“Uma mulher sem um homem é como um trailer sem carro. Não vai a lugar algum”. Com razão, trailer não tem motor e a maioria dos modelos por aí, só tem duas rodas. Sozinho não sai do lugar. É preciso de um veículo motorizado com muitos cavalos para rebocá-lo. Bela analogia.
Nos dias de hoje, esta frase soaria um tanto machista, preconceituosa, pecaminosa, out-of-date, e totalmente reprovada por essa gente bronzeada que mostra seu valor, diariamente no Facebook. Campanhas seriam disseminadas reduzindo a reles o seu autor. Verme machista! — diriam.
Verdade mesmo, a frase foi dita por uma personagem feminina num filme de 1964, antes mesmo que alguma mulher queimasse seu sutiã em praça pública, pedindo emancipação, liberdade e igualdade. Mas posso garantir, o roteirista não errou no script; e o público acolheu com sutileza suas palavras. Ele estava em consoante com seu tempo.
Naquele início dos anos de 1960, as mulheres casadas ainda eram donas de casa, cuidando do marido e da prole. As que não alcançavam esse status invejavam as que tinham seu homem, sua casa, sua família. (Isso é o que nos mostra as películas hollywoodianas.) Com a proclamação da chamada revolução feminina (Women's Liberation Front) tudo tomou outro rumo, se perdeu e a feminilidade também. Um cordão umbilical familiar se rompeu daquele modelo familiar. Mulheres deixaram suas casas e afazeres; mulheres saíram do vestido para usar tailleur e substituir os homens nos negócios. Hoje, sindicatos feministas odiariam e poriam toda sua rede social em batalha, a odiar também a mulher que dissesse que precisa de um homem.
Depois que surgiu a denominação “feminista”, para aquela categoria de mulheres que resolveram dirigir suas próprias vidas, independentes de qualquer relação estável e necessidade, o mundo não foi mais o mesmo. O contrário do que se constata, se você disser que o oposto de feminista é machista, o termo cai num conceito pejorativo e como um mal a se combater. A sociedade não-machista irá sempre pensar em homem que bate em mulher e tão somente.
Chique é ser chamada de feminista e viver de suas mazelas sentimentais, porque homem nenhum suportaria conviver, por muito tempo, com uma assim: mulher que briga, que disputa, que discursa com os seios de fora, mas não sabe fritar um bife e nem ao menos andar sobre um salto. Como disse Luíz Felipe Pondé: “o puritanismo feminista, que não entende nada de mulher, faz da mulher uma ‘camarada’ vestida de homem em meio a um mundo brocha de tanta exigência de igualdade entre os sexos”.
Na verdade, a vida das relações conjugais e amorosas, tornou-se tediosa demais e por isso há tantas separações, descontroles e desarranjos familiares. E para complicar ainda mais, um novo modelo de casal resolveu entrar na disputa pela construção familiar. Exatamente assim: “deixem que nós cuidemos do seu filho”. É o que se vê pelas pregações nas redes sociais. Um cartaz, a princípio provocador, diz que “toda criança adotada por um casal gay, foi gerada e abandonada por um casal hétero”. Mesmo que a frase tenha duplo sentido, ela faz propaganda, oportunista, apontando para outros caminhos e saídas. Quando se imagina aquilo que chamam de família tradicional (abomino esse termo); porque todos nós viemos de uma relação hetero (até os homos); de um ato sexual hetero, mesmo que abandonados depois. A família ainda continua a existir a partir deste modelo. Por outro lado, nada contra as outras relações de uniões de pessoas do mesmo sexo. Mas não chamar de família, por favor.
O mundo piorou com essa conjunção atual e a feminilidade foi-se junto, dando espaço às mulheres de “luta” em busca do nada agora. Os direitos civis, uma de suas brigas, já estão conquistados; está na hora de voltar para casa e fazer um jantar para o marido.
Outro dia, conversando sobre este assunto com uma amiga (vivendo a sua fase trailer sem carro), ela me disse algo que poderia sintetizar tudo que se passou nesses anos, a partir dessa pseudo emancipação: “eu acho que para algumas mulheres faltou coragem para ser mãe; para outras faltou coragem para ser puta”. Bingo!
Ao homem não houve mudança de papel. Ele continuou sendo o provedor, o macho dominante e ciumento. Diante do que acontecia permaneceu estático assistindo a tudo, sem entender nada. E quando deparou com essa nova mulher, se assustou e recuou. Na verdade, ele só queria uma que fosse como sua mãe, caseira e cuidadora. Agora quem está perdido e procurando seu trailer para atracar é ele.
A frase do filme “Kiss me, stupid” (1964) do diretor Billy Wilder foi dita pela personagem de Kim Novak (Polly). Polly é uma garota de programa que mora e “trabalha” (atende à clientela) num trailer. Ao ser inquirida por Zelda, a mulher do homem que passara a noite, ela a reprime e diz à Zelda que seu marido é ótimo (no sentido do caráter), tentando convencê-la a voltar para casa. Convicta, ela assegura que a vida de Zelda é invejada por outras mulheres (inclusive as GP´s como ela): "acredite em mim, tem um marido ótimo"; um marido, uma casa e uma família. Tudo perfeito para o mundo de 1960, pós-revolução industrial, familiar e ainda muito romantizado. Uma mulher sem um homem para conduzi-la, não chegaria ao outro lado da rua, talvez à prostituição.
O mundo de hoje acha que não. Acha que podemos ir, sim, a muitos lugares separados; o mundo de hoje acha que podemos educar filhos estando ausentes; o mundo de hoje acha que podemos dividir tarefas dentro e fora de casa; o mundo de hoje acha que podemos viver muitas relações sem se perder; o mundo de hoje não prepara as relações para durarem, mas para serem efêmeras; o mundo de hoje não percebe também, como estamos perdidos por termos abandonados certos velhos costumes.
Por fim, um homem sem uma mulher e uma mulher sem um homem, continuarão a se cambalear por aí e ir a lugar algum. Assim, como um trailer sem carro.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Abril de 2013.
Um comentário:
Mas enquanto o meu trailer não engata em algum carro, o jeito é valorizar os momentos mesmo estando "estacionada".
Adorei a crônica! Beijos...
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