BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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sábado, 30 de maio de 2015

Cine Palácio

Continuando minha viagem pelo tempo e espaço, através do meu DeLorean imaginário (preferindo ainda as visitas ao passado), lembrei agora das salas de cinema de antigamente (nem chegando ao mudo, mas ao falado, em technicolor); aqueles com a cara na rua e lanterninha. Aí o leitor ainda jovem vai perguntar:  — "Como assim, cinema? Era tão diferente e tão necessária crônica?". Era mais do que isso.

Os cinemas, nas cidades como a minha, eram um acontecimento, um desfile em carro alegórico; uma referência geográfica e arquitetônica; como igrejas também eram. Tinha sua feição: um prédio de estilo próprio e opulento, com fachada na calçada, bilheteria, foyer e bombonière. Havia alma em suas colunas e cheiro em seus assentos. Sem toda praticidade e rigidez do moderno: ocultos dentro dos shoppings. Para muitos, era única e verdadeira forma de engolfar a solidão. Belle époque, diriam os franceses.

Uma vez um amigo me disse: "Já reparou? Toda cidade pequena tem uma rádio clube...". Ele quis dizer que as cidades se copiam no nome das coisas, até nome de ruas e botequins... Eu acrescento: toda cidade pequena tem uma rádio clube e um cine palácio. A minha tinha os dois. Disse que tinha, porque não tem mais. A rádio incorporou outra frequência, mudando de nome como parte de um grande grupo de comunicações. O cine Palácio (se me permite o maiúsculo na palavra) virou um estacionamento. (Os automóveis ficaram mais valiosos que as películas de filmes.) E assim, todos os outros quatro que, nas décadas de 1960 e 1970, tinham também fachada para rua. Todos mudaram o uso e o valor imobiliário. Agora temos mais. São vinte salas distribuídas nos três shoppings da cidade. Todos embutidos (como recheio de bolo) e sem fachada. Não servem para apreciar, mas para entrar e assistir.

Não consigo lembrar quando foi a última vez que vi um filme nessas antigas salas — as cadeiras nem tinham estofado, era madeira rija como carteira escolar. Eu vi meus últimos filmes, em cinemascope, no cine Palácio da praça. Nas grandes estreias, as filas dobravam quarteirões, como quando passou "ET — O extraterrestre", "Tubarão" e "Grease — Nos tempos da brilhantina". Inesquecível!

Depois eu lembro, já nos meus 22 anos, ter ido ao cinema com um amigo de trabalho ver "O Exterminador do Futuro", esse já no cine Paratodos. O cinema tinha um cheiro. O que guardo da memória daqueles cinemas era aquele mesmo cheiro de porta igreja. O vertiginoso cheiro de pipoca.

Mas os cinemas tinham outra serventia ao povo do lugar. As cidades não possuíam teatro e por isso eram nos cinemas que aconteciam os eventos, como colação de grau do ginasial e outras condecorações. Que lugar poderia ter cadeiras e palco para avistar quem recebia um diploma? Por isso, entendo que os cinemas tinham palco: multifuncional. Já vi bailes acontecerem em salas de cinema. Tiraram as cadeiras e aquilo virou um salão de dança. Não haveria necessidade do palco, se fosse só projeção de película. Nenhum ator despencaria da tela para conversar com o público, como imaginou Woody Allen, em A Rosa Púrpura do Cairo.

Vou dizer da minha primeira sessão de cinema: eu ainda tinha sete anos (ou por aí), foi no cinema do meu bairro. (O Cine Santana ainda preserva o nome e a sala como era, de piso inclinado e bilheteria.) Lá, numa semana da criança, todos os alunos da minha escola foram ver "Tom e Jerry". Entrei com a sessão começando e um barulho insuportável de crianças, comendo e dando gargalhadas. Na escuridão, tropecei e fui me arrastando até encontrar um lugar. Foi aí que veio o moleque dentro do menino. Meti a mão no vão entre o assento e o encosto da cadeira da frente, até que um puxou o assento e sentou, esmagando meus dedos. Não era estofado, mas madeira com madeira e meus dedinhos como salsicha no meio. Foi um grito de espantar da tela "Tom e Jerry.

Depois, já mais crescido, ia sozinho ver os filmes do Mazzaropi, porque no nosso cinema só sobravam aqueles filmes já fora de cartaz e mais do que visto em outras salas — película gasta. Mas bom era o que antecedia os longas. Além dos filmes de propaganda institucional do governo militar, como as obras da Transamazônica, havia o sensacional Canal 100. Foi quando eu tive minhas primeiras inspirações pelo futebol. Aquela câmera que flutuava ao nível do campo, em câmera lenta. Era como se eu estivesse dentro do jogo.

Antes do cine Palácio, eu via cinema sentado no paralelepípedo. Explico. Todo sábado, na praça da matriz, um cinema era montado num canto daquela rua que não dava em lugar algum (somente carrinho de pipoca passava). A gente chamava de Cine Praça. Aninhávamos no chão de paralelepípedos para viajar nos filmes de cowboys e do Tarzan. Conheci quase todos os filmes de Tarzan, sendo frequentador do cinema na praça. Quando enjoávamos de ver no lado certo, íamos para trás da tela e assistíamos os filmes ao contrário, inclusive as legendas, já que sabíamos muitas películas décor.

O cinema quase acabou um dia — acho que muitas vezes o cinema quase acabou, como quiseram dizer do rádio também. Tudo acaba por culpa de algo que sucede e pensam ser melhor. Com o cinema e o rádio, a culpa era da televisão. Era, mas não foi. Que nada! O cinema resistiu pelo glamour, exuberância e se aprimorou. O Netflix, por exemplo, é uma evolução do cinema que foi parar dentro de casa, sem cheiro de pipoca.

Mas, recentemente, vi o filme "Cine Holliúdy" de 2013. Gostei muito. O filme deve ser visto com legenda, inclusive, com tantos termos e um dialeto desconhecido por nós sulistas. Você por um acaso sabe o que é "Ispilicute"? Fui pesquisar do que se tratava, e conversando com outra pessoa que também viu o filme, descobri: "Ispilicute" quer dizer bonitinha, faceira, exibida, vaidosa. Assim como "Forró" veio do "For All", o termo "Ispilicute" também  veio do inglês, e quer dizer, na raiz: She´s pretty cute.

Mas, voltando ao que ia dizer. O filme é a história de um sujeito que, junto com sua mulher e filho, resolve desbravar o sertão do ceará, passando seus filmes para a população da cidade, antes da chegada da televisão. No fundo, ele teme que a vinda da televisão ao seu "país", e principalmente no seu sertão, acabe com a magia do cinema. A verdade é, o filme ambientado em 1970, já existia muitos aparelhos de televisão por aí. O cinema, na sua rasa concepção, era insubstituível. Quem irá contar suas histórias depois? E os golpes mortais de Bruce Lee?

Voltei ao velho Palácio, do meu Bang-bang à italiana, para terminar essa viagem.  Passei na calçada em frente, outro dia, e resolvi entrar para ver. Alguém poderia achar que eu estava buscando meu carro. Não! Eu estava buscando a tela, o projetor, as cadeiras, a bilheteria, a galeria, o foyer, a bombonière, o lanterninha. Não havia mais nada. Havia ainda o piso ainda inclinado (enrugado pelas rodas dos automóveis) e as colunas agora sem alma. Olhei para a parede do fundo e imaginei. Então, parecia que brotavam de seu reboco, os fantasmas de Clark Gable, Vivien Leigh, Johnny Weissmuller, Maureen O'Sullivan, Giuliano Gemma... Eles estavam todos ali ainda — imaginei. 

O cine Palácio se desfigurou como roupa velha e desbotada que se põe depois para lustrar os móveis. Senti ali como o personagem do filme que citei acima: sem ação, abatido ao ver os cinemas fechando as portas para suas calçadas. Agora ele é só um Titanic profundo de saudade: naufragado, incrustado e enterrado no fundo mar. São memórias, entende? Tão somente memórias.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Maio de 2015

segunda-feira, 25 de abril de 2011

As atrizes


Marilyn Monroe - 1947 (21 anos)

“Com tantos filmes
Na minha mente
É natural que toda atriz
Presentemente represente
Muito para mim”

Com estes versos, meu compositor favorito – desde os 14 anos – completa a letra da canção “As atrizes”. Falo, é claro, de Chico Buarque. Em 2006, ele escreveu esta canção que se confunde, no tema, com outra de sua autoria, do mesmo ano “Ela faz cinema”. Quando acompanhava os programas especiais feitos pela extinta Directv, lembro que Chico compôs esta música, um tanto meio “preguiçosa”, só para fazer parte daqueles programas e porque estava no contrato: uma música nova por programa. Não desmerecendo a canção, é claro. Mas, como tudo tem uma história que justifique, ele contou que somente no cinema francês era possível ver mulher nua; mulher saindo da banheira se enrolando numa toalha, aquela coisa bem rápida. Até então, o cinema americano não havia descoberto a nudez e sensualidade, numa forma comercial de atrair público. Outros tempos.

Aos meus amigos, confesso sempre que não me sinto atraído pelas  atrizes nacionais, quando vão parar na telona. Tenho dispensado os filmes nacionais, independente de quem atua. Penso que essas atrizes, nunca fogem do rótulo massante que encarnam nas novelas globais. Pode até ser cisma minha, ou preconceito. Nós não temos atrizes só de cinema, infelizmente. Mas, no cinema hollywoodiano (como disse Antonio Bandeiras: Hollywood hoje é só uma marca e não mais uma indústria cinematográfica) tem uma penca delas que me vem à cena. Citaria as atuais, carregadas de beleza e talento, Kate Winslet, Julia Roberts, Angelina Jolie; e outras das antigas: Joan Crawford, Bette Davis, Audrey Hepburn, Elizabeth Taylor, Jane Fonda e, é claro, Marilyn Monroe.

Na década de 1950, 10 entre 10 homens eram fascinados pela estonteante Marilyn Monroe. Eu também fiquei – embora nem houvesse nascido quando ela estourou nas telas. Estou lendo agora o livro “A vida secreta de Marilyn Monroe” – J. Randy Taraborrelli (2010). Por ser um livro extemporâneo - sem a menor pretensão de tirar proveito de sua morte, como ocorreu na ocasião -, carrega em si um monte de verdades, com dedos nas feridas e fatos minuciosamente relatados sobre a vida de Marilyn. Da triste infância até o estrelato e passando pelas suas doenças psicológicas. Verdades, sim, porque muito do que se falou dela eram histórias inventadas – até por ela mesma. Ela tinha esta coisa de inventar histórias sobre sua vida, até para tirar proveito na carreira. Quando alguém descobria a verdade, ela voltava atrás, sem sair do tom, dizia o que de fato se passou e justificava porque mentiu. Frank Sinatra, seu amigo, dizia: ela sempre conseguia fazer do limão uma limonada...

A pretexto da sua vida e da atriz que sempre desejou ser – ela era muito dedicada em tudo que fazia –, comecei, já faz um tempo, e não terminei ainda, de escrever um texto falando dela. Parei no meio, confesso, para respirar e ter fôlego; as histórias do livro têm me fascinado, mudando palavras e encontrando outro sentido para descrevê-la. Agora com a atriz também; sem me ater somente ao mito que carrega seu nome. Ela era radical e queria ser uma grande atriz, e para isso usou de tudo, inclusive o seu maior triunfo: a beleza. Foi assim, até a sua morte. O texto estará aqui no início de junho, prometo, quando ela completaria 85 anos.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / abril de 2011.