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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Além das montanhas

(Comecei um novo texto sobre o bem e o mal, mas como aquele comediante Costinha, parei o causo no meio para contar outro que me pegou mais inspirado. Depois eu volto.)

Eu ainda subia em árvores quando estreou nos cinemas o filme Horizonte Perdido” (muitos anos já se passaram), e, como muitos outros, só fui ver tempos depois, quando adquiri grandeza, entendimento e gosto apurado. O filme é homônimo do livro de 1933, do britânico James Hilton. Acabei de ler o livro, mas o filme já  havia me trazido antes perguntas (algumas sem respostas); tudo que me levou numa viagem enigmática a um lugar distante e perdido nas montanhas, ao tempero de belas canções de Burt Bacharach. Lua azul (Karakal).

(O livro tem uma narrativa mais detalhada e um final diferente do filme. As minhas questões, porém, são as que o filme me deixou.)

Três anos atrás, quando vasculhava uns filmes completos no YouTube (esses de domínio público), deparei com o Horizonte Perdido. Vi as primeiras cenas, sem saber do que se tratava, e de cara já gostei da música. Baixei o filme, com uma qualidade ruim, diga-se de passagem, mas assisti atento e emocionado com sua mensagem sutil; depois a contribuição das belezas de Olivia Hussey (Romeu e Julieta) e Liv Ullmann. Há algo surpreendente. E uma pergunta incomoda ao espectador: foi sonho ou realidade?

Depois da queda do avião, um grupo de cinco pessoas (no livro são quatro) fica perdido nas montanhas nevadas do Himalaia. Ali, longe da civilização, Conway e seus companheiros estão entregues à sorte. Mas, antes que pudesse bater o desespero, são surpreendidos por uma expedição que passava (ocasionalmente?) por ali. Depois de lhes darem alento, aqueles andarilhos oferecem agasalhos e sapatos adequados para a neve. Mais do que isso, aquele guia, num gesto acolhedor, também lhes oferece abrigo num mosteiro, muito além das montanhas. (Eles não sabiam o que encontrariam.) 

Horas e horas de longas caminhadas e vento forte, eles chegam. Ao avistarem aquela paisagem de floresta muito verde e construções como uma vila medieval — ao avesso de tudo do outro lado da montanha —, percebem que estão num lugar paradisíaco, onde a água cristalina jorra das colinas, o clima é ameno e a vida é lenta como será longa.

Shangri-la era um paraíso, de fato. Naquele mosteiro, num canto esquecido do planeta, iriam perceber uma comunidade apaziguada sem tristeza, roubos, mentiras, perseguições, corrupção, fortunas e muito menos comunicação com a velha civilização — como depois descreveu o monge Tchang. Seria possível aquela vida isolada de tudo?

Mas eu enxerguei mais do que isso no filme. Aquela descrição de paraíso, incrustado no meio das colinas nevadas, remeteu à um vácuo, um fio atando a vida terrena à morte — um universo paralelo. Aquele instante que a vida se esfacela, com o desvendar do outro lado (da montanha) e a opção de viver o eterno ou o risco de voltar e morrer (definitivamente) nas avalanches das cordilheiras e de outras doenças. Shangri-la parece um caminho sem volta.

Richard Conway (Peter Finch), como os demais, ia percebendo aos poucos como Shangri-la era agora sua última fronteira. A dúvida que atormenta, do desejo de voltar à civilização, só revela a vida viciada de mentiras, violência e de abandono que não conseguimos nos libertar. (Para onde vamos não há volta.) Parece que não  fomos programados e não suportamos uma vida em paz, sem desejos, exuberância e o poder do dinheiro. Aquela vida sem desafios, guerras diárias num tempo que não passa de Shangri-la, anunciava uma tediosa jornada. Cadê as notícias ruins?

Assim penso que seja o outro lado da vida (da montanha) — parece o que se propõe o romance. Quando atravessamos, não olhamos para frente e diante de quem estamos, mas olhamos para trás e tudo que deixamos na vida interrompida; achando que podíamos ter vivido mais, ter tido mais, ter viajado mais, sonhado mais. A angústia da não aceitação, que não se tem mais aquele corpo, do outro lado, mesmo sabendo que lá o tempo não passa e não precisamos juntar riquezas como forma de sobreviver. Demoramos a entender que a alma se alimenta de outras coisas.

Já caminhando para o final, Conway é pressionado por seu irmão (ele se apaixonou pela "jovem" Maria) a deixar Shangri-la. Entre a cruz e a espada, ele decide, por fim, partir, deixando aquele sonho que  nunca imaginou ser tão real; e depois esquecer sua paixão por Catherine, a professora que conheceu em Shangri-la. Ele estava mesmo decidido a voltar à realidade da civilização, talvez porque duvidava que tudo o que vivia ali era mesmo verdade. Ao vê-lo partir, o velho Tchang, num ar de passividade e confiança, diz assertivo: "ele vai voltar".

Na caminhada, a neve, o vento varrendo e a avalanche vêm com crueldade, e aquele pequeno grupo se vê em risco. A perder toda pureza do ar e de todas as maravilhas de Shangri-la, Maria envelhece no caminho e morre de fraqueza. Ao vê-la morrer, seu irmão se joga num desfiladeiro e Conway, dias depois, é resgatado, despertando numa cama de um hospital de campanha. Ele teve alucinações falando de um lugar chamado Shangri-la, disse o médico. 

A morte talvez seja mesmo essa passagem, como acreditam algumas pessoas. Uma travessia desse para o outro lado da montanha, como um mundo em paralelo no meio, onde o tempo não passa e a volta é quase impossível. Mas a pergunta que fica sobre o final, quando Conway desperta do seu coma: foi realidade ou sonho? Não tem como saber o que se passou. Conway, então, foge do hospital e sobe as montanhas de neve novamente tentando encontrar o caminho que o leve à Shangri-la, onde está a vida que ele agora quer viver, eterna e com a mulher que amou.

Depois desse "the end", fiquei entalado me perguntando sobre aquele desfecho e até onde nossos sonhos podem nos levar. Toda vez que ouço notícia que um avião desapareceu na sua rota, penso que foi resgatado a um horizonte perdido; num mundo paralelo, onde a vida é calma e sob uma lua azul. Não houve morte, mas resgate. Uma verdadeira Shangri-la, onde o que menos importa é o tempo passar.
 

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Julho de 2016
   

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Os mesmos, os mesmos...

Os mesmos que impõem ciclovias nas cidades, sem nunca ter havido necessidade, são os mesmos que impõem cotas nas universidades. 

Os mesmos que impõem cotas nas universidades, sem ninguém ser consultado, são os mesmos que dizem haver racismo nos olhos das pessoas. 

Os mesmos que dizem haver intolerância aos montes, sem ninguém muito se queixar, são os mesmos que dizem haver cultura do estupro. 

Os mesmos que dizem haver cultura do estupro, sem ninguém nunca provar, são os mesmos que são a favor do desarmamento. 

Os mesmos que são contra a população armada, quando todos pedem ao contrário, são os mesmo que querem menos polícia. 

Os mesmos que pedem menos polícia, enquanto a maioria pede mais, são os mesmos que reivindicam leis que protegem bandidos. 

Os mesmos que acolhem bandidos e marginais, enquanto todos pedem mais punição, são os mesmos que pedem a liberação das drogas. 

Os mesmos que pedem a liberação das drogas, quando todos pedem mais rigor ao tráfico, são os mesmos que querem derrubar toda estrutura da família. 

Os mesmos que são contra a família como está e foi concebida, enquanto a maioria quer preservar suas raízes, são os mesmos que aplaudem transa gay em novela. 

Os mesmos que apoiam e aplaudem transa gay em novela, quando ninguém quer ver isso, são os mesmos que apoiam marcha, sem causa, das vadias. 

Os mesmos que apoiam as marchas feministas, quando a maioria não quer ver mulher de peito de fora e defecando na rua, são os mesmos que dizem: "precisamos falar de aborto". 

Os mesmos que se dizem a favor do aborto, enquanto a maioria é a favor da vida, são os mesmos que são contra a maioridade penal aos 16 anos. 

Os mesmos que não querem incriminar ninguém aos 16 anos, enquanto a maioria acha que bandido não tem idade, são os mesmos a favor da mudança de sexo aos 12 anos. 

São os mesmos, os mesmos sempre, agindo em cadeia, diuturnamente, numa forma de coação e imposição do convencimento coletivo. 

E DEPOIS NÃO VENHA DIZER QUE ISSO NÃO É DOUTRINAÇÃO.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Julho de 2016