Estou em janeiro de 2016, mas 2015 parece um ano rastejante, que não se desgruda feito uma gosma; um ano que acho que não terminou mesmo (dentro de nós). De soslaio, vi naquelas matérias tolas de esperanças e promessas de novo ano, uma reportagem dizendo que a cor amarela dominou a noite de réveillon por aí. Por que o amarelo? O país está numa crise e as pessoas desejam dinheiro mais que a paz em 2016; por simpatia, a cor amarela representa o dinheiro. A crise, no entanto, é mais que financeira e falta de dinheiro; ela é política, existencial, moral, cívica. Mas isso é outro assunto...
Introduzindo a conversa aqui, lembrei agora da frase de um amigo microempresário: "não precisamos de muito dinheiro para viver". Ele é dono de uma pequena empresa metalúrgica que tenta se estabelecer no mercado, como qualquer um que paga impostos altíssimos ao governo; este, por sua vez, só quer destruí-lo, não quer vê-lo triunfar, porque isso fomenta o capitalismo selvagem (?). Modestamente, ele não quer ser grande, mas também não despreza o pouco conforto, com algum dinheiro. E por isso luta todos os dias.
O dinheiro move o mundo, as pessoas, os aviões, o poder. (Só não move ainda montanhas.) Sem o dinheiro não haveria negócios, razões e meios de viver, relacionamentos, compromissos, metas, famílias e amor. O capitalismo, pecado desse "mal", não é antagonismo do socialismo (do anti-dinheiro), mesmo porque um é política econômica e o outro é uma forma política de governo baseado em igualdade, sem lucros. Onde? Em que planeta é possível isso? Outro assunto a se debater. Por ora, o capitalismo triunfa, até por que sustenta o falso socialismo.
Minha lista de filmes no Netflix está gigante. Mas, por ordem, vi recentemente uma comédia de 2000 muito boa: "Trapaceiros" (Small Time Crooks) de Woody Allen. A história de Ray, um ex-vigarista (existe?) que amargou dois anos de prisão, e lá ficou conhecido como "Brain" (o cérebro), por suas ideias fantásticas. Agora, livre, mas cansado da sua infame vida nova-iorquina, ele tem um plano diabólico para se tornar rico e viver em Miami (tudo que sonha). Ray descobre que a poucos metros de uma agência bancária em Nova York há um ponto comercial para aluguel. Ele planeja alugar aquela loja, como fachada, e a partir dali cavar um túnel até o cofre do banco. O problema é convencer sua mulher Frenchy, a bancar os seis mil dólares de investimento inicial. Depois de reunir alguns comparsas, ele consegue convencê-la do plano. Mas o que ele vai usar como fachada? Pensou, pensou... Já que sua mulher faz biscoitos muito bem, eles decidem abrir a "Sunset Cookies", uma loja especializada em biscoitos caseiros. Tudo fachada. O problema (ou a sorte) é que o negócio dos biscoitos começa a prosperar mais que seu plano diabólico.
Bem, um ano depois de sua tentativa frustrada de entrar no cofre do banco, eles ficam milionários com os biscoitos de Frenchy. Aí, aquela vida que Ray sonhava (viver modestamente em Miami, com o dinheiro roubado) começa a perturbá-lo. Frenchy vicia na arte da riqueza e começa a querer entrar para a high society, que eles nunca frequentaram, por terem sido pobres. O contraponto é que eles não têm gosto apurado, são bregas no modo de se vestir e decorar a casa. Então, ela contrata David, um estilista rico que vai conduzi-la a esse mundo de glamour, sem dar vexame: frequentar óperas, bons restaurantes, conhecer vinhos são umas de suas aulas. Até o dia que Ray se cansa daquela vida (ele queria roubar para ser modesto com grana) e resolve se separar dela, deixando-a com a fortuna. Assim, ele volta a pensar em outro plano para ser rico a sua maneira. A história atrapalhada e hilariante não termina aí, mas já dá para perceber como eles se reencontram novamente. Exatamente: pobres.
O ditado bocó, consolador e anticapitalista é que "o dinheiro não traz (compra) felicidade". E assim vamos nos sustentando num mundo consolado por esse discurso, que a felicidade está em outro ponto. Com pouco, e como Ray, pensar em uma vida modesta com algum dinheiro. A verdade é: o dinheiro abre portas e caminhos, até mesmos aqueles que você não planejou. O ponto é saber se você quer seguir por ele ou permanecer no seu mundo, sem precisar ter aulas de etiquetas e frequentar jantares inteligentes com gente chata. Ou seja, você só precisa de dinheiro para a felicidade não ir embora fácil.
De todo modo, Ray não estava errado no seu modo de pensar (viver modestamente em Miami, com o dinheiro roubado). Mas ter dinheiro sem usar para além da simples felicidade, também fará cair numa depressão existencial. E quem se importa com a felicidade? Exatamente, todo mundo que pensa que o dinheiro não a compra. Quem tem dinheiro, não se preocupa com aquilo que já tem, porque vem de graça. Sua vida tem outras coisas mais interessantes e compensadoras a buscar com o dinheiro. Conhecimento, por exemplo.
A civilização do espetáculo, descrita por Mário Vargas Llosa, no seu livro homônimo, aborda esse mundo que agora habitamos. Sob a tutela da ostentação como um modo de vida. Tudo tem que parecer importante e espetacular aos olhos dos espectadores. Não basta ter, você tem que parecer que tem. Você é um fingido o tempo todo. Ostenta que está em Paris (quando está no Aeroporto de Guarulhos), ostenta um carro novo, ostenta seu Iphone última geração. Você finge felicidade o tempo todo. Não, eu não tenho inveja de quem ostenta sua vida nas redes sociais. Aquilo que me causa inveja não tem ostentação, porque não se inveja sabedoria, conhecimento, aprendizado, alta cultura. Ninguém ostenta amigos verdadeiros. Porque ser sábio e ter amigos verdadeiros é banal para essa civilização. Não existe casal perfeito só porque existe dinheiro partilhado entre eles. A relação se sustenta por algo maior que vem com o crescimento do intelecto.
O filósofo, muitas vezes citados aqui por mim, Luiz Felipe Pondé, dedica um capítulo do seu livro "Contra o mundo melhor", ao dinheiro. E o que diz Pondé? Que o dinheiro compra felicidade:
"A triste verdade é que dinheiro compra sim felicidade. De modo mais banal, compra férias, qualidade de cotidiano, bons médicos, segurança, casas em ruas com árvores, escolas decentes, conversas mais doces, filhos mais saudáveis, momentos de sensibilidade sofisticada. Dinheiro deixa as mães dos seus filhos sorridentes e generosas no sexo."O dinheiro compra felicidade. E daí? De que adianta o dinheiro e a felicidade sem o conhecimento? De que adianta ter dinheiro e ir para Miami pensando no dólar baixo para compras, sem se resvalar na cultura do país? O dinheiro serve para muita coisa e muito mais quando é administrado para ter conhecimento. A felicidade para quem não tem dinheiro é lampejo e se esfacela, mas o conhecimento adquirido irá consigo por toda vida. Posso ter conhecimento sem ter muito dinheiro, tampouco posso ter momentos felizes sem muito dinheiro.
O que não se obtém mesmo é conhecimento quando se tem miséria de dinheiro e intelectual. A falta de conhecimento faz de pessoas tolas seres subjugados, apreendidos intelectualmente por ditaduras e gente que sabe mais dele do que ele mesmo. O que importa, então, é ter conhecimento, porque com isso desbravaremos horizontes, derrubando ditaduras e entenderemos as ausências dos dias festivos de felicidade. Entenderemos que é hora de lutar por uma vida melhor, e de atravessar o deserto, sem descuidar do caminho, na esperança (com conhecimento da vida) que haverá dias de sol a brilhar. O desprezo pelo conhecimento só serve ao autoritarismo.
Concluo. Com pouco dinheiro você compra algo melhor que a felicidade; com pouco dinheiro você obtém conhecimento e sabedoria. De posse, você irá entender melhor os caminhos e descaminhos da vida; irá aprender as culturas, se ver nos ambientes e, por que não, como se comportar em jantares de gente chique também. O melhor de tudo é que, depois de toda aspiração desse saber, nem mesmo a tristeza irá impedir você de prosseguir. O casal do filme não pensou nisso. Um queria se servir do dinheiro e o outro queria ser servido ao dinheiro. Mas se pensassem em aprendizado com dinheiro, que graça teria em assistir, né?
Como disse Nelson Rodrigues: "dinheiro compra até amor verdadeiro".
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Janeiro de 2016