Faz alguns meses, o Tribunal Constitucional da
Alemanha (uma espécie de STF de lá) negou a um casal o direito de ter relação
sexual com animais. Aquilo que já podemos nos acostumar a dizer (e chamar) por
aqui de zoofilia. Eles afirmaram que se sentiam, sim, atraídos por bichos.
O cineasta Woody Allen já retratou uma fantasia
sexual humana/animal no filme "Tudo que você sempre quis saber sobre sexo,
mas tinha medo de perguntar" (1972). As comédias disfarçam as
realidades, supondo que aquele comportamento não existe, é tudo ficção. E,
apesar de parecer bizarro, rimos por algo tão absurdo. Mas, nesse caso,
infelizmente, existe. Na mente de algumas pessoas, o sexo é um poço escuro, um
abismo profundo e inesgotável de fantasias e permissividade.
Mas voltando ao caso do casal alemão. Ao leitor
leigo pode parecer um absurdo, uma violência, algo fora do propósito uma
reivindicação dessas, mas na Alemanha já havia uma lei irrestrita até 2013.
Direitos que pensaríamos não ver num mundo ocidental, ainda sob o olhar
reticente de moral e ética que nos guia e nos move, e depois sob crenças e leis
civis e religiosas. Alguns países, como a Finlândia e a Romênia, ditos
"avançados", ainda permitem esse tipo de relação sexual. Outros
têm abolido. Ainda bem.
Agora, recentemente, o papa Francisco foi alvejado
por críticas de várias partes do mundo por ter dito: “Quantas vezes vemos
pessoas que cuidam de gatos e cães e depois deixam sem ajuda o vizinho que
passa fome?”. E ainda acrescentou: “Não se pode confundir com a
compaixão pelos animais, que exagera no interesse para com eles, enquanto fica
indiferente perante o sofrimento do próximo”.
Esse posicionamento, bem colocado, por sinal, põe o
mundo católico (e cristão) contra a parede e de volta à sua realidade: Quem
vale mais aos olhos de Deus? As coisas têm extrapolado o razoável, sim. A
Terra, ao qual o papa crê, foi dada por Deus ao homem; dela ele se nutre e é
soberano sobre as demais criaturas (Encham e subjuguem a terra! Dominem
sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se
movem pela terra - Gênesis 1-28). Francisco é o papa da sua igreja, dos
homens e não de cães e gatos. Quem não gostou, se sentiu ultrajado e no direito
de inquirir o Sumo Pontífice, porque abnega sua existência e não vê problema
nenhum em colocar o homem e as demais criaturas na mesma escala de valores. O
papa e eu não pensamos assim.
A verdade é: vivemos uma crise de religiosidade (de crença) no
mundo. Enquanto o
Oriente nos assusta com seu fanatismo religioso atroz, o Ocidente abole Deus da
sociedade e de suas decisões. Sem Deus, perdemos as fronteiras das zonas
limítrofes da vida humana. Lembrando que, na sociedade ocidental, que nos
trouxe até o século XXI, Deus, por muitas decisões tomadas, foi o pêndulo que
pôs nossas estruturas morais e condutas na retidão da justiça; assim também, no
caminho de uma vida regida por uma moral e ética sem abusos e ambiguidades.
Fora dessa moral e ética (sem o olhar de um criador), poderemos fazer as
maiores atrocidades sem medo do nada, porque nada nos impede e nada nos punirá
de fazer tudo. Assim, como agem os loucos, os revolucionários, os criminosos e
psicopatas.
A partir do iluminismo (século XVIII), a Europa
rompeu as bases e poder da igreja inserida e reinante, e se guiou só sob a luz
da razão, do pensamento humano. Robespierre, depois de decapitar a monarquia
francesa, ousou alterar o calendário e criar seu próprio deus: a razão. Acabou
condenado à guilhotina, pelo mesmo tribunal onde discursava eloquente em nome
do povo. Poder demais leva o homem a delírios e a criar novos deuses ou se
sentir ele próprio.
O homem contemporâneo tem encontrado na ciência e em
outras crenças — de espiritualidade rasa — um modo de substituir Deus (sagrado
das escrituras) da sua vida, e assim tem feito. Quanto mais poder e controle
obtêm da vida, mais distante ele ficou do sagrado, do sobre-humano. O notório
homem, que hoje tem domínio e mais conhecimento do mundo (distâncias,
tecnologia, astronomia, medicina e a longevidade para desfrutar) vai tornando
Deus como algo cada vez mais sem sentido na sua vida. — Eu já tenho a vida que
me permito com o tempo que eu quero ter — pensa. Longe de Deus, o mundo estará
também distante da própria raiz humana. Está aí a similaridade que nos coloca
igual a outros animais.
Essa pseudo soberania humana, tem sabotado e nos
empurrado cada vez mais para dentro de um egoísmo sem trégua. Apartado da
sociedade, o homem caminha só com seu Smartphone por ruas sem norte. Nossos
antepassados têm mais a nos ensinar que esse fraco e egoísta homem de hoje, já
nos disse o filósofo Luiz Felipe Pondé. Mas deles [pré-históricos] perdemos o
pouco do contato; e cada vez mais longe das origens e matrizes o mundo se
encurrala.
Enquanto a Europa perde esse foco do mundo, os
fundamentalistas religiosos do islamismo avançam sobre o Ocidente, tomando seus
espaços, procriando, afrontando suas leis e costumes em imposição dos seus.
Eles têm a ânsia de vingar suas crenças com a desculpa que seu deus os quer assim:
aniquilando os infiéis. (Uma guerra já milenar.) O mundo Ocidental se aquieta,
se acovarda e se curva por não saber lidar com um tipo de moral e ética
que eles não dominam. A vida é morte e vice e versa. Como confrontar com quem
não tem medo de nada?
Observe, por exemplo, como a taxa de natalidade no
Ocidente é decrescente, não só na Europa, mas também nas Américas. É mais fácil
criar cães e gatos do que ter filhos que dão trabalho, precisam ir à escola;
depois a escola é cara; os jogos de vídeo games e celulares, nem se falam. Além
disso, há outras preocupações de insegurança e futuro. Cães e gatos são só dar
banhos em pet-shops e receber carinho. Não precisa de sermão e educação.
(Não falo aqui daqueles que, por circunstâncias da
vida, não formaram suas famílias com filhos).
Menos natalidade desencadeia outros costumes e
formas de convívio. É alarmante o número de pet shops que hoje temos por aí;
mais que clínicas pediátricas. Contudo, a indústria do cuidado animal se
agiganta e fortalece com esses mimos. A cegueira coletiva, que compara o homem
ao bicho, toma grandes proporções. (Não que devemos desprezar e maltratar os
domésticos, óbvio. Longe disso. O tempo da carrocinha e do sabão já passou).
O que falo é da humanização insana, desenfreada,
descabida e substituída. Por carência e espiritualidade fraca ou ausente, nos
afugentamos do olhar divino, desencontrando o homem da sua existência; um
desligamento de céu e terra, de corpo e alma. O homem já não tem importância e
dele nada se espera mais; somos todas criaturas iguais de mesma germinação.
Olhe para você e veja se não está nesse pensamento.
Uma amiga, que trabalha num desses pets shops, me
relatou que, há uma quantidade grande de animais (cães e gatos), que chegam à
sua loja, abusados sexualmente. Como no relato inicial, por uma atração doentia
ou pelo direito de transar com bichos, não se trata tão somente de um amor por
troca de carinho e companheirismo, mas do que vai além disso. O animal virou
propriedade e desfrute, e com ele pode-se fazer tudo, até sexo. Algo que já se
tornou uma doença.
Às vezes, assusto algumas pessoas, quando digo que,
daqui alguns anos, iremos ver em nossas novelas a figura do pedófilo como um
doente oprimido, e com todo mundo comovido de dor e lágrimas nos olhos na
frente da TV. As pessoas praguejam, mas isso caminha para uma realidade. Na
década de 1970 também os beijos em novelas eram um absurdo (quando era para ser
técnico e ele se tornava verdadeiro, com línguas). Fato esse totalmente
comprovado por mim, quando acessei o acervo da revista Veja da década de 1970.
Uma matéria relata de um abaixo-assinado de donas de casa paulistana,
repudiando e achando os beijos em novela um absurdo. O que pensariam essas
senhoras de outrora se soubessem que hoje as novelas têm beijo gay?
Você pode chamar isso de tudo, mas não de avanço e
progresso da humanidade. (Pode me chamar também de retrógrado e piegas). Não há
progresso em nada disso. Falo isso, porque se a sociedade continuar cada vez
mais se afundando em doenças de espírito (regredindo para esse lado), nós
veremos, um dia, a zoofilia com bons olhos no horário nobre da TV. Aplaudiremos
o bizarro, o inimaginável. Em nome de um direito sem o freio moral.
Vivemos uma crise espiritual e religiosa não
diagnosticada. Quando o homem perde o sentido do sagrado, perde também o
sentido em si mesmo, da sua existência. Tudo fica parecendo igual se colocado
no mesmo prisma; numa visão horizontal, como se tudo aquilo que respira sobre a
Terra tivesse a mesma significância. Sem privilégios, escolhas, domínio, força,
valores e sem Deus.
Se você julga que a vida do Aedes aegypti, de um
cãozinho, de um leão do Zimbábue e de um feto humano tem o mesmo valor,
desculpa, mas sua doença não se cura no consultório médico.
© Antônio de Oliveira / arquiteto,
urbanista e cronista / Maio de 2016