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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Pesar de você


Dois dias depois da eleição de Jair Bolsonaro, num ato de protesto em favor da democracia (oi?), Guilherme Boulous arrastou alguns punhados de estudantes — sempre eles — para seu delírio revolucionário; também para dizer que agora eles seriam a “resistência”, como se estivéssemos às portas de um regime de exceção. Entre um discurso e outro, vi alguns jovens (18 anos, por aí) entoando “Apesar de você”, que rolava numa caixa de som.

A música composta em 1970 era uma carta (sem selo e postagem), em versos subliminares, direcionada ao presidente que Chico Buarque não gostava: Garrastazu Médici. Médici era o “você” da música-homenagem. Etecetera e tal laiá laiá...

Quase meio século depois, a música foi exumada e agora é retumbada em atos de protestos dos movimentos de esquerda pelo país. (Na cabeça deles, ainda vivemos aqueles anos. Ou: ninguém escreveu algo melhor para o Brasil de 2018). Mesmo esses jovens (anos 2000), que nunca tinham ouvido, num desconhecimento histórico, passaram a cantar, como um ato contínuo.

Mas, preste atenção na letra. Ela não se assemelha com nada do momento atual do país; momento de mudança, de pôr ordem na casa, de combate à corrupção, de respeito aos símbolos nacionais e à Constituição. Tudo sob os olhares da velha e boa democracia. Uma roupa surrada, puída querendo se vestir numa visão nova de país. Por outro lado, a música se encaixa melhor (mais apropriada) nos 14 anos de Lula/Dilma. O trem fantasma de onde o país saiu e agora quer esquecer.

O caminho que o PT estava conduzindo o país, sob a agenda do Foro de São Paulo ipsis litteris, era autoritário e ditatorial. Não há mais dúvida! Um Estado inchado, corrupto e de poderes plenos ao partido da estrela vermelha. Sob seus pés, uma população miserável, sem emprego, sem educação, indefesa, amedrontada e viciada em assistencialismo. É fato: tudo que eles diziam combater era o que queriam nos servir: a grande pátria latino-americana e socialista. Fomos salvos e despertados pela Lava Jato e por Sérgio Moro, aos 40 minutos do segundo tempo.

Hoje, quando vejo um jovem desses, geração snowflake (rebelde sem causa), cantando o que nem sabe o que representou, eu sinto mesmo um pesar dele; um pesar de você.

 © Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / novembro de 2018