Quem é capaz de se lembrar da sua primeira paixão? Para
muitos meninos, como eu fui, foi aquela descontrolada, inimaginável,
inatingível e distante do coração; aquela que nos deslumbrou e fez tremer as
pernas. A menina mais linda da rua, do bairro, da escola. Ou, quiçá, a
professora...
Paixões platônicas são como espinhas no rosto, sempre iremos
passar por elas na adolescência. Foram nossos primeiros contatos com esse
sentimento que a vida toda nos entorpece e dilacera o coração. É lá, na
adolescência, que também descobrimos o sofrimento, simplesmente, porque ele é
ingrediente triunfal da paixão.
Era menino, tinha 11 anos quando me apaixonei pela minha professora
de português (naquela época se dizia língua pátria). Eu era “triste”, como
diziam naqueles idos. Triste, mas no sentido das peraltices, traquinagens, das
brincadeiras, piadas e bagunça em sala de aula. Não posso negar, mas era um bom
aluno, apesar da fama. Tirava boas notas em quase tudo. Como uma vez em que a
professora de história, por punição, me aplicou uma prova oral na frente de
todos. No dia marcado, estava eu lá em pé respondendo às perguntas. No final,
ela teve que me engolir; respondi todas, sem errar uma. Mas em nada melhorei em
sua aula, continuei o mesmo bagunceiro, de sentar na última fileira, na turma
do fundão. Talvez, porque ela não me arrancava suspiros e não me hipnotizava. E
eu precisava mais...
Mas volto à professora de língua pátria. Lembro-me que na
sua aula eu também bagunçava, mas isso foi só no início do ano letivo. Até o
dia em que algo surtiu forte em mim e comecei a olhá-la com outros olhos, com
os olhos da paixão. Reparava suas panturrilhas, seu sorriso, seus cabelos castanhos
e cacheados nas pontas; como andava e sua pele e voz terna. Fiquei encantado.
Recém-casada, espiava, ao longe, quando seu marido vinha buscá-la num chevette
marrom; eu fitava para ver se eles se beijavam antes de sair com o carro. Ela
era jovem e aparentava ter, no máximo, uns 25 anos.
E foi paixão platônica. E foi tanto, que mudei meu
comportamento em sua aula e passei admirá-la; consequentemente me tornei o
melhor aluno da sala, em língua pátria. Um dia, ela me fez rubrar a face. Ao
dar uma repreensão coletiva – coisa rara, pois era sempre boazinha -, ela me
citou como um bom exemplo de transformação. Lembro bem das suas palavras,
colocando sua mão alva sobre minha cabeça: “olha o Antônio, este menino mudou
muito depois que veio aqui pra frente. Ficou prestando atenção mais nas aulas e
suas notas melhoraram...”. Mal sabia ela, que não era pelo aprendizado e pela
aula a minha atenção toda, e sim pelo coração. Ela estava dentro dele.
Bem, no ano seguinte ela não me deu mais aula, não estava
mais nem na minha escola. Havia sido transferida. Era início de um ano
desenxabido, é claro, mas tudo passou... Depois só fui encontrá-la – e pela
última vez - três anos depois, num evento num ginásio poliesportivo, quando
todas as escolas municipais se encontravam para uma gincana. Quando um amigo me
disse, que ela estava na arquibancada, atrás de nós, eu olhei para o alto. Ela
me viu, me reconheceu e me acenou mandando um beijo no ar. Foi o beijo mais
doce que voou até mim naqueles 14 anos. Ela foi minha Dorothy e eu me senti
como Hermie. Ela se foi e eu também.
Estou lembrando agora do filme “Summer of '42”, ou em
português “Verão de 42” ou “Houve uma vez no verão”. Revi recentemente e
tive sensações esquisitas. Como o menino tem sobre si este tabu do sexo e como
será seu primeiro amor, sua primeira vez. Em mim, assim como em Hermie, veio a
paixão junto com o desejo. Mas Hermie já tinha passado deste ponto. Ele via em
Dorothy a mulher dos seus sonhos. Enquanto seus amigos só queriam a primeira
transa; ele triturava, túrbido, o trágico tabu sexual com o que sentia por ela.
Hermie a via com os olhos do coração, a mais linda paixão que pudesse sentir,
embora houvesse distâncias enormes e um abismo entre eles. Ela, uma moça já
vivida e casada e ele, um pirralho de calças curtas e tenra idade. Quando ela
se foi, depois de ter passado com ele uma noite daquele verão, ele ficou
quebrantado, sofrido, jogado. Sua primeira transa seria lembrada com forte
paixão, e aquilo doeu. Assim como eu, nunca mais a viu, mas a história da
paixão ficou forjada para sempre.
Eu já tinha 15 anos e estudava em outro colégio, quando me
apaixonei por uma menina da minha sala. Eu sabia Física e ela não. Era minha
serventia e truque para sentar com ela e ensiná-la, embora houvesse uma fila de
marmanjos querendo aquele lugar na sua estreita carteira. Minha desilusão foi
descobrir, no final, que ela não gostava de mim e me largou no meio da festa
para ir embora a pé com meu melhor amigo; e depois, para tornar mais trágica a
história, no dia seguinte descobri que os dois namoravam. Naqueles dias
cinzentos perdi a fome e a vontade de viver, assim, me confidenciei com outro
amigo: "nunca mais vou gostar de ninguém...". Como se isso fosse
possível e eu pudesse mandar no universo do coração.
Muitos verões passaram na minha vida, mas nunca iguais
àqueles que me apaixonei na minha adolescência. Penso que, hoje, se esses
meninos soubessem o que é sentir paixão pela professora de língua pátria, não
teriam outros vícios... Eles não se mostram românticos, não se olham, não se
declaram, não choram, não sonham ao ouvir "Rock N'roll lullaby";
e, assim, pensar na mais doce e rara das paixões. Aquela que a gente se
entrega, carrega e sofre num coração de adolescente. Este era Hermie; assim fui
também eu.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / março de
2014.
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