BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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quarta-feira, 3 de julho de 2019

O poder do homem de 50 anos

Passados já sete anos — já estou com 57 —, só agora fui compreender o PODER DOS 50 ANOS, esse divisor de águas, esta ponte que separa o homem jovem do velho. E, aqui, eu passo um pouco da minha experiência a você, homem, que já chegou ou está perto de completar.

ACADEMIA: Quando chegar aos 50, diminua o peso que puxa na academia. Faça mais exercícios aeróbicos, porque é de fôlego que você precisará daqui em diante. Não se preocupe se as garotas vão reparar que você diminuiu a carga, porque elas vão parar de olhar para você de qualquer jeito. Quem vai sentir as dores depois é você. (Não tem Gelol que dê jeito numa coluna torta.) Agora, quer um conselho? Deixe o supino para os mais jovens e vá caminhar no parque, em ritmo moderado, claro. Cuidado só com seus joelhos, pois seus meniscos já não tem a mesma elasticidade e compressão. É melhor que tentar ser fitness e musculoso nessa idade. O importante é sua condição cardiovascular e não se você será um atleta de maratona ou rato de academia. Aliás, "cardiovascular" é uma palavra que entrará no seu vocabulário através do seu cardiologista. O quê? Vc não tem um? Logo, logo terá...

BEBIDAS: Água, já ouviu falar? Comece a beber. Pare com as bebidas alcoólicas como se ainda tivesse 49 aninhos. Comece a ter noção do limite. Não queira praticar esse esporte de beber, sem causa, com seus parceiros de botequim. Gota, sabe o que é? Pois é, ela está esperando você tomar o próximo porre de cerveja com muita carne vermelha, num churrasco. Seu joelho vai inchar e doer pra caralho! Dica: prive-se a tomar três latinhas de cerveja por semana. Ah! junto com Alopurinol 300ml. Pare por aí. Chega de happy hour todo dia e cachacinha com tira-gosto de moela ou chouriço. Você não tem mais organismo para chegar bêbado em casa. Súbito, sua mulher (mais nova) só está esperando um motivo para meter o pé na sua bunda. Você pode até insistir e ter vontade e atravessar os limites com seus amigos, mas seu organismo responderá com muita ressaca moral, indisposição e, talvez, uma internação por um pico de pressão ou — crendeuspai! — um AVC.

COMIDAS: Modere tudo. (Outra palavra a se acostumar: MODERAÇÃO) Tire o carboidrato imediatamente. Churrasco toda semana pode antecipar muitas doenças que você nem imaginava, mas seu avô morreu em decorrência. Já ouviu falar em pressão alta, diabetes, gastrite, pedras nos rins e vesícula? Pois é, essas doenças silenciosas pairam na sombra dos 50 anos. São implacáveis e quando você menos espera, elas se apresentam como alguém que você sempre evitou, mas seu amigo (a vida) insistiu em lhe apresentar. Destempere seu prato e acostume com as pequenas porções, agora seu metabolismo lento não permite extravagância alimentares. Tire o açúcar e durma mais. (Perca peso e me pergunte como.) Ser gordo nunca foi sinal de saúde. Gordo só serve para ser engraçado, enquanto está vivo. Para perder peso distancie de coisas básicas como cerveja, carboidrato e WhatsApp.

MÉDICO: Se você ainda não tem hábito de ir ao médico, por um simples check-up, comece a bater ponto. Urologista é o primeiro, porque sua próstata começará a inchar e sua urina já não faz aquele som gostoso no fundo do vaso. Exame de toque agora entrou no seu radar. (Só não se entusiasme, porque é feio virar veado nessa idade.) Consultar uma vez por ano já está bom demais. Você nem vai se incomodar — vai ficar até feliz — quando seu médico disser durante o exame: — "Sua próstata está lisinha, sem câncer, sem câncer...". Não dura 10 segundos. Talvez mais... Confira seu colesterol e diabetes a cada 4 meses.

COMPORTAMENTO: Pare de mascar chiclete e usar roupas de garotão na tentativa, em vão, de chamar atenção das garotas. Corte esse rabinho de cavalo ridículo e esconda suas tatuagens de mau gosto que você fez. Use roupas folgadas, de homem, e faça corte de cabelo normal — aparado. Assuma o grisalho e a calvície. Insisto: mulheres de 30 anos não estão nem aí mais para você. Elas só vão associar você ao "Tio Sukita". Lembra? (Mesmo que você tenha dinheiro, elas vão te achar velho do mesmo jeito, só que rebolando no seu iate.)

Pausa para frase:
"Com 30 anos de idade só existem três ocasiões em que uma mulher se interessa por um homem de mais de 50 anos: 1) quando ele é pai dela; 2) quando ele tem muito dinheiro (status) e; 3) quando ela é muito feia. Os olhos de uma mulher de 30 anos enxergam no homem a fertilidade. Depois dos 50, seu saco começa a balançar no vão das pernas."
Modere ou pare de fumar. Não use gírias e vocabulário de garotão. Seu filho não é seu amigo; ele é seu espermatozoide crescido e não tente acompanhá-lo, exceto na arquibancada de um estádio de futebol. Você só tem idade para ir ao show do Paul McCartney, em lugar coberto, com assento e perto do banheiro. Ler livros de filosofia e ver filmes e séries de conteúdo agora condizem com você. Chega de Marvel e coisas do gênero. Liberte o cinquentão que existe em você e não acredite nessa história de "melhor idade", porque é puro marketing para vender pacotes de viagens ao Nordeste. Como pode ser melhor idade com esse joelho latejando? Por fim, acostume-se a ouvir que seus amigos (que não se cuidam) estão indo embora; indo dessa pra melhor.

Como pode notar, meu caro, depois dos 50 anos, o homem não tem poder nenhum mais. Digo, claro, não tem muito controle sobre seu corpo, porque as mudanças vêm a galope. Isso não quer dizer, também, que você está com o pé na cova. Ainda há uma vida boa (embora lenta) pela frente. Mantenha-se vivo, tendo sua mente sã, se preocupando com aquilo que realmente vale a pena e já está fazendo muito bem. Mande à merda quando lhe encherem o saco. Você não tem obrigação de agradar ninguém mais. Se conseguir fazer sexo (bem e sem viagra) uma vez por semana, com a mesma mulher, comemore, porque, aos 50 anos, sua libido começa a entrar para seu livro de memórias.  E por falar nisso, comece a anotar tudo, porque sua memória ainda vai fazer você procurar os óculos dentro da geladeira.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / julho de 2019

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A rebentação

Se procurarmos nos fóruns de discussão na rede de computadores, iremos encontrar várias interpretações para o mesmo assunto, onde para você (e para mim) só tem uma resposta, uma convicção e afirmação. Confrontaremos com inúmeras discordâncias e pontos de vistas, porque cada um enxergará sob seu viés. O que nos faz refletir mais.

Basta recorrer a uma análise simples de qualquer obra literária ou filme, verá que cada um tem algo diferente a dizer. Ou aquilo que mais lhe chamou atenção. Atentamos mais aos capítulos e passagens que nos aflige diretamente, porque o natural do subconsciente é registrar, tão somente, aquilo que nossa alma mais necessita se alimentar naquele instante. De uma forma bem simplista e clara.

Às vezes, os livros e filmes passam por nós e anos mais tarde, aquela cena ainda permanece tatuada em nossa memória. Uma hora irá desflorar, e iremos entender o porquê; e tudo se fechará, como uma peça que faltava naquele pensamento nebuloso e confuso.

No filme “Náufrago” de 2001 — mais uma grande obra desenhada por Tom Hanks — iremos nos deparar com várias mensagens. Cada um irá contar aquilo que mais lhe afetou.

A trama narra a história de um executivo de uma empresa de entregas — FedEx —, que era uma espécie de workaholic e pouca importância dava à família, às pessoas e ao convívio social. Sua vida era o trabalho e só. Depois da pane no avião onde viajava, ele se torna o único sobrevivente da queda e vai parar numa ilha, isolada num canto qualquer do planeta. O restante da tripulação morre e ele fica preso a esse mundo pequeno, desabitado e sem vida aparente. O que é vida afinal?

Ali desenvolve habilidades manuais e primitivas para sobreviver a sua diminuta e solitária vida. Suas necessidades agora se baseiam em habitar, se proteger das intempéries, se alimentar, e assim como um homem das cavernas, “descobrir” o fogo, atritando alguns gravetos.

O dilema de Chuck Noland, papel de Tom Hanks, vai além do fisiológico e do subsistente; ele queria sair daquela vida limitada e encontrar novamente sua civilização; o convívio das pessoas, a cidade barulhenta, o trabalho, a família, sua miséria cotidiana... Sobreviver já não era sua sorte. A solidão era cruel e uma companheira incômoda; o que fez de uma simples bola de voleibol seu alter ego, o amigo inseparável com quem conversava muitas vezes e por isso passou a chamá-la de “Sr. Wilson”. Uma forma de ouvir seu interior.

Mas qual é o ponto do filme?

Para mim, está condensado no desafio em construir uma embarcação que pudesse alcançar o alto-mar, a sua salvação. Malgrado, ali havia um busílis não calculado por ele; seu estorvo era a rebentação que quebrava alta e distante da praia; ultrapassar aquelas altas ondas, que sempre o devolvia ao ponto de partida, à praia da sua ilha deserta. Ele tentava e o mar o arremessava de volta. Aquela rebentação era a barreira que o mantinha preso na sua angústia, sua tragédia maior, no seu mundinho defectível e solitário; sair daquela melancolia que o aprisionava por 04 anos se tornava cada vez mais difícil.

Passados aqueles anos, experiente e conhecedor do ambiente que agora vivia, ele pensou: era preciso mais do que construir uma embarcação; era preciso estudar e entender os ventos, as marés, as estações do ano; e num momento único e derradeiro haveria uma chance de quebrar as ondas gigantes. Antes teria de construir uma embarcação segura, que pudesse levá-lo de volta à vida. Em mar aberto, os bons ventos o levariam para longe e assim ser alcançado por uma mão salvadora, em águas brandas. Lançando-se ao mar aberto, como uma vida longa e ampla, a possibilidade de encontrar a salvação era maior. Ele só tinha que vencer aquela rebentação.

Tudo que traçou deu certo, ele venceu as ondas. A vida já não era mais aquela miserável ilha. Ele estava pronto para ser resgatado, as correntes da prisão foram rompidas; e ele agora navegava em mar aberto e calmo, até ser resgatado por um navio cargueiro. E tudo nele se transforma a partir desse ponto, dessa passagem.

Numa situação análoga, a vida tem feito seres humanos presos em ilhas desertas que não conseguem vencer a rebentação, e sair para mar aberto; por medo, por covardia e em muitas vezes por ignorância vivem como eternos aprendizes de si. Aquele ser conforta-se que o mundo é uma ilha mesmo e aqueles que o quiserem, que venham até ele. Alguém se habilita?

Dentro dos trens de metrô onde viajei pela Europa, era esta ilha de gente que se via; em comunicação única e exclusivamente com seu iphone. Rindo solitariamente das fotos que compartilhavam ou das mensagens que abriam; sempre com ninguém presente, como um ser distante e ausente.

Numa conversa de botequim — aprecio e aprendo muito! — falávamos sobre uma mulher que, à luz dos 70 anos, vivia em sua ilha deserta e desabitada. Qualquer convívio fora do seu mundo revelava o seu lado amargo, sombrio, agressivo, infantil, histérico, com proclamo de vítima social e não aceita por ninguém — sem caráter social. Pensei: com a vida quase chegando ao fim e ela ainda não aprendeu? E não aprendeu mesmo.

É premissa, para viver em sociedade, ser cortês, ter paz de espírito, ter sensatez, bom humor, aceitar brincadeiras e muitas vezes não dizer o que pensa sobre tudo que vem à cabeça. O que não é o caso dessa senhora; criança mimada, que o “mundo não quer compreender”, e com ele não aprendeu com seus tropeços e quedas. Algum momento da vida a tornou assim? Creio que sim: uma fala, um gesto de alguém a fez viver na defensiva e ser intolerante aos outros, sem percepção de si. Com longínqua idade para aceitar a transformação, ela não consegue e já não quer mais construir sua embarcação; romper a rebentação que aprisiona em sua ilha egocêntrica. Mundo pequeno e cruel. Quem irá visitá-la na sua melancolia? Comentamos e apontamos, mas, por resignação, acabamos sentindo pena.

O mar da idade, quando se quer alcançar (mesmo aos 70 anos), é aberto e visto num horizonte de paz. Foi uma luta do barco com a rebentação; ou dos braços cansados nadando sobre revolta maré. Vencer as ondas! Almejar pelo mundo civilizado e social; esperar por mãos afáveis, navegar sereno na embarcação que o vento já conduz sem medo; por fim, encontrar terras habitadas por pessoas e não por iphones.

Mas quanto aos maremotos? Asseguro que minha embarcação é robusta para atravessar. Não haverá novo naufrágio, não retornarei à ilha deserta de mim — all by milself. Não comerei o pão que o diabo deixou amassado, porque simplesmente não quero mais tal condenação. A rebentação já passou, e o maior triunfo é encontrar um porto seguro para viver em terra firme e civilizada.

Cast away — o título em inglês de “Náufrago”. Tudo termina com o personagem parado num cruzamento de duas estradas, num lugar também deserto e incerto — sem setas. A escolha agora é do caminho, porque qualquer seja o escolhido, ele estará lá na sublimação, de corpo e agora também com a alma. Velas ao vento.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / outubro de 2012