinha a mão e no coração.

A casa é meu pai, ele é a casa eterna que morávamos; e somente ele a pôs de pé. O arquiteto da nossa vida. Minha irmã, não entendeu e não a culpo por isso: não ver alma por dentro do barro do tijolo. Havia pressa em retornar à velha casa e também ansiedade. Como cobrá-la a entender de arquitetura enquanto punha água para ferver, se também não sou cobrado por entender de culinária; e o máximo que aprendi sobre esta arte foi fritar um bife acebolado. Ela nunca soube quem foi Mies van der Rohe, ou quem projetou a casa da cascata foi Frank Lloyd Wright — como gomos que saem das pedras com a queda d'água. Nunca também soube, que Gaudí esculpia sua arquitetura nas formas humana e depois de pronta a desenhava: curvas sem fim.

O pedreiro também não entendeu, o pintor se esquivou. Por que o nicho na parede a revelar a parede velha, desbotada? Havia a demão da tinta, a primeira. Ela não é velha; velha é nossa dor. A cor e suas nuances me remetem ao passado: o rosa velho que meu pai pintou antes. Era a última casca de tinta, depois dela era o reboco e os tijolos de barro (sua alma). Aquela cor rosa velho era o paspatur do retrato do arquiteto construtor. Arquitetura só existe para mim se tem memória eterna. E a memória nos trás lágrimas nos olhos. A arquitetura me emociona. O pintor pintou sobre a memória com tinta branca.

Era Natal. Depois da missa do Galo, íamos para casa comer a modesta ceia preparada por minha mãe. Aquela casa pequena de parede cor rosa velho — meu pai a pôs de pé. Era raro o Natal que ele estava conosco. O trabalho, muitas vezes, o consumia até na noite de Natal. Era um preceito, pôr pão na nossa mesa. A cozinha era quente, no forno havia assados que minha mãe preparava. E a criança resistia ao sono à espera da meia noite e assim celebrar: é Natal! Depois da reza, ceávamos e conversávamos um pouco mais, para depois ir para cama. Enquanto desenrolava a conversa, com os olhos caídos de sono, eu contemplava o Menino Jesus no presépio. Era um tempo de luz incandescente e amarela, como fotografia.

Era o nascimento da esperança: como será o próximo Natal? Não havia presentes e nem árvore de bolas coloridas. Montávamos um pequeno presépio sobre a mesinha de madeira que ficava ao lado do aparelho de TV preto e branco. Os presentes vinham antes do Natal. A fábrica onde meu pai trabalhava, era o verdadeiro papai Noel que acreditávamos. Ela nos dava o único presente que ganhávamos no Natal. Nunca falhava, apesar de não poder escolher o que ganhar. Os presentes eram distribuídos conforme a idade e sexo.

Houve um Natal, porém, que o presente não veio. Meu pai adoeceu e a fábrica o afastou. Não fomos à festa de entrega e muito menos tivemos brinquedos. Esqueceram de nós. A desolação era percebida. Como um Natal sem brinquedos? Era verdade, mas não chorei (eu sentia, mas não chorava). O Natal passou sem presente. Como cobrá-lo? Aceitei calado. 
 
Alguns dias se passaram depois do Natal, e uma Kombi estacionou à nossa porta. Eu não acreditava e meus olhos brilhavam. A Kombi estava cheia de brinquedos para nós. Não que todos fossem para nós, mas havia a possibilidade de escolher um entre muitos. Até me esqueci que o Natal já havia passado. As visões que me vêm não me trazem à lembrança a cor da Kombi, se era branca, vermelha ou azul; mas de uma coisa eu não me esqueço: havia muitas bolas gigantes de plástico. Não sei qual foi o brinquedo que escolhi, não me lembro. 
 
Hoje, acredito que o serviço social da empresa, tenha sentido nossa falta no dia da entrega dos presentes e quis, assim, reparar o erro mandando aqueles brinquedos depois. Da minha cabeça, nunca mais saiu esta cena, quando a Kombi estacionou no meio da rua e o motorista perguntou pelo meu pai. Foi um dia feliz.

Acostumei-me a não ganhar muitos brinquedos na infância, e por isso me lembro dos poucos que tive. Como meu irmão escreveu em sua crônica (Você já aprendeu a descascar laranja?), nossa infância nos reservou habilidades de construir, muitas vezes, o nosso próprio brinquedo. Num aniversário — tão raro de se comemorar — eu ganhei um bumbo de plástico e com ele ensaiava uma percussão que mais atormentava do que agradava as pessoas. Lembro-me também de um caminhão basculante, de cabine vermelha e caçamba amarela — este já no Natal. Depois outro: uma mini-mesa de sinuca. 
 
Havia na minha rua, um menino que tinha muitos brinquedos em seu quarto. Brinquedo caros, diga-se. Quando era convidado, eu ia lá brincar de autorama, de forte apache e com um pião prateado gigante que, além de ter som, piscava uma luz vermelha. Eu adorava, embora soubesse que não era meu. Eu só brincava quando ele me deixava pôr a mão.

Eu já tinha 18 anos, quando meu pai partiu. Foi em 23 de dezembro de 1981. Um edema pulmonar o levou na véspera do Natal. Eu estava na sala de espera do hospital, quando o médico trouxe a notícia. Ele foi novo, quieto, sem reclamações, como sempre viveu a vida inteira. Lembro-me, que o único veículo de transporte que ele teve na vida foi uma bicicleta Hércules, que o levava e trazia do trabalho.

Já me perguntaram algumas vezes, se meu Natal passou a ser triste depois desse. Não! Nunca. As crianças estão aí preenchendo com alegria o lugar da tristeza, que às vezes insiste em brotar; e quando elas crescerem e se casarem, outras crianças virão. Crianças trazem alegria; as novenas de Natal, a esperança; a estrela de Belém nunca se apagará; e o Menino Jesus continuará na manjedoura. Como poderei ficar triste quando se anuncia o nascimento?

Para os artistas, não existem obras acabadas, elas são abandonadas por eles pelo caminho — lembrou-me um amigo. Ela foi junto com sua partida. A casa foi o presente que meu pai idealizou e ergueu com as mãos de pedreiro e alma do arquiteto que o nomeei. Ele a queria, talvez, bem mais aconchegante. Ele nos deixou assim seu presente de Natal para que um dia eu pudesse mexer e modificar a sua obra, tornando-a eterna. Com tijolos que ele mesmo assentou. Sua alma está lá. Assim, o Natal, sempre será comemorado sob o telhado que meu pai construiu.

Definitivamente, não existe Natal triste; sempre haverá o Natal, com a lembrança do baú de brinquedos que guardamos em nossa memória, em forma de saudade. FELIZ NATAL!

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / dezembro de 2010.