O domingo de inverno descortinava. O sol já era moço quando a neblina baixou insinuante na minha varanda, ainda sem plantas; e era domingo da final de Copa do Mundo, no Brasil. Café com pão, notícias, futebol, frio, meias... E veio com tanta coisa junto ardendo no peito, como vem saudade em notas musicais pingando numa partitura, desenhando uma velha canção. Minto, vem orquestra.
Às vezes, desperto meio assim, vocacionado para tempos idos. Você vai me perguntar, mas é sempre saudade de alguém. Eu tenho saudade também de lugares, trajes, mobília, costumes, modos, retratos, ambientes, paisagens, aromas; tempos doces e despercebidos quando vividos; que não vimos passar, porque estávamos distraídos sendo felizes; e quando estamos assim, em êxtase, estamos construindo a saudade no futuro. A felicidade presente é a moldura e tudo que contorna a saudade no futuro — lembranças a ser contada ou ser só sentida. Ah! E tenho saudade, é claro, com canções de fundo, como uma trilha sonora.
Não sei dizer, precisamente, quantas vezes já sonhei com a saudade. Uma vez, lá nos meus 15 anos, tive um longo sonho — ainda dormia oito horas sem despertar — que viajava ao passado da rua, do bairro onde morava: olha a casa da minha avó como era, de fachada amarelada e jabuticabeira carregada; olha a rua de terra, com cheiro de chuva; olha a igreja matriz; olha a amoreira orvalhada. Eram nítidas tais visões, sentidas em pele arrepiada. Lembro ter passado aquele dia assim: vagando de um canto ao outro, nostálgico e sobre nuvens.
Mas eis o que queria dizer. A música me toma inteiro por nostalgia, como uma carruagem do velho oeste. Terminei o sábado, vendo uma programação na TV. E por ela, uma canção nostálgica, de uma voz me chamou atenção. E, súbito, me exaltei. Por que a deixei passar esse trem na estação? Por que não ouvi essa moça cantar, quando tinha essa voz? Por que ela sumiu? Por que as lindas canções passam ligeiras, como passarinho que pousa na janela? O que me ocupava tanto a vida, que não senti sua voz penetrar nos meus instintos? Apunhalei-me em vão, já era tarde para viver...
Mas eis o que queria dizer. A música me toma inteiro por nostalgia, como uma carruagem do velho oeste. Terminei o sábado, vendo uma programação na TV. E por ela, uma canção nostálgica, de uma voz me chamou atenção. E, súbito, me exaltei. Por que a deixei passar esse trem na estação? Por que não ouvi essa moça cantar, quando tinha essa voz? Por que ela sumiu? Por que as lindas canções passam ligeiras, como passarinho que pousa na janela? O que me ocupava tanto a vida, que não senti sua voz penetrar nos meus instintos? Apunhalei-me em vão, já era tarde para viver...
Fui à pesquisa da internet. Ela ainda canta. Aos 40 anos de idade, Patrícia Marx, já não é mais aquela menina precoce, só Patrícia, mas ainda conserva a voz doce de rouxinol, afinadíssima em diapasão. Comemorando 30 anos de carreira (ela começou nos seus 9 anos), ela tentava emplacar um CD/DVD cantando soul musics e baladas que marcaram sua, já longa, carreira. Não estava conseguindo, porque o mundo de hoje não reverencia o seu passado, mas sim, o desrespeita, desaconselha e alija.
Fucei mais e deparei com uma entrevista de 2013, que ela concedeu ao portal G1, falando sobre seu novo álbum. Assim como Guilherme Arantes, ela desabafou dizendo que não tinha mais espaço para cantar. Paga-se pouco e shows são cancelados em cima da hora. Já pensava em um plano B: virar professora de canto lírico. Uma pena. Essa moça tem talento; e não foi à toa, e por graciosidade, que foi eleita a melhor cantora em 1994/95, com 20 anos de idade. Fiquei triste quando terminei de ler a entrevista. Fechei o tablet e me enrolei nas cobertas sem querer ver mais nada. Veio a saudade (como canções) e uma vontade de voltar à 1994 e dizer-lhe: "faça tudo agora, aproveite, porque o futuro te abandonará, será ignorada, desrespeitada. Ele se importará só com lixos culturais que lá existem". Fecho aspas.
Acho que houve exposição máxima e exploração. Ela é daquelas precocidades raras, que descobrem por aí e depois se esquecem, porque isso é o mercado e aquele era o momento: a criança; combinando imagem, ingenuidade, graciosidade e talento nato. Assim foi a carreira de Shirley Temple, Judy Garland e Macaulay Culkin. Crianças talentosas exploradas ao sumo, atoladas no sucesso, e depois jogadas na sarjeta do mundo.
Acho que houve exposição máxima e exploração. Ela é daquelas precocidades raras, que descobrem por aí e depois se esquecem, porque isso é o mercado e aquele era o momento: a criança; combinando imagem, ingenuidade, graciosidade e talento nato. Assim foi a carreira de Shirley Temple, Judy Garland e Macaulay Culkin. Crianças talentosas exploradas ao sumo, atoladas no sucesso, e depois jogadas na sarjeta do mundo.
Então me lembrei de Guilherme Arantes. Em 2013, ele também desabafou nas redes sociais. Sentiu que as pessoas (seu público) o cobravam por aparecer mais na mídia, fazer mais shows. Ele disse que também era seu desejo, mas sentiu que não havia mais espaço, mesmo seu último álbum sendo eleito o melhor disco de MPB, pela revista Rolling Stones. Não há espaço no mercado audiovisual e na grande mídia, para um dos maiores cantores e compositores dos anos da minha e da vida de muita gente. No seu desabafo parecia quebrantado e eu fiquei com ele, como agora fiquei com Patrícia.
Senti que precisava "consolá-lo" de alguma maneira, e não me confortaria só escrever algo na sua página no Facebook, como: "Tamo junto cara!". Busquei algumas lojas virtuais e não achei nenhum daqueles discos antigos — não há muito sebos virtuais. Acabei adquirindo dois álbuns recentes e intimistas, onde ele faz uma releitura dos seus grandes hits. Uma mão pequena a quem nossas memórias devem muito.
Tenho uma frase, que recorro sempre, para esses momentos de choque de gerações: "O mundo deveria ter acabado no pico dos anos de 1980. Assim, terminaríamos nossa jornada mais feliz e no auge". Tenho a sensação que nada do que se fez depois foi bom. Tudo foi se esvaindo, se desprendendo, desmilinguindo, esfacelando. Também temo, assim eu li por ai, que a vida real termine nos próximos anos (!). Estaremos, de uma vez, desfazendo o compromisso com uma vida (como ela é); e suportando, como seres rastejantes passivos e infelizes, uma vida virtual, sem trocas de olhares, carinhos e alianças. Que assim não seja! (fazendo já nome-do-Pai). Que Deus faça o melhor antes.
Veio-me agora. Imagine, assim, um terminal de aeroporto num ponto qualquer do planeta, com voos diretos (sem escala), e um painel anunciando a próxima partida: "PAST"; ou outro apontando: "FUTURE" (O passado é a verdade que vivemos.) Divago. Não, ainda não inventaram alguma viagem que pudéssemos organizar sentimentos com tempos, malas e pessoas afetivas; de poder somar coisas vividas com outras sensações ainda não passadas. Entrar num voo que nos leve onde deixamos o "tudo-de-bom", o pote de ouro do arco-íris e sem desperdício de vida. Além do horizonte perdido das nossas geleiras frias, talvez desvende um paraíso, sem tempo e morte, assim Xangrilá ad aeternum. E se a morte for isso: visitar, com o tato e todos os sentidos, o que foi bem e bom, que seja esperada com aplausos de um estádio lotado. Cheio de seres humanos alentados, esperançosos, como eu, com vontade de viver só o que vale a pena viver.
Por enquanto, como diz aquela canção de Patrícia, só queima aqui dentro.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / julho
de 2014.
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