Talvez eu entenda um pouco —
bem pouco — do excessivo zelo, trato, cuidado, nos nossos dias, aos animais domésticos:
festas de aniversario, colos, carinhos, banho, tosa, perfumaria, lugar na cama, presentes. E
gente cada vez mais, e vorazmente, se empenhando em chamar atenção do mundo a essa causa.
Isso
que pode se chamar também, sim!, de amor; o qual, sem sombra de dúvida, vem ocupando
o lugar dos seres humanos no coração dos...seres humanos (será mais um
problema da falta de interesse de um pelo outro, por famílias, ter filhos e sexo? Sei
lá...)
Num mesmo dia, separado só por uns três minutos de intervalo, a TV local da minha cidade divulgou duas matérias jornalísticas, no mínimo, antagônicas. A primeira de grupos de familiares que faziam uma pequena passeata (para chamar atenção) sobre a importância da adoção de crianças. Eram umas 40 pessoas somente. Havia até um casal que esperava um filho na barriga e estava na fila da adoção. Gesto humano e difícil de ver. Do outro lado, na matéria seguinte, uma feira e desfile de pets num shopping da cidade. Aí sim, com milhares de pessoas felizes exibindo seus animaizinhos bibelôs. Pensei comigo: estamos mesmo vivendo outros tempos. O interesse por cães e gatos já superou o de seres humanos.
Estou esperando até agora alguma manifestação. No dia 09 de Setembro último, uma garota de 13 anos foi espancada numa escola em Sorocaba, interior de São Paulo, por outra garota, só pelo fato dela ser... bonita. Isso mesmo, o crime dela é ser mais bela que a bruxa malvada, a inveja em pessoa; e o conto de fadas (sem príncipe) é que a maçã da bruxa de Branca de Neve virou um socão na boca.
Estou esperando até agora alguma manifestação. No dia 09 de Setembro último, uma garota de 13 anos foi espancada numa escola em Sorocaba, interior de São Paulo, por outra garota, só pelo fato dela ser... bonita. Isso mesmo, o crime dela é ser mais bela que a bruxa malvada, a inveja em pessoa; e o conto de fadas (sem príncipe) é que a maçã da bruxa de Branca de Neve virou um socão na boca.
Resultado:
arrancou-lhe os dois incisivos centrais de sua boca. Ninguém veio nas redes
sociais (Facebook) dizer uma palavra, se indignar
com tamanha estupidez e covardia (a outra que atacou era três anos mais
velha). Mas fosse ela pertencente algum grupo de minoria, ou uma gatinha maltratada, isso teria comovido o mundo, e autoridades seriam cobradas por justiça.
Vivemos, de fato, a Era do antagonismo com perda dos valores humanos. A
cada dia perdemos, também mais, o poder de se indignar com esse solapamento de vidas, ou simplesmente aquilo que é inerente ao ser humano; contudo, os canalhas autoritários
avançam sobre nós com mais vigor e poder — tudo que lhes demos. Até virarmos pó e refém por
completo.
Há
algo de errado no mundo de hoje. Onde os animais são enterrados com honras de
grandes homens; e homens são mortos, sem nenhum remorso, como se fossem
pequenos animais.
Mas
eu só vou entender mesmo essa inversão (sentimental), essa carência, essa
afetuosidade, o dia que ouvir um gato num bar mentindo vergonhosamente para o
garçom; e depois ver um cão traído, cabisbaixo se matando melancólico,
enforcado com sua própria coleira.
Haverá compreensão, estarão mais humanizados; aí sim, dá pra amar, conviver, gargalhar,
sofrer, acolher como seres humanos. De outro modo, fica fácil ser só animal
doméstico abanando o rabicó. Afinal, eles são encarnações de anjos do céu:
bonzinhos e sem maldade alguma — dirão.
Desde
onde o homem conhece o outro, ele é suscetível a ser irritante, falho,
hipócrita, mentiroso, covarde, desleal; mas também carinhoso, leal e amável: o livre arbítrio divino. E de poder amar no outro o
que também tem de pecaminoso e pior em si. Esta coisa de amar só o bem é
abjeção com cianeto. Homem nenhum abana o rabo quando vê um canalha.
Penso, assim, se outra vida tivessem, muitos desses gostariam de nascer gato de madame,
porque todos querem ser gatos e cães de pedigree. Se gato não faz nada, só come, bebe, espreguiça e se lambe, imagina
o de madame. Que inveja felina! Tive cachorros em casa, mas eles viveram como devem viver animais domésticos: nos fazendo felizes no quintal.
Aqui
não é céu e não dá pra brincar disso: agora eu quero ser animal, porque eles
não traem, não mentem; e por essas e outras merecem o lugar do ser humano nos
banquetes. Ainda temos muito que falhar e pecar; e eu só entendo amar quando os
defeitos também são evidentes, como os nossos. Amar o bem perfeito e quem só late ou mia é fácil e confortável. Quero ver amar quem tem defeitos como os nossos.
Sei, por fim, que contrario muitos amigos queridos que se dedicam a essas causas (até com exagero). Eu, porém,
não entro nessa turba da causa animal, porque ainda estou tentando entender e aprender a causa humana.
©
Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Outubro de 2014.
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