Dois dias depois da
eleição de Jair Bolsonaro, num ato de protesto em favor da democracia (oi?),
Guilherme Boulous arrastou alguns punhados de estudantes — sempre eles — para
seu delírio revolucionário; também para dizer que agora eles seriam a “resistência”,
como se estivéssemos às portas de um regime de exceção. Entre um discurso e
outro, vi alguns jovens (18 anos, por aí) entoando “Apesar de você”, que rolava
numa caixa de som.
A música composta
em 1970 era uma carta (sem selo e postagem), em versos subliminares, direcionada
ao presidente que Chico Buarque não gostava: Garrastazu Médici. Médici era o
“você” da música-homenagem. Etecetera e
tal laiá laiá...
Quase meio século
depois, a música foi exumada e agora é retumbada em atos de protestos dos
movimentos de esquerda pelo país. (Na cabeça deles, ainda vivemos aqueles anos.
Ou: ninguém escreveu algo melhor para o Brasil de 2018). Mesmo esses jovens (anos 2000),
que nunca tinham ouvido, num desconhecimento histórico, passaram a cantar, como
um ato contínuo.
Mas, preste atenção
na letra. Ela não se assemelha com nada do momento atual do país; momento de mudança,
de pôr ordem na casa, de combate à corrupção, de respeito aos símbolos
nacionais e à Constituição. Tudo sob os olhares da velha e boa democracia. Uma
roupa surrada, puída querendo se vestir numa visão nova de país. Por outro
lado, a música se encaixa melhor (mais apropriada) nos 14 anos de Lula/Dilma. O trem
fantasma de onde o país saiu e agora quer esquecer.
O caminho que o PT estava
conduzindo o país, sob a agenda do Foro de São Paulo ipsis litteris, era autoritário e
ditatorial. Não há mais dúvida! Um Estado inchado, corrupto e de poderes plenos ao
partido da estrela vermelha. Sob seus pés, uma população miserável, sem
emprego, sem educação, indefesa, amedrontada e viciada em assistencialismo. É
fato: tudo que eles diziam combater era o que queriam nos servir: a grande
pátria latino-americana e socialista. Fomos salvos e despertados pela Lava Jato e por Sérgio
Moro, aos 40 minutos do segundo tempo.
Hoje, quando vejo
um jovem desses, geração snowflake (rebelde sem causa), cantando o que nem sabe o que representou,
eu sinto mesmo um pesar dele; um pesar de você.
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e
cronista / novembro de 2018