Sente a brisa do metrô. Não é uma delícia? |
Quando pensei em escrever essas linhas, era
pretenso que o texto fosse jocoso, cômico; pinçadas textuais como referência às
comédias dos anos de 1950, protagonizadas e estreladas por Marilyn Monroe. Aos
poucos, enquanto mergulhava em sua vida, aparecia mais e mais a sua verdadeira
silhueta: medos, perturbações, insegurança, frustrações, vozes, dualidade e as
buscas (sem remédio) para uma mente doentia. Percebi a seriedade que
deveria tratar a pessoa, e, consequentemente, o mito que desejava descrever.
Já faz alguns meses ganhei de uma amiga o livro
“1001 filmes para ver antes de morrer”. Para cinéfilos, um belo presente, um
livro de consulta e profícuo. Se conseguir ver a metade dos filmes ali
recomendados, já estarei satisfeito. O livro seria perfeito — minha amiga vai
brigar comigo —, se não faltasse um filme. Cadê, senhor editor, “O pecado
mora ao lado”? Você esqueceu! Você não gosta de Marilyn? Já sei! Como todas
as outras mulheres feias e desprovidas de “sex appeal”, sua mulher o
proibiu da recomendação do filme. Despeito, Marilyn ainda vive e continua
causando com ou sem a inveja de sua mulher. Mas, pode dizer que não há
mais nada além de Marilyn naquela comediazinha sem tempero; aceito, afinal o
que mais precisaria aparecer naquele filme do que a figura de um mito. E
maravilhosamente linda.
Verdade mesmo, ele não se esqueceu dela, esqueceu só
do filme. No livro, cita o filme “Quanto Mais Quente Melhor” — 1959, também
estrelado por Marilyn, mas a cena ali foi roubada pela interpretação de Tony
Curtis e Jack Lemmon fazendo papéis femininos. Mas, em “O pecado mora ao
lado” (The seven year Itch) é todo de Marilyn. O título do filme é
justificado pelo que ela representa: a encarnação do próprio pecado.
Frequentemente flertamos com o pecado em nossa vida, mas abolimos a sua
pregação e juramos não mais cometer (eu juro!). “O pecado é que dá
tesão e não a liberdade sexual” — disse Luiz Felipe Pondé. Marilyn é sua
própria encarnação na Terra. Olhar, desejar, pensar em Marilyn é pecar
mortalmente.
Revendo o filme — sempre com os olhos mais atiçados
—, como se esquecer daquela cena imortal do vestido que se levanta ao vento da
grelha do metrô? (Sente a brisa do metrô. Não é uma delícia?) Qual
meninão (ou homem feito) não tenha tocado o chão com suas babas naquelas pernas
torneadas e a inocência da personagem tentando segurar a barra do vestido
plissado? Ela nem precisou tirar a roupa, aquela cena bastou todas as outras
provocantes já feitas no cinema. Seu marido na época, Joe DiMaggio, quase teve um
ataque quando acompanhou-a no set de filmagem; com a cena sendo repetida
mais de 15 vezes — mesmo sabendo que ela usava duas calcinhas, bem comportadas.
O casamento se ruiu após esse dia, ela pediu o divórcio por não aceitar
mais viver com um marido ciumento que a batia covardemente.
A cada repetição — e não me canso — de “O pecado
mora ao lado”, um centímetro a mais de seu vestido se levanta naquela cena;
Marilyn Monroe está cada vez melhor... Os argentinos dizem o mesmo
de Gardel: “está cantando como nunca”; Marilyn está cintilante, também,
como nunca. É a figura do mito, vivo, presente, imortalizado em nossas
memórias. No poema “Ulisses”, o poeta português Fernando Pessoa
descreve: “O mito é o nada que é tudo / O mesmo sol que abre os céus / É um
mito brilhante e mudo / O corpo de Deus, / vivo e desnudo”.
Os mitos atravessam os tempos, não morrem jamais.
Eternizam como águas nas fontes, jorrando sem parar. Ela é daquelas mulheres
que vieram ao mundo não para ser uma dona de casa, criar filhos, amar um só
homem e viver anônima. Aterrissou aqui para ser estrela, deusa, bela, blonde,
sensual, provocante, fonte infinita e inquieta de beleza... Suas curvas e
silhuetas são injustas às demais obras humanas já desenhadas, provocando um sentimento
ambíguo: se ama Marilyn, se odeia Marilyn — na mesma frase. Uma mulher arguta,
que faz qualquer ser humano sair de sua compostura, até os sem pecados... E vão
dizer que não precisa de talento para isso? A natureza a esculpiu como suas
melhores obras de arte, na forma mais perfeita e generosa. Assim, como nas
palavras que trago de Rubem Alves: “a alma não se cansa da beleza. A beleza
é aquilo que faz o corpo tremer”. Em outro trecho completa: “tive
vontade de chorar por causa da beleza. A beleza tomou conta do meu corpo, que
ficou arrepiado: a beleza se fez carne”
Marilyn é tudo que se pode se dizer de beleza na
inquietude do ser. Um altar contemplativo. Desculpem-me as magras (modelo de
beleza atual), mas ser Marilyn Monroe é essencial. Não há nela, a silhueta
retocada com foto shop, com lipoaspiração e plásticas antes dos clicks e
filmes — truques muitos utilizados hoje em dia. É possível notar, em algumas
cenas, que ela tem até uma barriguinha, bem sutil. É beleza mesmo, pura, sem as
máscaras tecnológicas de hoje, que escondem até o umbigo.
Marilyn nasceu Norma Jeane. Ainda bebê, nos
primeiros dias de vida, sua mãe Gladys Baker — sem condições psicológicas de
criá-la — entregou-a a um casal de desconhecidos. Mãe e avó sofriam dos mesmos
problemas. Contam que, sua avó fazia da gaveta da cômoda o seu berço. Infância
sofrida por muitas perdas e lares arruinados. Depois da morte da avó, a vida da
pequena Norma Jeane foi de casa em casa, até parar num orfanato. Durante um
curto tempo, foi obrigada a viver com sua mãe; uma mulher esquizofrênica,
psicótica e desequilibrada; tão doida — talvez mais — quanto o pai que nunca a
conheceu. Certa vez na infância, num momento raro de lucidez, sua mãe lhe
disse: morra na hora certa! (no auge). Ela obedeceu. Após ter vivido o seu
último romance, com John Kennedy, o presidente dos EUA, Marilyn morreu em
agosto de 1962, aos 36 anos de idade, de causa mortis ainda suspeita.
Ele também morreu um ano depois em Dallas-Texas, por tiros disparados por Lee
Oswald. Algum roteirista sádico poderia ter escrito que ele teve inveja do
presidente garanhão. Eu também teria.
No verdadeiro roteiro da vida, que a levou do
estrelato à morte, ela não soube lidar como os traumas da infância, com o
sucesso galopante, a fama, o sexo, os calmantes para dormir e não dormir, o
desejo dos homens por ela, seus casamentos e com a personagem que criaram para
Norma Jeane; se vendo escravizada por ela até sua última gota de sangue. “Os
homens não me veem, eles me olham” — disse ao seu psicanalista. Faltou-lhe
o quê? O berço necessário da infância, a estrutura familiar, o preparo
para uma carreira de sucesso, o amor das pessoas ao redor? Tudo, talvez, numa
vida curta, onde a única coisa que lhe sobrou, foi beleza em torrente. Ela até
tentou ser normal, mas sem sucesso, ela era Marilyn Monroe.
Depois do fim do casamento com Arthur Miller,
desabafou: “tentei melhorar um pouco, e quando consigo, descubro que estou
imitando eu mesma”. Pobre menina, ela só queria ter uma vida normal, casar,
ser mãe, ter família... Tudo que não teve. Por muitas vezes, dizia invejar as
pessoas de vida comum — se queixava à sua meia-irmã Berniece. Mas, foi tragada
pela fama, levada pelo glamour; subjugada pela personagem que mais soube
representar em sua vida: Marilyn Monroe. Nunca mais voltou a ser Norma
Jeane. Longe das teorias conspiratórias, foi roubo de vida mesmo; digo,
Marilyn Monroe, sequestrou, aniquilou, manteve em cativeiro e viciou Norma
Jeane até sua morte. Ela tentou matar Marilyn da sua vida; quem morreu foi Norma
Jeane, a vida real. Não há outro fato histórico que prove o contrário.
Nesse ensaio com Marilyn, descobri, com seu
hipnotizo que imanta meus olhares, o mais doce pecado. O que podemos fazer
mais com uma taça de champanhe e um saco de batata chips? Pecar com Marilyn, é
claro. (Não se preocupe. Está tudo bem. Um homem casado, ar-condicionado,
champanhe e batata chips. É uma festa maravilhosa...). Descobri depois, na
pele que cobria Norma Jeane, havia Marylin Monroe; e na sua tez todo pecado,
que convida a maltratar e açoitar quem se deixa levar por sua beleza
inquieta. Descobri, por fim — já numa forma de rendição —, que o pecado não
mora mais ao lado; o pecado, agora mora dentro de mim.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e
urbanista / maio de 2011.
6 comentários:
Nisso tudo que vc escreveu, apenas consigo ver o homem intenso que vc é....
Olha mais uma do meu bom amigo Tonhão!!!
Abraços meu querido!!!
Essa foi mais uma do meu bom amigo Tonhão!!
Abraços queridão!!
“Os homens não me veem, eles me olham”... Eu sempre gostei de Marilyn Monroe, nunca a invejei, já usei até fotos dela em um perfil de um site, rss
Talvez em algum momento da minha vida eu tenha me sentido como ela: Os homens não me veem... eles me olham...
Acredito que mais do que a infância cheia de traumas, ser estupidamente bela tenha lhe causado muitos problemas, gostei do que escreveu dela aqui, acho que mais do que intenso como alguém aqui te intitulou, és sensível... Coisa boa de encontrar!
Mas no fim, caiu aos encantos da beleza... mas não só a exterior!
bjus
Meus parabéns! Amei seu texto, sua descrição foi perfeita, se tratando de Marilyn...linda, maravilhosa, sexy, inesquesível. Se eu fosse homem teria morrido por ela. Mas sou mulher e me inspiro nela. bjus
Linda crônica,
Marilyn Monroe não será a mesma pra mim depois dessa produção...
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