BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Pesar de você


Dois dias depois da eleição de Jair Bolsonaro, num ato de protesto em favor da democracia (oi?), Guilherme Boulous arrastou alguns punhados de estudantes — sempre eles — para seu delírio revolucionário; também para dizer que agora eles seriam a “resistência”, como se estivéssemos às portas de um regime de exceção. Entre um discurso e outro, vi alguns jovens (18 anos, por aí) entoando “Apesar de você”, que rolava numa caixa de som.

A música composta em 1970 era uma carta (sem selo e postagem), em versos subliminares, direcionada ao presidente que Chico Buarque não gostava: Garrastazu Médici. Médici era o “você” da música-homenagem. Etecetera e tal laiá laiá...

Quase meio século depois, a música foi exumada e agora é retumbada em atos de protestos dos movimentos de esquerda pelo país. (Na cabeça deles, ainda vivemos aqueles anos. Ou: ninguém escreveu algo melhor para o Brasil de 2018). Mesmo esses jovens (anos 2000), que nunca tinham ouvido, num desconhecimento histórico, passaram a cantar, como um ato contínuo.

Mas, preste atenção na letra. Ela não se assemelha com nada do momento atual do país; momento de mudança, de pôr ordem na casa, de combate à corrupção, de respeito aos símbolos nacionais e à Constituição. Tudo sob os olhares da velha e boa democracia. Uma roupa surrada, puída querendo se vestir numa visão nova de país. Por outro lado, a música se encaixa melhor (mais apropriada) nos 14 anos de Lula/Dilma. O trem fantasma de onde o país saiu e agora quer esquecer.

O caminho que o PT estava conduzindo o país, sob a agenda do Foro de São Paulo ipsis litteris, era autoritário e ditatorial. Não há mais dúvida! Um Estado inchado, corrupto e de poderes plenos ao partido da estrela vermelha. Sob seus pés, uma população miserável, sem emprego, sem educação, indefesa, amedrontada e viciada em assistencialismo. É fato: tudo que eles diziam combater era o que queriam nos servir: a grande pátria latino-americana e socialista. Fomos salvos e despertados pela Lava Jato e por Sérgio Moro, aos 40 minutos do segundo tempo.

Hoje, quando vejo um jovem desses, geração snowflake (rebelde sem causa), cantando o que nem sabe o que representou, eu sinto mesmo um pesar dele; um pesar de você.

 © Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / novembro de 2018

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Quem deu a facada?

Quem deu a facada em Bolsonaro foram os mesmos que levaram o país a essa miséria intelectual que nos aprisiona hoje. Ou você só acredita em miséria baseada na fome do Nordeste?

Adélio foi só um instrumento e o portador do objeto perfurante; aquele que consumou o ato. Pare e pense: Por que matar uma só pessoa e não um outro ou todos? Por que Bolsonaro? Simples de explicar. Porque ele representa o perigo para a desarticulação do sistema perverso, corrupto e canalha que nos envolve por décadas. Quem deu a facada foram eles.

Há tempos o país não se reconhece mais. E isso não é obra do acaso, como alguns idiotas ainda acham. Isso tem fórmula, alquimia e foi calculado para acontecer nesse tempo. Um povo atingido por todos os níveis de miséria humana não tem reação nenhuma ao poder, irá se vergar a ele e lamber suas botas. Um povo entorpecido por esse sistema é capaz, inclusive, de tirar da cadeia um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro de dentro e transformá-lo em presidente. Ao mesmo tempo, achar intolerante, homofóbico, racista, misógino um com a ficha limpa. Um dos problemas do país, dessa miséria intelectual, é se compadecer com o que dizem e não enxergar o óbvio que acontece, de fato, a um palmo do nariz.

Eis o país que deu a faca ao criminoso; um país padecido na miséria humana e intelectual. Ele não se reconhece mais. Não vê gravidade no seu e no futuro de seus filhos e netos.

Isso precisa ter um dia do “basta”.

O país precisa parar de entregar a faca aos criminosos que irão, mais cedo ou mais tarde, golpeá-lo pelas costas.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / setembro de 2018