BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Mr. Barrow

Confesso, não sou daqueles que veem uma série até o fim. Assisto várias ao mesmo tempo, e algumas vou largando pelo caminho. Vi sim, até o fim, Mad Men e agora Downton Abbey. (Por essa declaração já deve ter percebido que sou um aficionado pelos dramas.) Para mim o que me prende são as histórias ou as histórias dentro da história. Verdadeiras ou fantasiosas.

Zerei por esses dias Downton Abbey — se me permitem vou usar a sigla DA. Não tive pressa em ver, até porque tudo é locupletado de muitos detalhes e paisagens lindas daquele início do século XX (Belle Époque). Os figurinos, então, são impecáveis. As cenas são minuciosamente pormenorizadas com posicionamentos de câmeras, personagens, silhuetas, luzes, etc.

DA é uma série que discorre sobre a vida de uma família aristocrata inglesa; uma família com seus dramas e suas vidas misturadas com as dos seus criados. Há personagens marcantes, como o mordomo Carson (Jim Carter), figura impoluta. Mas o que eu queria trazer aqui nessa conversa, e até para servir de comparação com as produções nacionais, é o personagem do lacaio (servil) Thomas Barrow (Rob James-collier), ou simplesmente Mr. Barrow.

Thomas Barrow é jovem, educado, cortês, de boa aparência, cabelo aparado com brilhantina, espinha ereta. Mas carrega no olhar um certo cinismo, uma certa maldade; ele vê a vida de soslaio. Logo nos primeiros episódios (acho que foi no segundo) o diretor Julian Felowes deixa escapar que Mr. Barrow é homossexual, quando ele tem um noite amorosa (e casual) com um visitante de DA. Mas a coisa ficou só nisso. Não teve mais beijos gay ou cenas para chamar atenção do público. (Marketing barato e previsível da tv brasileira.)

É difícil dizer ou definir Thomas Barrow durante a série. Ele tem altos e baixos com atitudes covardes e de coragem em outras épocas. ( O período da história é entre 1910 a 1925) Por vezes, era vil e depois mostrava bravura, quando, por exemplo, ele salva Lady Edith de um incêndio provocado por ela mesma na lareira do seu quarto. Durante a guerra, ele se acovarda e se fere propositalmente quando, entrincheirado,  acende um cigarro a metros do inimigo e tem a mão alvejada. Imediatamente ele é desligado e volta para DA.

O sonho de Thomas Barrow era o posto mais alto dos serviçais de DA. Ele queria a posição de Mr. Carson, ser mordomo da mansão. Mas como eu disse, os altos e baixos do personagem leva-o a ter crises existenciais. Como o auto flagelo, por achar sua condição sexual  algo pecaminoso (?), e só flagelo o "curaria"; e depois quando tentou um suicídio cortando os pulsos. Quando ele se vê esgotado em DA, procura emprego em outra mansão. Ele segue com boas referências, mas sente falta do calor, do aconchego de DA. No último capítulo, ele volta como mordomo para DA, quando Mr. Carson descobre uma doença que o faz tremer as mãos.

É perceptível. O personagem não tem nenhum perfil de herói e nem de bandido. Ele se esconde dentro de si, roendo suas angústias quando almeja algo melhor para vida. Não houve uma preocupação de torná-lo bom, sendo ele muita vezes mal na trama. Ele era uma pessoa como vemos por aí, nas ruas do século XXI: o desejo de subir dentro da empresa e ser respeitado. Tinha seus medos, aflições, dramas e uma sexualidade acobertada.

Eis onde eu queria chegar. Agora, imagina esse personagem numa trama brasileira, dessas feitas pela Globo. Ele seria empoderado, protagonista, virtuoso, herói; um modelo para uma nova sociedade que aceita os diversos tipos de comportamentos sexuais e gênero. Iria chamar atenção mais que os outros. Depois, iriam sobrecarregá-lo de cenas intimas, até que o público não se chocasse mais — nem as crianças. Tudo como se vê nas novelas e séries brasileiras da atualidade.

Como disse a criadora de Friends, Marta Kauffman: "A telenovela não vai ser o primeiro gênero de entretenimento, não vai funcionar mais. Todo mundo tem de pensar algo diferente a ser feito. As pessoas não veem mais TV como antes". Ela tem razão. Vivemos uma época de esvaziamento (sem conteúdo) dos melodramas. As novelas e séries nacionais só capitulam afim de carregar e levantar bandeiras progressistas: racismo, LGBT, ideologia de gênero, regime militar, poliamor, etc. Como agora, nos enxovalhando com a discussão de gênero. Numa sociedade majoritariamente heterossexual, isso é rechaçado. As pessoas querem ver a vida como ela é, como nas séries americanas e inglesas, onde as histórias são bem contadas, sem nenhum pretexto (pano de fundo) em doutrinar o público. Depois, o publico que está errado em não ver mais novelas.

A pergunta que deixo é: quem sustenta toda essa discussão? A quem interessa tudo isso? Tenho estudado a resposta, mas isso é assunto para outra crônica.
 
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / setembro de 2017