Quando
era um petiz, o compositor Francisco Buarque de Hollanda não aceitava o fato
do lixeiro fazer um serviço tão pesado e não ganhar mais que seu pai,
que sustentava
7 filhos escrevendo à máquina, dentro de um escritório, com conforto. (Ele não aceitava a vida burguesa, mas não pensava em divisão. Curioso.) Ele queria que
sua babá — ele tinha uma — se casasse com o lixeiro, mas ele não ganhava
o suficiente para sustentar uma família, pagar aluguel, contas, etc. Foi o que ela se queixou.
Passados
quase 70 anos, a sociedade não "evoluiu" a ponto de abolir o recolhimento de
lixo de nossas vidas, tampouco fez o lixeiro ganhar mais que um
escritor. O lixeiro
continua tão útil quanto um escritor, um jornalista, um compositor de
música, um professor, um dançarino, um operário da construção ou um filósofo. (A babá, ao contrário, é um luxo social mesmo.)
Cotidianamente, o lixeiro continua a passar em frente do seu prédio na zona sul carioca, recolhendo suas garrafas vazias de vinho
importado e latas de caviar — presunção.
Durante
sua trajetória de vida, aquele menino, que achava o mundo injusto e desigual, não quis saber do trabalho braçal; ele foi impelido a ser como seu pai: viver dentro do ar refrigerado, compondo
músicas e sustentando
seus bens e luxos (e tudo que pudesse manter seu público com o velho discurso socialista). Teve talento para criações e não para carregar peso nos
ombros. Era um sonho, um desejo pueril, mas pesou em sua escolha de
caminho (de mundo melhor e justo), o fato de ser pertencente a ele. Tudo
muda (e faz sentido) quando o interessado e sacrificado
somos nós. Não há pensamento socialista que renegue o berço.
A
desvalorização, se nós podemos dizer assim, de uns em detrimento a outros é
milenar e, consequentemente, lógica na escala social da história da humanidade; o que fez, por milênios, o
mundo ter sido mais escravista. O que também se diferencia as pessoas pelo intelecto, talento, expertise e não
por injustiça social. A uns foi dado o talento da ideia do que fazer com
as pedras; a outros foi dada a força para carregá-las, transformando as ideias do criador em algo para o sustento da vida de ambos.
E assim sempre será.
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Julho de 2017
© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Julho de 2017
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