Quantos afoitos e assanhados da mobilidade urbana (assunto da moda política) vivem ruminando seus sons em debates sem fim; com o olhar de esguelha sobre um prisma da cidade que lhes interessa. Então, vai pimenta no debate.
Foi justamente num sonho que ele me falou (um anjo)... Às vezes é preciso olhar além das fronteiras do óbvio e do objeto: a escala humana da cidade. A coisa é maior que o simples transporte que se toma para visitar um tio do outro lado da cidade. Mas num canal de ideias, confrontando e abrindo layers sobrepostos nos vários outros seguimentos que envolvem a vida nas cidades: Morar, transportar-se, encontrar-se, se sentir seguro, se sentir justiçado, se sentir protegido, ter amigos, ter família saudável, ter escola, ter lazer, ter saúde pública de qualidade e ser feliz na urbe.
Não adianta discorrer sobre mobilidade, querendo que todos andem de bike (só pra dar um exemplo), e depois ficar tecendo no imaginário uma outra bucólica cidade de paz; dentro de uma ordem pública estabelecida, de policia sem armas, de gente feliz, com drogas legalizadas, cadeias vazias, bibliotecas bem visitadas, museus, iPhones pra todos e mulheres vendendo seus corpos em vitrines, como em Amsterdam.
Sem o alcance do desenvolvimento educacional, cultural, social e político não se sustenta o restante. A comparação é torpe e longínqua. Alcançar meios de transportes sem igualar a cultura cidadã é uma coisa bem amadora. A carroça ainda está presente na alma brasileira e o temor da cidade também. Como enfrentar e equalizar tudo?
O Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro não têm forças (moral e política) pra enfrentar black blocs nas ruas. Eles estão aí soltos quebrando e incendiando as cidades. Este é um ponto. A PM virou alvo de todos e inimiga pública número um. A insegurança se espalhou como rastilho de pólvora, com artistas e juízes (?!) apoiando os incendiários da cidade; e todo mundo querendo transporte de primeiro mundo... É como fazer cirurgia na precisão de um bisturi de um lado e na cegueira do gume de um facão do outro, e tudo no mesmo corpo doente.
Como falar em mobilidade urbana (padrão FIFA) tendo um povo e governos miseráveis e numa enfermidade mental sem cura; e num momento como esse, quando as cidades estão em ruínas. E a vida cada vez mais cara para viver, com governos corruptos, impostos altos e sem retornos em projetos que sustente uma simples vida. Como ser feliz na cidade só andando de bike?
Quem dera fosse só organizar os espaços, distribuir seus modais por canaletas e ciclo-rotas; com o ir-e-vir livre e barato; como aquele garoto de Liverpool que atravessou a cidade num bus, só por saber que um ser qualquer, do outro lado da cidade, sabia fazer um "B7" no violão, e ele queria aprender.
Os moleques (mlks) de hoje, da periferia, não querem tomar o "buzão"; eles querem andar de carrão possante, com o som nas alturas, tocando seu pancadão. Porque é assim que se pega mais mina. E as "mina pira" no cara de carango com pancadão. Eles sabem disso e vão atrás. As mina não "pira" naqueles que andam de bus, falam dois idiomas, frequentam biblioteca, veem filmes cults e ouvem Mozart no fone de ouvido. Esta é a cultura que precisa reverter e alcançar. Esse moleque, como todo mundo, só quer ostentar e demonstrar seu poder.
Uns dirão "eu só faço a minha parte... O resto não é comigo". Não adianta. Para a cidade dos sonhos há que todos façam sua parte ao mesmo tempo; que sonhem e realizem juntos. E isso tem um principio nos poderes constituídos. Com ética, moralidade em alta, transparência, planejamento e uma população que lhe presta confiança.
Já finalizando, lembro das palavras do dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues: "O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade".
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Outubro de 2013.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Outubro de 2013.