Ali, no início dos anos 80, havia tanta música boa tocando, que nós, jovens, rejeitávamos um punhado delas ou colocávamos na prateleira do desprezo por acharmos bregas. Assim, o que queríamos ouvir, comprávamos ou emprestávamos o disco; e as outras, aprendíamos a cantar, mesmo sem querer, porque as rádios não paravam de tocar. Ritchie era essa música que grudava nos ouvidos como goma de mascar.
O inglês Ritchie foi uma figura icônica dos anos 80. Ou: sem ele aqueles anos não teriam acontecido, musicalmente falando. Do seu famoso e álbum "Voo de coração", cinco músicas estiveram no hit parede entre 1983 e 1984. Suas apresentações eram constantes e obrigatórias nos programas de auditórios. Rosto fino, loiro, blusão de couro preto, usando óculos Wayfarer e aquele sorriso despontado pelos pontiagudos caninos (não era belo, mas mesmo assim, havia mil garotas a fim).
E o que era Ritchie para mim? Aquela música que ouvia por tabela: na discoteca, de passar pela rua na frente da loja de disco; e depois sustentava para os amigos que não gostava, porque iam me tachar de brega. Mentira!, gostava sim. Depois desses 34 anos (1983), ainda curto demais suas músicas. Está na minha playlist do pen drive. Sem nenhum rubro na face.
Mas ali, nos anos 80, havia uma outra coisa fascinante. Os discos vinis (bolachões) tinham capas bem elaboradas e encartes com as letras das músicas. As revistas para tocar violão também tinham as letras cifradas. Assim, ficava difícil confundir palavras, frases e cantar errado, como teve gente que passou a vida cantando "Trocando de biquíni sem parar" (Noite do Prazer - Brylho), quando a letra dizia "Tocando B.B. King sem parar". Nada tão mal. Só a confusão de um gênio do Blues com um vestuário feminino de praia. Repetiam o que ouviam sem reparar na letra. Eu, por ofício, sempre tive esse hábito de ler letras, os autores, o arranjador e os instrumentos que estavam presentes naquela música. Dificilmente cometia tal gafe.
Uma fórmula que todo letrista de música — poeta, por que não dizer? — tem em mente (ou não tem) é sentir nas palavras que vem, que elas, muitas vezes, vêm soltas e vão, em seguida, encontrar uma outra e outra... E não necessariamente essa fará junção com a primeira, ou será correspondente, dando sentido à frase: "De um quasar pulsando loa. Interestelar canoa. Leitos perfeitos, seus peitos direitos me olham assim. Fino menino, me inclino pro lado do sim. Rapte-me, adapte-me, capte-me, It's up to me coração". O uso de hipérboles, como "morrer de amor" ou "coração partido", são coisas corriqueiras na linguagem poética.
Eu não tinha dúvida nenhuma que, ao escrever "Menina Veneno", o letrista Bernardo Vilhena quis dizer que o abajur era cor de carne. Nós estávamos nos anos 80 e mais acostumados com essas colocações poéticas que não faz sentido. Qual é a cor da carne? Sei lá. Poderia ser "cor de caramelo", ou algo assim. Estava licenciado.
Não faz muito tempo, vi uma entrevista de Ritchie e ele disse que a letra foi escrita na sala (não lembro se era da sua casa). Mas eles foram construindo a letra com aquilo que viam no ambiente: cortina, escada, porta, abajur, lençol, cama, parede, etc. E assim nasceu Menina Veneno, como uma sombra, a silhueta do fantasma de uma mulher, dessas que atormentam a mente masculina.
Mas eis o que queria dizer. Eu, no Twitter, sigo algumas celebridades. Até para ver o que pensam. Faz pouco tempo comecei a seguir o Ritchie. Depois de algumas postagens, me apartei do assunto e perguntei a ele quem trocou a letra da sua música e inventou o "abajur cor de carmim". (Nas redes sociais já postaram inúmeras vezes a letra com "cor de carmim", e eu me cansei de reparar as pessoas do erro). Aguardei 12 horas para ele me responder: "Foi alguém que não sabe ler. ;)", escreveu de forma lacônica e direta. Exatamente aquilo que eu disse acima: as pessoas ouvem e saem reproduzindo, sem ler ou prestar atenção. Aquele hábito da época do Vinil: de ler as letras das músicas. Quem viveu os anos 80, sempre cantou como eu: "abajur cor de carne", sem se perguntar se havia sentido concreto. Há sentido e realidade em poemas? Tema para outra crônica.
— Então, diga aí Ritchie, cor de carne ou de carmim?
Mas ali, nos anos 80, havia uma outra coisa fascinante. Os discos vinis (bolachões) tinham capas bem elaboradas e encartes com as letras das músicas. As revistas para tocar violão também tinham as letras cifradas. Assim, ficava difícil confundir palavras, frases e cantar errado, como teve gente que passou a vida cantando "Trocando de biquíni sem parar" (Noite do Prazer - Brylho), quando a letra dizia "Tocando B.B. King sem parar". Nada tão mal. Só a confusão de um gênio do Blues com um vestuário feminino de praia. Repetiam o que ouviam sem reparar na letra. Eu, por ofício, sempre tive esse hábito de ler letras, os autores, o arranjador e os instrumentos que estavam presentes naquela música. Dificilmente cometia tal gafe.
Uma fórmula que todo letrista de música — poeta, por que não dizer? — tem em mente (ou não tem) é sentir nas palavras que vem, que elas, muitas vezes, vêm soltas e vão, em seguida, encontrar uma outra e outra... E não necessariamente essa fará junção com a primeira, ou será correspondente, dando sentido à frase: "De um quasar pulsando loa. Interestelar canoa. Leitos perfeitos, seus peitos direitos me olham assim. Fino menino, me inclino pro lado do sim. Rapte-me, adapte-me, capte-me, It's up to me coração". O uso de hipérboles, como "morrer de amor" ou "coração partido", são coisas corriqueiras na linguagem poética.
Eu não tinha dúvida nenhuma que, ao escrever "Menina Veneno", o letrista Bernardo Vilhena quis dizer que o abajur era cor de carne. Nós estávamos nos anos 80 e mais acostumados com essas colocações poéticas que não faz sentido. Qual é a cor da carne? Sei lá. Poderia ser "cor de caramelo", ou algo assim. Estava licenciado.
Não faz muito tempo, vi uma entrevista de Ritchie e ele disse que a letra foi escrita na sala (não lembro se era da sua casa). Mas eles foram construindo a letra com aquilo que viam no ambiente: cortina, escada, porta, abajur, lençol, cama, parede, etc. E assim nasceu Menina Veneno, como uma sombra, a silhueta do fantasma de uma mulher, dessas que atormentam a mente masculina.
Mas eis o que queria dizer. Eu, no Twitter, sigo algumas celebridades. Até para ver o que pensam. Faz pouco tempo comecei a seguir o Ritchie. Depois de algumas postagens, me apartei do assunto e perguntei a ele quem trocou a letra da sua música e inventou o "abajur cor de carmim". (Nas redes sociais já postaram inúmeras vezes a letra com "cor de carmim", e eu me cansei de reparar as pessoas do erro). Aguardei 12 horas para ele me responder: "Foi alguém que não sabe ler. ;)", escreveu de forma lacônica e direta. Exatamente aquilo que eu disse acima: as pessoas ouvem e saem reproduzindo, sem ler ou prestar atenção. Aquele hábito da época do Vinil: de ler as letras das músicas. Quem viveu os anos 80, sempre cantou como eu: "abajur cor de carne", sem se perguntar se havia sentido concreto. Há sentido e realidade em poemas? Tema para outra crônica.
— Então, diga aí Ritchie, cor de carne ou de carmim?
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Junho de 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário