Durante uma noite, quando navegava pela rede, descobri – sem querer - um texto escrito três dias depois da morte de Marilyn Monroe (a pronuncia certa é “monrôu”). Essa crônica, intitulada apenas “MARILYN”, foi publicada no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 08 de Agosto de 1962 (ela morreu dia 5). Seu autor é o cronista José Carlos Oliveira. Desconheço seus textos, mas este vem bem de encontro ao que escrevi sobre ela. O mito, a mulher, a sensual Marilyn Monroe.
MARILYN
Antes de mais nada era um corpo, não há dúvida. Um corpo tremendamente perturbador. Um corpo de formas opulentas, sempre na fronteira da obesidade: corpo de mulher-fêmea, acrescido de um defeito particularmente feliz nos joelhos: quando ela andava, só pensava em sexo, sexo, sexo. A pele clara e roliça descia vertiginosamente pelos decotes, deixando entrever a totalidade do corpo envolto em roupas colantes, e então ninguém mais pensava em outra coisa que não fosse sexo. Mas era, além disso, um sorriso maravilhoso, ao mais belo sorriso que jamais houve. Quando Marilyn sorria, a perturbação do espectador aumentava. Ela sorria com a língua entre os dentes – dengosa, maliciosa, pura dádiva. Era a feminilidade em pessoa. A alegria em pessoa.
Ela não teve infância. Nem pai, nem mãe, nem família. Cresceu como enjeitada em sucessivos lares. Não há motivo para atribuir à publicidade a informação obtida no momento supremo da glória: - violaram-na aos sei anos de idade. Há um detalhe praticamente infalível na biografia dessas deusas da beleza, sejam atrizes ou call-girls, de acordo com o inquérito e com os depoimentos de psiquiatras: - nos Estados Unidos, a violação de meninas bonitas ocorre com a assustadora frequência. Humbert Humbert, atormentado pelo encanto da nymphets, não é apenas um momento privilegiado do romance moderno, mas a revelação de um desejo que está presente na aventura íntima do cidadão norte-americano, desejo ara o qual Lolyta provavelmente representa um veículo liberatório eficaz.
Marilyn encontrou na história do cinema pela porta do menor esforço, isto é, tão logo descobriram que tinha corpo. E tão logo decidiu revelar-se na totalidade sua pessoa, isto é, corpo e espírito, sensualidade e tormento, ânsia de felicidade e desconforto no pináculo da fama – humana, frágil, sedenta de afeto, incompreendida e solitária – então, foi deixada em paz. Naquela paz desconfortável, naquela pobreza profunda da vida rodeada de riqueza e mentira. Mas eu pensei muitas vezes que o ser humano é indestrutível, porque toda a vergonha daquela infância e, mais tarde, o selvagem mecanismo que cria e devora os ídolos modernos, nada disso conseguira destruir o maravilhoso e inesquecível sorriso de Marilyn. Agora vejo que estava enganado.
Por José Carlos Oliveira
Jornal do Brasil – 08 de agosto de 1962
Sobre o autor:
José Carlos Oliveira (Vitória, 18 de agosto de 1934 - Vitória, 13 de abril de 1986) foi um escritor brasileiro. Celebrizando-se por suas colaborações diárias no Jornal do Brasil para onde escreveu por mais de duas décadas, tornou-se um dos grandes cronistas brasileiros do século XX, mas praticou também o romance e o memorialismo.
Posta por Antônio - junho 2011
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