BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)
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quarta-feira, 18 de maio de 2016

A crise de espiritualidade


Faz alguns meses, o Tribunal Constitucional da Alemanha (uma espécie de STF de lá) negou a um casal o direito de ter relação sexual com animais. Aquilo que já podemos nos acostumar a dizer (e chamar) por aqui de zoofilia. Eles afirmaram que se sentiam, sim, atraídos por bichos. 

O cineasta Woody Allen já retratou uma fantasia sexual humana/animal no filme "Tudo que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar" (1972). As comédias disfarçam as realidades, supondo que aquele comportamento não existe, é tudo ficção. E, apesar de parecer bizarro, rimos por algo tão absurdo. Mas, nesse caso, infelizmente, existe. Na mente de algumas pessoas, o sexo é um poço escuro, um abismo profundo e inesgotável de fantasias e permissividade.

Mas voltando ao caso do casal alemão. Ao leitor leigo pode parecer um absurdo, uma violência, algo fora do propósito uma reivindicação dessas, mas na Alemanha já havia uma lei irrestrita até 2013. Direitos que pensaríamos não ver num mundo ocidental, ainda sob o olhar reticente de moral e ética que nos guia e nos move, e depois sob crenças e leis civis e religiosas. Alguns países, como a Finlândia e a Romênia, ditos "avançados", ainda permitem esse tipo de relação sexual.  Outros têm abolido. Ainda bem. 

Agora, recentemente, o papa Francisco foi alvejado por críticas de várias partes do mundo por ter dito: “Quantas vezes vemos pessoas que cuidam de gatos e cães e depois deixam sem ajuda o vizinho que passa fome?”. E ainda acrescentou: “Não se pode confundir com a compaixão pelos animais, que exagera no interesse para com eles, enquanto fica indiferente perante o sofrimento do próximo”.  

Esse posicionamento, bem colocado, por sinal, põe o mundo católico (e cristão) contra a parede e de volta à sua realidade: Quem vale mais aos olhos de Deus? As coisas têm extrapolado o razoável, sim. A Terra, ao qual o papa crê, foi dada por Deus ao homem; dela ele se nutre e é soberano sobre as demais criaturas (Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra - Gênesis 1-28). Francisco é o papa da sua igreja, dos homens e não de cães e gatos. Quem não gostou, se sentiu ultrajado e no direito de inquirir o Sumo Pontífice, porque abnega sua existência e não vê problema nenhum em colocar o homem e as demais criaturas na mesma escala de valores. O papa e eu não pensamos assim. 

A verdade é: vivemos uma crise de religiosidade (de crença) no mundo. Enquanto o Oriente nos assusta com seu fanatismo religioso atroz, o Ocidente abole Deus da sociedade e de suas decisões. Sem Deus, perdemos as fronteiras das zonas limítrofes da vida humana. Lembrando que, na sociedade ocidental, que nos trouxe até o século XXI, Deus, por muitas decisões tomadas, foi o pêndulo que pôs nossas estruturas morais e condutas na retidão da justiça; assim também, no caminho de uma vida regida por uma moral e ética sem abusos e ambiguidades. Fora dessa moral e ética (sem o olhar de um criador), poderemos fazer as maiores atrocidades sem medo do nada, porque nada nos impede e nada nos punirá de fazer tudo. Assim, como agem os loucos, os revolucionários, os criminosos e psicopatas.

A partir do iluminismo (século XVIII), a Europa rompeu as bases e poder da igreja inserida e reinante, e se guiou só sob a luz da razão, do pensamento humano. Robespierre, depois de decapitar a monarquia francesa, ousou alterar o calendário e criar seu próprio deus: a razão. Acabou condenado à guilhotina, pelo mesmo tribunal onde discursava eloquente em nome do povo. Poder demais leva o homem a delírios e a criar novos deuses ou se sentir ele próprio. 

O homem contemporâneo tem encontrado na ciência e em outras crenças — de espiritualidade rasa — um modo de substituir Deus (sagrado das escrituras) da sua vida, e assim tem feito. Quanto mais poder e controle obtêm da vida, mais distante ele ficou do sagrado, do sobre-humano. O notório homem, que hoje tem domínio e mais conhecimento do mundo (distâncias, tecnologia, astronomia, medicina e a longevidade para desfrutar) vai tornando Deus como algo cada vez mais sem sentido na sua vida. — Eu já tenho a vida que me permito com o tempo que eu quero ter — pensa. Longe de Deus, o mundo estará também distante da própria raiz humana. Está aí a similaridade que nos coloca igual a outros animais.

Essa pseudo soberania humana, tem sabotado e nos empurrado cada vez mais para dentro de um egoísmo sem trégua. Apartado da sociedade, o homem caminha só com seu Smartphone por ruas sem norte. Nossos antepassados têm mais a nos ensinar que esse fraco e egoísta homem de hoje, já nos disse o filósofo Luiz Felipe Pondé. Mas deles [pré-históricos] perdemos o pouco do contato; e cada vez mais longe das origens e matrizes o mundo se encurrala. 

Enquanto a Europa perde esse foco do mundo, os fundamentalistas religiosos do islamismo avançam sobre o Ocidente, tomando seus espaços, procriando, afrontando suas leis e costumes em imposição dos seus. Eles têm a ânsia de vingar suas crenças com a desculpa que seu deus os quer assim: aniquilando os infiéis. (Uma guerra já milenar.) O mundo Ocidental se aquieta, se acovarda  e se curva por não saber lidar com um tipo de moral e ética que eles não dominam. A vida é morte e vice e versa. Como confrontar com quem não tem medo de nada?

Observe, por exemplo, como a taxa de natalidade no Ocidente é decrescente, não só na Europa, mas também nas Américas. É mais fácil criar cães e gatos do que ter filhos que dão trabalho, precisam ir à escola; depois a escola é cara; os jogos de vídeo games e celulares, nem se falam. Além disso, há outras preocupações de insegurança e futuro. Cães e gatos são só dar banhos em pet-shops e receber carinho. Não precisa de sermão e educação. 

(Não falo aqui daqueles que, por circunstâncias da vida, não formaram suas famílias com filhos).

Menos natalidade desencadeia outros costumes e formas de convívio. É alarmante o número de pet shops que hoje temos por aí; mais que clínicas pediátricas. Contudo, a indústria do cuidado animal se agiganta e fortalece com esses mimos. A cegueira coletiva, que compara o homem ao bicho, toma grandes proporções. (Não que devemos desprezar e maltratar os domésticos, óbvio. Longe disso. O tempo da carrocinha e do sabão já passou). 

O que falo é da humanização insana, desenfreada, descabida e substituída. Por carência e espiritualidade fraca ou ausente, nos afugentamos do olhar divino, desencontrando o homem da sua existência; um desligamento de céu e terra, de corpo e alma. O homem já não tem importância e dele nada se espera mais; somos todas criaturas iguais de mesma germinação. Olhe para você e veja se não está nesse pensamento.

Uma amiga, que trabalha num desses pets shops, me relatou que, há uma quantidade grande de animais (cães e gatos), que chegam à sua loja, abusados sexualmente. Como no relato inicial, por uma atração doentia ou pelo direito de transar com bichos, não se trata tão somente de um amor por troca de carinho e companheirismo, mas do que vai além disso. O animal virou propriedade e desfrute, e com ele pode-se fazer tudo, até sexo. Algo que já se tornou uma doença. 

Às vezes, assusto algumas pessoas, quando digo que, daqui alguns anos, iremos ver em nossas novelas a figura do pedófilo como um doente oprimido, e com todo mundo comovido de dor e lágrimas nos olhos na frente da TV. As pessoas praguejam, mas isso caminha para uma realidade. Na década de 1970 também os beijos em novelas eram um absurdo (quando era para ser técnico e ele se tornava verdadeiro, com línguas). Fato esse totalmente comprovado por mim, quando acessei o acervo da revista Veja da década de 1970. Uma matéria relata de um abaixo-assinado de donas de casa paulistana, repudiando e achando os beijos em novela um absurdo. O que pensariam essas senhoras de outrora se soubessem que hoje as novelas têm beijo gay?

Você pode chamar isso de tudo, mas não de avanço e progresso da humanidade. (Pode me chamar também de retrógrado e piegas). Não há progresso em nada disso. Falo isso, porque se a sociedade continuar cada vez mais se afundando em doenças de espírito (regredindo para esse lado), nós veremos, um dia, a zoofilia com bons olhos no horário nobre da TV. Aplaudiremos o bizarro, o inimaginável. Em nome de um direito sem o freio moral. 

Vivemos uma crise espiritual e religiosa não diagnosticada. Quando o homem perde o sentido do sagrado, perde também o sentido em si mesmo, da sua existência. Tudo fica parecendo igual se colocado no mesmo prisma; numa visão horizontal, como se tudo aquilo que respira sobre a Terra tivesse a mesma significância. Sem privilégios, escolhas, domínio, força, valores e sem Deus.

Se você julga que a vida do Aedes aegypti, de um cãozinho, de um leão do Zimbábue e de um feto humano tem o mesmo valor, desculpa, mas sua doença não se cura no consultório médico. 

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Maio de 2016

domingo, 26 de setembro de 2010

Encontrei a felicidade

O cristianismo prega que encontraremos a felicidade plena no Reino de Deus. E onde está o Reino dos Deus? Fui lá conferir: O Reino de Deus não virá de modo ostensivo. Nem dirá: Ei-lo aqui; ou Ei-lo ali; Pois o Reino de Deus está dentro de vós. (Lc 17, 20-30). Aqueles fariseus não entenderam nada e muitos de nós (cristãos) ainda continuamos a não entender patavina do que disse o Cristo. Depois dessa inferência secular, poderia parar de escrever por aqui. Perdeu a graça em dizer que encontrei a receita da felicidade e ela está no livro dos livros; ou para outras crenças: nas alquimias, nos chás, na bula do prozac, no horóscopo, num pergaminho escondido no críptex, ou num baú secreto cuja chave foi lançada ao mar. Nada! Não há chave, não há baú, nem segredo. Há sim, nossas vidas e o modo de como queremos que ela prossiga daqui em diante, com ou sem amor. Continuemos a olhar para fora, ou vamos ao encontro da nossa espiritualidade?

A busca do externo, do exibicionismo, do materialismo, do consumismo, da satisfação nas coisas que o mundo oferece, faz muitos de nós sentirmos este vazio interior. O que falta para sermos felizes plenamente, se já provamos de tudo? Partindo desse engodo, já numa forma de desespero, acreditamos então que só seremos felizes quando alguém nos trouxer a felicidade a nossa porta. Como se tudo fosse uma mercadoria a delivery. Esta é nossa última cartada. Exigimos e aguardamos. Traga-nos uma porção. Não! Queremos uma quantidade farta que é para durar a vida toda. Ok?!

Pode ser que eu não esteja falando com você, mas isso é o que a maioria das pessoas busca. Anseiam nas suas relações interpessoais, que a outra pessoa a faça feliz. Esperam do outro e nada fazem por si, e para si. Faz parte do requinte que a pessoa escolhida, além de todos os outros atributos (ser príncipe ou princesa), traga ainda a felicidade no seu caminhão de mudanças. Depois do beijo no altar eles irão agora requerer seus direitos num casamento: a felicidade do outro. E se houver falhas nas suas atribuições um irá cobrar o outro e tudo caminhará para um divórcio bem rápido; e somente mais tarde, depois de algumas visitas ao analista, irão perceber que não há dívida de felicidade com ninguém. Querer sugar a felicidade alheia, é exigir além das fronteiras das relações humanas, mas muitas pessoas pensam, vivem e agem assim.

“É impossível ser feliz sozinho”, na música de Tom Jobim este é o verso mais comentado e propagado por aí. Tem outro de Vinícius de Moraes também: “mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão”. A música, a poesia tem a licença para dizer o que vier e tudo fica permitido, mesmo que seja uma receita que não se aplica na vida real. Assim, quem quiser acreditar nessas frases poderá concluir que a solidão é sinônimo de infelicidade. Entretanto, a solidão quando sofrida — e não sentida —, poderá trazer a infelicidade sim, mas ela não é determinante. Vou mais fundo.O que de fato é estar sozinho? Estar sozinho é ausência de companhia, de abandono e não falta de felicidade. Vasculhei nos dicionários de sinônimos e não há menção da ausência de felicidade para a palavra solidão. O pior abandono que causamos a nós é o abandono da alma; e uma vez instalado esse vírus, ali começará brotar a infelicidade — a erva daninha. É quando perdemos o foco e a referência, num sinal fatídico de se olhar no espelho e não se ver – nossa alma e tudo esvaecem.

Pode ser lugar comum o que vou dizer, mas não existe a vida totalmente feliz, e aqui, aonde viemos aprender, não existe felicidade plena. Por isso, necessitamos aprender a exercitar e expelir nossas emoções: as boas e as más; mais cedo ou mais tarde iremos precisar desprendê-las quando tivermos que encarar a realidade dos fatos. Não há vida sem luta e para isso há que se ter coragem para viver. O sofrimento, a dor são imputáveis à vida, assim como a felicidade. Não poderemos evitar nunca o sofrimento e a dor, as noites tempestuosas virão, com certeza, mas poderemos ansiar e permitir a felicidade sempre. Isto sim. Quando vivemos algum drama na nossa vida, somos aconselhados a fugir, fazer as malas numa viagem para esquecer. Sem notar que todas as nossas dores vão junto com as malas. Quem sofre com alguma dor, deve viver isso como se vive o amor na sua plenitude. Nunca devemos fugir dos nossos sentimentos.

Para saber até que ponto o dinheiro compra a felicidade, uma pesquisa recente nos EUA, com mais de 450 mil pessoas, constatou que para ser feliz o importante não é ser rico, mas sim não ser pobre. A verdade, é que as dificuldades de acesso aos bens de primeira necessidade desencadeiam fatores de ordem física, psíquica e emocional — trazendo a infelicidade. Respondendo à pesquisa, a grande maioria que está feliz ou vivendo momentos felizes encontrou na religião (qualquer delas) a sua maior causa; já a infelicidade, está mais atrelada à solidão, e esta, com certeza, já numa forma de sofrimento, de abandono da alma.

O ser humano é uma máquina de queixumes. Não bastasse o corpo, que com o tempo dará sinais de cansaço e dores, as pessoas se queixam também das dores da alma — ainda na juventude. Gostaria que essas pessoas que vivem a reclamar da vida, olhassem para dentro dela e enxergassem os tantos motivos que têm para dar felicidade a si. Quiçá, uma visita à ala de pediatria de um hospital de câncer mudasse seu comportamento, com mais resignação. Iriam se queixar menos e amar a vida que tem. O melhor remédio para dor é o amor. Por outro lado, encontraremos poucas pessoas que irão dizer: EU ENCONTREI A FELICIDADE. A felicidade dá medo até de dizer que se tem, ficamos com a sensação que irá fugir a qualquer momento e não encontraremos mais o fio da meada. Dá medo de ser feliz. Ou, por um instante, nos perguntamos: mas isso que é a felicidade? Duvidamos dela. E como numa frase que li: “o medo da felicidade está na raiz de todo pensamento supersticioso: estando bem, nos sentimos ameaçados e nos protegemos batendo na madeira”.

O filme “O Divã” — 2009 traduz bem esta conversa aqui. A personagem vivida por Lilia Cabral é daquelas mulheres mais do que comum: casou, criou filhos, vida modesta e em paz. Durante uma sessão de psicanálise percebe que sua vida falta algo, um sentimento de incompletude a toma conta. Então, ela resolve viver aventuras amorosas e perigosas. Em consequência, rompe o casamento de anos e cai na vida. O fato, é que a terapia a traz para a realidade, e ela se descobre ao olhar para dentro da sua vida — vivida e escolhida. A frase final dita por ela sintetiza tudo: “Se tive problemas um dia, não foi por falta de felicidade. Ah, não foi mesmo”.

Acender um fósforo numa noite fria irá aquecer somente o minúsculo inseto ao redor da chama, e tão logo se apagará; mas acender uma lareira no canto da sala irá aquecer a casa e as pessoas que ali moram. O amor é o fogo duradouro da lareira, que devemos manter aceso para encontrarmos o caminho da felicidade. Os que acendem a fogueira do amor, irão se aquecer ao seu redor e viver mais felizes. Há aquelas pessoas que passaram a vida toda buscando a felicidade sem encontrar, mas na verdade, viveram nela a “não felicidade”: a negação da sua presença em muitos momentos da vida. Essas pessoas amarguradas, birrentas e de mal com o mundo são puramente ocas, incompletas e terminam sozinhas — o tempo já se foi. Quem não quiser chegar ao final de sua jornada assim, ainda há tempo para abrir as portas do coração e deixar forjar o amor na espiritualidade e por fim a felicidade — tudo na mesma fornalha. E quando a vida um dia lhe questionar, poderá dizer: se tive felicidade um dia, foi porque vivi muito o amor.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / setembro de 2010.