BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O ex-romântico


Neste esquisito, conturbado e desprezível ano de 2020 não temos muito o que extrair. Ele nos condenou definitivamente ao confinamento; ao recolhimento da vida e agora nos faz pensar o quanto nos custa a liberdade. (Os chineses já sabiam disso antes de espalhar o vírus.) Chego neste dezembro como um sobrevivente, como muitos que estão me lendo agora. Nada parecerá como este ano, nada. A cortina está se fechando, mas ninguém viu o espetáculo.

Volto aqui, a este Blog, para tirar a poeira da tela e as teias de aranha do teclado, na perseguição do tema único. Naveguei nas redes sociais este ano, exclusivamente no Twitter, e lá pinguei algumas notas, apanhando ideias e temas cotidianos; cortando palavras e abreviando outras para caber. E o tema único desapareceu, não veio. Não dava para pensar com galopantes acontecimentos diários que me arrastavam para lá e para cá. Um turbilhão.

Agora, acordo com isso na cabeça: falar sobre um "eu" que sobrou deste ano (e está aqui) e um outro que já fui um dia, que deixou de existir; e aqui me abro como uma janela para o amanhã. 

O Blog completou 10 anos, mas muito do que escrevi desde 2010 para cá mudou essencialmente em mim. Digo "ainda bem", porque eu comecei a década bem fechado em meu mundo; um mundo balizado ainda por ilusões, dentro da Matrix, sem percepção e tato da realidade. O romantismo nos condena aos sonhos. A vida é muito real para ser romantizada e não reparar que as guerras nem sempre são entrincheiradas, com tanques nas ruas, mas estão também no campo de batalhas das ideias, das mentes.

Talvez, porque naqueles anos, eu ainda não sentisse tanto as transformações do mundo e elas ainda não me feriam. Acreditava, contudo, nas mudanças naturais, sem interferências como o dia que vira noite e a noite que vira dia. Não percebia os organismos vivos, atuando dentro de uma deep state; obstruindo os caminhos da humanidade e, assim, interferindo no estado natural da vida humana, com o alvo único de desidratar a lógica humana e colocar dúvida na realidade. A prova é este ano de 2020. Os frutos podres estão brotando nas lavouras, de um semear que não vimos acontecer, porque estávamos romantizando demais a vida. Os algozes não dormem e nem mandam rosas. Adiante.

Numa palestra, o historiador (pensador?) Leandro Karnal chamou de sociedade falocêntrica, a sociedade dominada por homens. O que ele quis dizer com isso? O vídeo no YouTube é curto, mas pontual e claro: o ódio ao sexo oposto. Ele disse que o cavalheirismo é um modo de opressão do homem sobre a mulher. (Quis parar de ver desde aí, mas aguentei e fui até o fim. Eram só seis minutos.) Nem Simone de Beauvoir, no alto do seu feminismo, foi tão fundo em lançar na arena homens e mulheres, numa guerra de sexos estimulada por espaços e direitos. Ao trocar um pneu do carro, para uma mulher na estrada, o homem a condena ao fracasso, a sua fragilidade, mostrando sua incapacidade. Isso é o falocentrismo, citado pelo palestrante, como um reinado de machos que, na falsa ideia de proteger, na realidade, oprime. Foi o que disse essa entidade da intelligentsia.

Deixemos Karnal de lado, os direitistas nas redes sociais já debocham das suas teorias, onde parece que filosofa para um auditório do ensino médio. O que tento subtrair é onde ele quer chegar com isso. Ele, e muitos da intelligentsia, pregam a nova sociedade, numa eterna luta de classes, que agora já não é mais burgueses contra proletariados. Vale qualquer luta. "Ressignificar" — palavra progressista e nova — a vida dentro do espírito de uma nova sociedade para um novo homem, que a humanidade terá que experimentar, queira ou não. Bem, não quero fugir do assunto.

Volto para mim. Eu sempre retorno aos filmes que já vi, aos livros e crônicas que já li. A crônica "O ex-covarde" de Nelson Rodrigues — já compartilhei aqui no Blog e você pode ler aqui — é um desses textos que abrem uma janela na alma, rasgam o véu dos olhos. Um divisor de águas da vida. Morria ali um Nelson medroso e nascia um combatente aos pulhas, canalhas e ao sistema. Porque, diferente de muitos, tinha o dom de enxergar o mundo 30, 50 anos de distância.

Neste contexto, refiro a mim como um homem que passou dos 50 anos, que já não cai mais nas ciladas da vida romantizada e de um paraíso terrestre; e que nossas fantasias amorosas se tornarão a magia de um filme hollywoodiano um dia. O cristianismo, com os pés sempre no chão, nunca acreditou ou pregou que o paraíso começa aqui. Há uma vida nos esperando.

Ali, nos meus 14 anos, diferente de muitos dos meus amigos, eu não ouvia muito rock. O disco que furava na minha vitrola era "Horizon", dos Carpenters. O disco começa com Aurora e termina com Eventide. A mesma melodia com letras diferentes. Esse foi meu devaneio, onde o lado romântico borbulhava, com o olhar terno e esperançoso para um mundo que não tinha na vida real, só sonhos. Tudo em mim se encantava como aquela garota da escola, que usava minissaia e meia 3/4 branca.

Sei que vão dizer do meu signo. Que sou romântico por ser canceriano. Eu hoje posso dizer que sou um ex-romântico. Libertei, sai da Matrix para enxergar um mundo como ele é: amargo, com olhares de desconfiança e menos otimista. O mundo é uma receita de melancolia com momentos de felicidade. É preciso ver pela lente da realidade. A verdade, que agora persigo, me diz isso: a vida é dura, labutada e agora controlada por seres invisíveis, vigilantes do nosso dia a dia.

Cansei de ser romântico para ser autêntico. E isso não tem volta. Claro, aqui não mato o homem que há em mim, quando se refere ao objeto do amor. Explico. Outro dia, disse a uma pessoa que o jeito homem de ser, no amor, é muito diferente da idealização romântica. O homem, numa condição plena, ama sua mulher e família dentro do seu trabalho. Ele não é da paixão, das datas comemorativas, das flores. Ele é puramente do trabalho e tudo aquilo que ele se entrega para conservar sua família (seu amor) numa condição de bem estar. É doação, mais que inspiração romântica. 

Os que viveram essa transição da era rudimentar, sem computador, para a internet sabem bem o que é uma coisa e outra. Muito diferente dessa geração que já nasceu com o celular nas mãos. Eles são facilmente manipuláveis, enquanto nós acreditamos em alma, em brinquedos que nós mesmos fizemos. Eles são induzidos a pensar que livre expressão é o mesmo que cometer um crime de expressão, de ofensa. E por isso, vigiam os pais, o ambiente onde trabalham, as falas — censuram. Não percebem a manipulação que sofrem. Posto, eu não me anulo, não adulo, não me adequo e teimo e não ceder.

Mas o que há de tão assombroso neste século XXI? Para mim, a falta de Deus. Isso é o que há de pior. Uma propaganda maciça anticristã associada aos avanços da ciência fizeram do homem, que está aí vagando nesse mundo, um ser que não precisa mais de Deus, porque ele já se sente um. Ao assumir esse papel, é penetrado pelo poder de fabricar seus próprios corpos e mentes, governar o planeta (só olhando para o meio ambiente) e desafiar as leis da vida. A Igreja deixa de ter importância como fio condutor da moral e ética, e a nova geração já está adorando na internet seus novos deuses e guias espirituais. Malgrado, ser longevo, ter saúde não é garantia de que somos melhores. Sem a crença no Sagrado, empobrecemos como seres humanos. Cada vez mais tolos e fracos.

O ano 2000 está só há 20 anos daqui (de nós), mas parece muito mais longe. Isso é o que sinto. As transformações sofridas no mundo, nesse curto espaço de tempo, são bárbaras; piores que uma grande guerra. Theodore Dalrymple, em seus livros, fala dessa vida tóxica já corroendo nossos dias nos anos de 1990. Só um observador do mundo, com uma lupa na alma, poderia notar. A humanidade, ainda não. E agora sai todo mundo catando os cacos do chão, perdidos. Um vaso valioso se quebrou. Quem foi? 

"Tudo em volta induz à loucura, ao infantilismo, à exasperação imaginativa. Contra isso o estudo não basta. Tomem consciência da infecção moral e lutem, lutem pelo seu equilíbrio, pela sua maturidade, pela sua lucidez. Tenham a normalidade, a sanidade, a centralidade da psique como ideal. Prometam a vocês mesmos ser personalidade fortes, bem estruturadas, serenas no meio da tempestade, prontas a vencer todos os obstáculos com a ajuda de Deus e de mais ninguém. Prometam SER e não apenas pedir, obter, sentir, desfrutar. Prometam ser." - Olavo de Carvalho

Rosebud, rosebud... Foi sussurrando essa palavra que mr. Kane terminou sua vida. Um homem de riqueza e poder, como num lamento à vida que deixava, cerrou seus olhos com essa enigmática Rosebud. No fundo, ao fim, toda uma vida exacerbada e de poder, ele resumiu naquele trenó da sua infância roubada. Se alguém ainda acha que pedir comida pelo iFood ou jogar PlayStation são avanços, então não entendeu nada da vida; não sabe o valor intrínseco que há em construir e usar, com liberdade, o próprio carrinho de rolimã. Rosebud. (Veja o filme "Cidadão Kane", 1941, com Orson Welles, e compreenderá que você também procura o seu trenó.)

O romantismo, que vimos nascer no século XVIII, como movimento artístico, literário e comportamental, já virou pó na estante desses novos dias. Hollywood já não produz mais os clássicos de paixões platônicas. Não há mais pinceis em telas nuas; não há mais trilhas sonoras que vão da aurora ao entardecer. Não há mais Shakespeare sobre o criado mudo. Não há mais o amor cortês e o cavalheirismo (com ou sem Karnal). Não há o que sugar do bagaço da fruta. O ser que agora habita é oco, sem alma e sem emoção, como a cara plástica de Mark Zuckerberg.

A vida, sumariamente, como vimos ainda alguns anos, se esfacela, virando nevoeiro na esteira do tempo. O mal continua agindo nas sombras e becos do mundo. Os poucos casais, quando se juntam dentro dos apartamentos, estão sem planos e tristes. Vão inebriados ao pet-shop comprar brinquedos, caminhas e chiqueirinhos de fazer xixi. Quando isso ocorre, com sucesso, é como uma criança que aprendeu a andar para eles. Como ser romântico com tudo isso?

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Dezembro  de 2020.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

280 caracteres de mim (parte II)

Mais um apanhado de frases colhidas no meu Twitter.

1 - As coisas acontecem, quase sempre, como um jabuti em cima da árvore. Ele está lá! Os transeuntes passam diariamente, veem, se acostumam, e não suportariam se alguém resolvesse tirá-lo de lá. Ele é sua paisagem. Passam anos e ninguém é incapaz de fazer a pergunta óbvia: QUEM PÔS ESSA MERDA LÁ?

2 - Cumpre-se uma profecia silenciosa: um dia acabarão com toda beleza que nos resta. Desde o concurso de miss universo até as catedrais góticas. Imaginar, desvendar e apreciar o belo será crime. Então, seremos um mundo cinza, opaco, sem brilho. Em reverência à feiura, ao improviso e à falta de talento.

3 - Não há nenhum feito em Marielle, para toda essa ópera bufa que a imprensa entoa, como um canto gregoriano. Ela é, no contexto, só um Marighella do Leblon, um Chico Mendes sem floresta. A esquerda tem essa capacidade de criar heróis sem bravura, como se faz uma poesia de cordel.

4 - Deus é conservador. Se Ele fosse progressista, não teria expulso Adão e Eva do Paraíso; não haveria os 10 mandamentos; não deixaria que Suas palavras fossem compiladas e publicadas em um único livro, sem edição. Ele teria feito revisões a cada letra acrescentada à sigla LGBT.

5 - Os anos 60, 70, 80, 90 se fizeram sem grandes transformações culturais. Uma linha tênue, imperceptível aos olhos e ouvidos. A partir do anos 2000, alguém pôs fogo na floresta de nossas vidas. Nos tiraram o frescor das manhãs, o som dos ouvidos; tiraram o bom gosto. E quem não guardou seu disco vinil?

6 - Onde foi experimentado, o comunismo só trouxe fome, miséria, destruição e atraso. A desculpa, sempre, da esquerda é que ninguém entendeu Marx. DETURPARAM MARX! Será que, nesses mais de 100 anos, não existiu ninguém que enxergasse a bondade no coração desse homem, porra?!

7 - O que encoraja as pessoas a praticarem crime, de qualquer natureza, é o silêncio. O silêncio que eles fazem quando os crimes são praticados e o silêncio do mundo, quando eles são descobertos.

8 - As crianças de hoje já nascem intoxicadas das doenças morais e éticas deste século. São presas fáceis quando alcançam a idade escolar. Incutirão nelas amores e ódios. Profetizo: essa geração também envelhecerá, ao seu modo, mas não sentirá saudades da infância como eu sinto da minha.

9 - Às vezes, tento imaginar que tudo isso que vejo é um grande pesadelo. Que eu tenho 12 anos e que minha mãe vai me acordar para ir à escola: — “Antônio, acorda, já são 7h!”, como ela fazia. E eu vou dizer a ela: — “Mãe, tive um sonho horrível. O século XXI é tenebroso. Ainda bem que foi só um sonho ruim”.

10 - O século XXI é uma nave errante, já sem comando. Perdeu-se completamente o contato com o sagrado e, por consequência, uma vida sem sentido existencial. Em razão disso, cada vez mais ouvimos, lemos e presenciamos o bizarro como forma e seguimento do comportamento humano.

11 - Livrar o país do politicamente correto é livrar o país de uma narrativa que quer impor, sob pena e forma de censura, termos, posições e palavras com a desculpa de não constranger mais pessoas, grupos e classes sociais. É livrar país de uma erva daninha que controla a opinião pública.

12 - Toda vez que o homem se afasta do conservadorismo, ele se torna como um náufrago tentando se agarrar a qualquer coisa que esteja flutuando. Às vezes, a um pinto de borracha.

13 - Tenho 28 anos de formando em Arquitetura e Urbanismo e ainda vejo contemporâneos que não saíram da fase acadêmica. Que ser um bom arquiteto é ser contestador, porque a arquitetura é um manifesto político e bla bla. Isso me dá sono. Meu cliente não vai morar ou estar debaixo do meu manifesto político. Ou você é um bom profissional ou você é só um idiota romantizado por uma orgia marxista.

14 - Daqui a pouco passa essa MODA de música ruim, do veganismo, da Terra plana, da tatuagem sem limite, de criar cachorro que nem gente, de ter bumbum gigante, da mulher musculosa, e de querer ser chamado de João, quando você é Jane.

15 - O cristianismo enfrentou batalhas seculares para que hoje estivéssemos aqui, no século XXI, de boa. Infelizmente ela (Igreja) não distinguiu e acabou salvando também os tolos e os idiotas.

16 - “Só vou ser feliz quando…” me faz pensar que a sensação de incompletude vem desde o nascimento e nos acompanha para a vida toda. Não é o vinho, a droga, o vídeo game, o carro novo, o parceiro(a) que vão preencher esse buraco na alma. Conhecer-se, entender, lidar, aceitar e viver.

17 - O POVO BRASILEIRO ESTÁ ASSIM DIVIDIDO:
– Aquele que não tem a mínima ideia do que está se passando;
– Aquele que sabe parte, mas prefere ficar na alienação (fazendo selfie);
– Aquele que sabe o que se passa e não foge à luta;
– Aquele que menospreza tudo, porque tem o ego inflado;
– Aquele que torce pro avião cair, com ele dentro, porque é ideólogo;
– Aquele que é só FDP mesmo.

18 - O que me causa estranha impressão, não sou eu que já ultrapassei muitas barreiras, estudei, lutei, fiz carreira profissional e já não me enfio tanto na vida para obter proveito. (Aos 40’ do 2º tempo, só toco a bola para o lado). O que me assusta é o jovem que torce pro seu futuro dar errado.

19 - Somos terceiro-mundistas e isso não nos difere muito de repúblicas africanas, escravizadas sob a mão pesada de ditadores. A não percepção da lógica, do senso das proporções e a dificuldade cognitiva fez do Brasil um país vegetativo, enquanto o Estado era corroído pela elite política.

20 - Se você usa hashtag do tipo “vidas de negros importam”, talvez você não saiba que está, indiretamente, promovendo os ataques de grupos radicais (ANTIFAS, por ex) em todo EUA e agora no Brasil. Ontem, um policial aposentado, que tentava impedir saqueadores num comércio no condado de St Louis, foi alvejado e caiu morto. Ele também era negro. E você, se importou? TODAS AS VIDAS IMPORTAM. Mas para isso não precisamos usar hashtag, para não sermos ridicularizados ou servirmos de massa de manobra.

21 - Depois que o Merthiolate parou de arder; depois que as malas passaram a ter rodinhas, ninguém mais quis saber de esforço e dor. E o mundo só piorou.

22 - Todo 05 de junho é comemorado o dia do MEIO AMBIENTE. Importante termos essa consciência e de preservação de um planeta melhor, no futuro, aos muçulmanos.

23 - Na década de 70, a mulher era Sônia Braga. Tinha corpão e quase nada de peito. Depois veio a mulher só bonita e de corpo pouco exuberante, sem exagero, nos 80. Já nos anos 2000 foi a vez da mulher fake news: exagerada em tudo por conta do silicone. Até chegar agora, em 2020: a mulher com pinto.

24 - Estava aqui limpando o cano do revólver e pensando... O cara que chama você de GADO é aquele que está trancado dentro de casa há mais de 90 dias, sem nenhum questionamento, sem medir consequências, sem conhecer gráficos, pedindo iFood, assistindo JN e aguardando as ordens do governador.

25 - O relativismo moral foi trazido ao mundo na esteira do politicamente correto, para que ninguém mais saiba o que é certo ou errado, o que é o bem ou mal, o que é justo e injusto, o que mentira e o que é verdade. Sem perceber, as pessoas passam a duvidar dos seus próprios instintos e valores intrínsecos. 

26 - Sei pouco sobre arte. Mas sei reconhecer um Monet ou a arquitetura de Gaudí. A revolução cultural de maio de 68 — ninguém decapitou ninguém, dizia Nelson Rodrigues — matou, literalmente, o artista de alma e fez surgir o “artista” de protesto. Tudo virou arte e o belo desapareceu do mundo.

27 - É milenar, desde o sapiens, o homem mijar em pé. Como é fisiológico usar as mãos pra levar o alimento até a boca e não enfiar a boca direto no prato, como fazem os outros animais. Homem que mija sentado é uma criação deste século, que gerou esse tipo de homem a partir da costela da mulher.

28 - A desinformação comunista construiu vários personagens para o mundo ocidental idolatrar. O serviço da KGB investiu propaganda pesada em nomes como Che Guevara e Frida Khalo. Ambos viraram heróis no Ocidente por mera propaganda. Ainda hoje há idiotas usando camisetas com suas imagens estampadas.

29- A arte da desinformação (dezinformatsiya) fez de Nicolae Ceausescu (tirano da Romênia) e Stálin (tirano da URSS) figuras adoráveis no Ocidente, enquanto Hitler (outro tirano) levava toda culpa das mãos cheias de sangue. Hitler matou menos que os dois juntos, mas foi péssimo em vender sua imagem.

30 - Durante a Guerra Fria, o serviço de inteligência soviético (KGB) tinha mais de um milhão de agentes e outros milhões de informantes espalhados pelo mundo. É muito ingênuo acreditar que toda essa teia de DESINFORMAÇÃO tenha sido desmantelada com a "queda" da cortina de ferro, em 1989.

31 - Desinformação não é o mesmo que fake news. Uma mentira, por si só, não atravessa uma rua. Já a desinformação é um mecanismo, uma estrutura pré concebida e planejada. Com cerne de verdade, é plantada fora das suas fronteiras, pra dar legitimidade. E, impulsionada, ganha vida própria.

32 - Para que uma desinformação obtivesse sucesso era preciso que toda trama à cerca dos fatos tivesse um “cerne de verdade”. Era a maneira como a KGB conduzia seus serviços durante a Guerra Fria. O caso do vírus chinês é algo que se assemelha a isso: mentiras com pitadas de meias verdade.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista /junho de 2020

terça-feira, 2 de junho de 2020

Meu "sunscreen"

Ao completar mais um ano de vida (no próximo 09 de julho) — em que pese este momento que estamos vivendo de mundo paralisado —, sento para fazer uma breve análise e retrospectiva da minha vida até aqui. São fragmentos, lembranças, histórias, acontecimentos e percepções que recolho no tempo e no espaço, e tento apontar, agora mais maduro, para um caminho que sinto que vale a pena seguir. Assim, deixo aqui esse receituário de vida — ousadia — para quem quiser. Conselhos? Não. Posturas, quem sabe, por experiências que passei e outras que não vivi, mas a vida me mostrou (com algum arrependimento) em outro tempo. Quiçá, eu volte, daqui alguns anos, com outro olhar. Isso seria a vida perfeita? As receitas nunca são seguidas à risca e não existe vida perfeita num mundo de imperfeições. Mas para mim é a luz mais clara que surge e, como sempre faço, escrevo para mim muito mais que para leitores. Assim sendo, use protetor solar, mas lembre-se que há outras recomendações:

Escolha pessoas boas para estar ao seu lado, compartilhar ideias;
Faça amigos que agregam valores;
Não precisa ter muitos, mas poucos e bons amigos;
Aproveite a juventude, porque ela não tem volta;
Gaste energia, sim, mas tente ser mais maduro que sua geração é;
Beba mais água do que refrigerante;
Beba moderadamente sua cerveja ou vinho;
Coma moderadamente, sem desperdiçar comida;
Não use drogas, nem por experimento;
Respeite os mais velhos, independente se eles são seus parentes;
Dê lugar aos velhos dentro do ônibus, no metrô, na igreja;
Se for homem, seja gentil com as mulheres;
Se for mulher, reconheça o bom homem pelos seus gestos;
Pare tudo na vida para ouvir seus pais, sempre!;
Ame seus pais enquanto ainda vivem;
Sua família será sempre seu refúgio, seu porto seguro;
Dê valor às tradições e aos ensinamentos herdados;
Antes de emitir sua opinião, pense se há verdades nela;
Para distâncias curtas, ande mais a pé do que de condução;
Pratique exercícios ao ar livre;
Aprenda a dançar e a nadar;
Tome os remédios que seu médico lhe receitar;
Cheque sua saúde regularmente;
Faça mais viagens procurando a cultura do lugar e não fotografias;
Se puder, faça uma longa viagem de trem;
Busque a alta cultura. Ainda existem boa literatura e boa música;
Adquira conhecimento, sempre;
Leia livros que possam ajudar a compreender o mundo;
Aprenda um outro idioma. (Eu recomendo o inglês);
Busque a verdade a qualquer preço;
A liberdade é mais importante que o pão, já dizia Nelson Rodrigues;
Veja filmes de romance, desses que tudo termina bem;
Complete e guarde seus álbuns de figurinhas das Copas que assistiu; 
Seja politicamente incorreto, mesmo que o mundo diga ao contrário;
Aprenda a falar em público;
Use o dicionário quando tiver dúvida. Escreva corretamente;
Acredite num Deus único, sagrado, verbo encarnado e salvador;
Ore a Deus todos os dias pelos dons da vida;
No meio de suas orações coloque seus inimigos;
Frequente uma igreja e exercite a sua fé. Você vai sempre precisar dela;
A noite de Natal é a melhor das festas;
Você não vai salvar o mundo, mas pode ajudar alguém próximo;
Não acredite em homens salvadores da humanidade;
Não dê trela a comportamentos só por que são modernos;

(Cansou? Tem mais.)

A felicidade não é o objetivo desta vida;
A vida tem frustrações e você precisa conviver com elas;
Trabalhe com afinco e sem reclamação;
Não pare de estudar e terá melhores oportunidades de emprego;
Se deseja ter seu próprio negócio, seja leal e justo;
Tenha equilíbrio financeiro e não se escravize com dívidas;
Não queira ter mais do que possam suportar seus ganhos;
Use a razão para decidir, sempre;
Não planeje muito seu casamento. Comece com poucas coisas;
Case-se com alguém que ame você na mesma proporção;
Lute pelo seu casamento, mesmo quando tudo parece ruir;
Tenha filhos e os eduque desde o nascimento;
Quando estiver com seus filhos, esqueça o mundo e seus problemas;
Seja para seus filhos o melhor pai/mãe e nunca o melhor amigo;
Encoraje seus filhos para a vida;
Solte da mão de seus filhos quando sentir que eles estão prontos;
Se puder, tenha uma casa com um jardim na frente e quintal;
Cuide e trate dos animais, sem humanizá-los;
A natureza foi criada para servir ao homem e não ao contrário;
Acredite no bem das pessoas;
Vigie sempre o mal ao seu redor;
A despeito do que dizem, dê importância ao passado e suas lições;
Durma sem preocupações. A cada dia já basta a sua;
Acorde sempre cedo, aproveite e faça render o seu dia;
Sei que é lugar comum, mas não acredite em almoço grátis;
Em algum momento, a solidão será sua melhor companhia;
Quanto menos você esperar, irá topar com a morte de alguém querido;
Não se preocupe com o medo. Ele estará em todas as fases da sua vida;
Peça perdão. Perdoe a si mesmo e alcançará a paz;
Por muitas vezes, você não poderá voltar atrás por um arrependimento;
Não discuta, converse;
Você irá magoar alguém em algum momento;
Você será magoado por alguém em outro momento;
Cuidado ao falar dos seus sucessos e dos fracassos;
Perceba a inveja. Lembre-se que ela também é admiração;
Nunca negue suas origens, principalmente se ela for pobre;
Não seja vítima, mas protagonista de sua história;
Lute pela justiça, apoie quem a defende;
A sensação de incompletude? Todos nós nascemos com ela.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista /junho de 2020

sábado, 18 de abril de 2020

A goteira


Você pode se perguntar: Por que os idosos estão nas redes sociais e nas manifestações de rua, pedindo por um país melhor, sendo que eles nem alcançarão esse futuro?  Por que eles não deixam essa luta para os mais novos?

Fazendo aqui um ensaio, tenho para mim que a luta está na alma, é por vício mesmo. Muitos deles vieram de uma geração onde se ia à escola pública de pés descalços, com apenas um caderno, um lápis e muita esperança estampada nos olhos. Naqueles tempos de escassez e carestia, o prato de comida era sagrado e se comia o que era posto à mesa. Em tudo mais havia luta.

Muito diferente das gerações que vieram a partir dos anos 80 (geração Y). A eles já não foi dada nenhuma tarefa árdua de sobrevivência. Eu os chamo de geração que separa-cebola-no-prato. E, como disse meu irmão, não sabem descascar nem uma laranja. Foram acostumados a receber tudo mastigado, pronto para consumir: carro esperando na porta da escola, roupas de lojas, smartphones, Big Mac, etc. Tudo sem precisar dar nada de si.

Ali, já na minha segunda infância, lembro quando eu dormia num quarto com mais três irmãos. Nas noites torrenciais, eu era acordado para arrastar minha cama da parede, porque ali havia uma goteira (pontual, insistente e criada), de escorrer água pelo reboco. No dia seguinte, o quarto estava inundado.

Nunca me senti ultrajado pela goteira, em particular; nem depreciava a fragilidade das telhas, dos caibros e da cumeeira por não suportarem a água daninha; ela só era insurgente, pior que a própria torrencial que despencava lá fora. Sem ninguém me dizer nada do que era preciso ser feito, enfrentei outros monstros: a miséria, a cegueira da ignorância e tudo que me avizinhava. A luta dos que estão velhos.

(O que nos humaniza são nossos fracassos, já disse o filósofo.)

Hoje, minhas noites torrenciais são quase silenciosas ou mudas, numa doce sinfonia com meu sono. Precisei, no entanto, anos para dormir como nunca dormi na infância, sem medo do espectro. E minha cama não precisa mais sair do lugar.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista /abril de 2020