Você
pode se perguntar: Por que os idosos estão nas redes sociais e nas manifestações
de rua, pedindo por um país melhor, sendo que eles nem alcançarão esse futuro? Por que eles não deixam essa luta para os mais novos?
Fazendo aqui um ensaio, tenho para mim que a luta está na alma, é por vício mesmo. Muitos deles vieram de uma geração onde se ia à escola pública de pés descalços, com apenas um caderno, um lápis e muita esperança estampada nos olhos. Naqueles tempos de escassez e carestia, o prato de comida era sagrado e se comia o que era posto à mesa. Em tudo mais havia luta.
Fazendo aqui um ensaio, tenho para mim que a luta está na alma, é por vício mesmo. Muitos deles vieram de uma geração onde se ia à escola pública de pés descalços, com apenas um caderno, um lápis e muita esperança estampada nos olhos. Naqueles tempos de escassez e carestia, o prato de comida era sagrado e se comia o que era posto à mesa. Em tudo mais havia luta.
Muito
diferente das gerações que vieram a partir dos anos 80 (geração Y). A eles já não foi
dada nenhuma tarefa árdua de sobrevivência. Eu os chamo de geração que separa-cebola-no-prato. E, como disse meu irmão, não sabem descascar nem uma laranja. Foram
acostumados a receber tudo mastigado, pronto para consumir: carro esperando na porta da
escola, roupas de lojas, smartphones, Big Mac, etc. Tudo sem precisar dar nada
de si.
Ali,
já na minha segunda infância, lembro quando eu dormia num quarto com mais três
irmãos. Nas noites torrenciais, eu era acordado para arrastar minha cama da
parede, porque ali havia uma goteira (pontual, insistente e criada), de escorrer
água pelo reboco. No dia seguinte, o quarto estava inundado.
Nunca
me senti ultrajado pela goteira, em particular; nem depreciava a fragilidade das
telhas, dos caibros e da cumeeira por não suportarem a água daninha; ela só era insurgente, pior que a própria torrencial
que despencava lá fora. Sem ninguém me dizer nada do que era preciso ser feito,
enfrentei outros monstros: a miséria, a cegueira da ignorância e tudo que me
avizinhava. A luta dos que estão velhos.
(O que nos humaniza são nossos fracassos, já disse o filósofo.)
Hoje,
minhas noites torrenciais são quase silenciosas ou mudas, numa doce sinfonia com
meu sono. Precisei, no entanto, anos para dormir como nunca dormi na infância, sem medo do espectro. E minha cama
não precisa mais sair do lugar.
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e
cronista /abril de 2020