O cristianismo prega que encontraremos a felicidade plena no Reino de Deus. E onde está o Reino dos Deus? Fui lá conferir: O Reino de Deus não virá de modo ostensivo. Nem dirá: Ei-lo aqui; ou Ei-lo ali; Pois o Reino de Deus está dentro de vós. (Lc 17, 20-30). Aqueles fariseus não entenderam nada e muitos de nós (cristãos) ainda continuamos a não entender patavina do que disse o Cristo. Depois dessa inferência secular, poderia parar de escrever por aqui. Perdeu a graça em dizer que encontrei a receita da felicidade e ela está no livro dos livros; ou para outras crenças: nas alquimias, nos chás, na bula do prozac, no horóscopo, num pergaminho escondido no críptex, ou num baú secreto cuja chave foi lançada ao mar. Nada! Não há chave, não há baú, nem segredo. Há sim, nossas vidas e o modo de como queremos que ela prossiga daqui em diante, com ou sem amor. Continuemos a olhar para fora, ou vamos ao encontro da nossa espiritualidade?
A busca do externo, do exibicionismo, do materialismo, do consumismo, da satisfação nas coisas que o mundo oferece, faz muitos de nós sentirmos este vazio interior. O que falta para sermos felizes plenamente, se já provamos de tudo? Partindo desse engodo, já numa forma de desespero, acreditamos então que só seremos felizes quando alguém nos trouxer a felicidade a nossa porta. Como se tudo fosse uma mercadoria a delivery. Esta é nossa última cartada. Exigimos e aguardamos. Traga-nos uma porção. Não! Queremos uma quantidade farta que é para durar a vida toda. Ok?!
Pode ser que eu não esteja falando com você, mas isso é o que a maioria das pessoas busca. Anseiam nas suas relações interpessoais, que a outra pessoa a faça feliz. Esperam do outro e nada fazem por si, e para si. Faz parte do requinte que a pessoa escolhida, além de todos os outros atributos (ser príncipe ou princesa), traga ainda a felicidade no seu caminhão de mudanças. Depois do beijo no altar eles irão agora requerer seus direitos num casamento: a felicidade do outro. E se houver falhas nas suas atribuições um irá cobrar o outro e tudo caminhará para um divórcio bem rápido; e somente mais tarde, depois de algumas visitas ao analista, irão perceber que não há dívida de felicidade com ninguém. Querer sugar a felicidade alheia, é exigir além das fronteiras das relações humanas, mas muitas pessoas pensam, vivem e agem assim.
“É impossível ser feliz sozinho”, na música de Tom Jobim este é o verso mais comentado e propagado por aí. Tem outro de Vinícius de Moraes também: “mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão”. A música, a poesia tem a licença para dizer o que vier e tudo fica permitido, mesmo que seja uma receita que não se aplica na vida real. Assim, quem quiser acreditar nessas frases poderá concluir que a solidão é sinônimo de infelicidade. Entretanto, a solidão quando sofrida — e não sentida —, poderá trazer a infelicidade sim, mas ela não é determinante. Vou mais fundo.O que de fato é estar sozinho? Estar sozinho é ausência de companhia, de abandono e não falta de felicidade. Vasculhei nos dicionários de sinônimos e não há menção da ausência de felicidade para a palavra solidão. O pior abandono que causamos a nós é o abandono da alma; e uma vez instalado esse vírus, ali começará brotar a infelicidade — a erva daninha. É quando perdemos o foco e a referência, num sinal fatídico de se olhar no espelho e não se ver – nossa alma e tudo esvaecem.
Pode ser lugar comum o que vou dizer, mas não existe a vida totalmente feliz, e aqui, aonde viemos aprender, não existe felicidade plena. Por isso, necessitamos aprender a exercitar e expelir nossas emoções: as boas e as más; mais cedo ou mais tarde iremos precisar desprendê-las quando tivermos que encarar a realidade dos fatos. Não há vida sem luta e para isso há que se ter coragem para viver. O sofrimento, a dor são imputáveis à vida, assim como a felicidade. Não poderemos evitar nunca o sofrimento e a dor, as noites tempestuosas virão, com certeza, mas poderemos ansiar e permitir a felicidade sempre. Isto sim. Quando vivemos algum drama na nossa vida, somos aconselhados a fugir, fazer as malas numa viagem para esquecer. Sem notar que todas as nossas dores vão junto com as malas. Quem sofre com alguma dor, deve viver isso como se vive o amor na sua plenitude. Nunca devemos fugir dos nossos sentimentos.
Para saber até que ponto o dinheiro compra a felicidade, uma pesquisa recente nos EUA, com mais de 450 mil pessoas, constatou que para ser feliz o importante não é ser rico, mas sim não ser pobre. A verdade, é que as dificuldades de acesso aos bens de primeira necessidade desencadeiam fatores de ordem física, psíquica e emocional — trazendo a infelicidade. Respondendo à pesquisa, a grande maioria que está feliz ou vivendo momentos felizes encontrou na religião (qualquer delas) a sua maior causa; já a infelicidade, está mais atrelada à solidão, e esta, com certeza, já numa forma de sofrimento, de abandono da alma.
O ser humano é uma máquina de queixumes. Não bastasse o corpo, que com o tempo dará sinais de cansaço e dores, as pessoas se queixam também das dores da alma — ainda na juventude. Gostaria que essas pessoas que vivem a reclamar da vida, olhassem para dentro dela e enxergassem os tantos motivos que têm para dar felicidade a si. Quiçá, uma visita à ala de pediatria de um hospital de câncer mudasse seu comportamento, com mais resignação. Iriam se queixar menos e amar a vida que tem. O melhor remédio para dor é o amor. Por outro lado, encontraremos poucas pessoas que irão dizer: EU ENCONTREI A FELICIDADE. A felicidade dá medo até de dizer que se tem, ficamos com a sensação que irá fugir a qualquer momento e não encontraremos mais o fio da meada. Dá medo de ser feliz. Ou, por um instante, nos perguntamos: mas isso que é a felicidade? Duvidamos dela. E como numa frase que li: “o medo da felicidade está na raiz de todo pensamento supersticioso: estando bem, nos sentimos ameaçados e nos protegemos batendo na madeira”.
O filme “O Divã” — 2009 traduz bem esta conversa aqui. A personagem vivida por Lilia Cabral é daquelas mulheres mais do que comum: casou, criou filhos, vida modesta e em paz. Durante uma sessão de psicanálise percebe que sua vida falta algo, um sentimento de incompletude a toma conta. Então, ela resolve viver aventuras amorosas e perigosas. Em consequência, rompe o casamento de anos e cai na vida. O fato, é que a terapia a traz para a realidade, e ela se descobre ao olhar para dentro da sua vida — vivida e escolhida. A frase final dita por ela sintetiza tudo: “Se tive problemas um dia, não foi por falta de felicidade. Ah, não foi mesmo”.
Acender um fósforo numa noite fria irá aquecer somente o minúsculo inseto ao redor da chama, e tão logo se apagará; mas acender uma lareira no canto da sala irá aquecer a casa e as pessoas que ali moram. O amor é o fogo duradouro da lareira, que devemos manter aceso para encontrarmos o caminho da felicidade. Os que acendem a fogueira do amor, irão se aquecer ao seu redor e viver mais felizes. Há aquelas pessoas que passaram a vida toda buscando a felicidade sem encontrar, mas na verdade, viveram nela a “não felicidade”: a negação da sua presença em muitos momentos da vida. Essas pessoas amarguradas, birrentas e de mal com o mundo são puramente ocas, incompletas e terminam sozinhas — o tempo já se foi. Quem não quiser chegar ao final de sua jornada assim, ainda há tempo para abrir as portas do coração e deixar forjar o amor na espiritualidade e por fim a felicidade — tudo na mesma fornalha. E quando a vida um dia lhe questionar, poderá dizer: se tive felicidade um dia, foi porque vivi muito o amor.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / setembro de 2010.