BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Amigos incorretos

Já se passaram 25 anos e parece que foi ontem... (Eu e essa minha sensação apocalíptica de tempo passando de pressa. E como passa...) Mas aí eu pergunto: o que nos faz lembrar 1994? Os saudosistas dirão que foi o ano do tetra campeonato do Brasil, do trágico acidente que vitimou Airton Senna ou do Plano Real. Mas quase ninguém lembrará que foi nesse ano que estreou uma das séries mais icônicas feitas para a TV, no mundo. (Os chamados sitcoms são a elevação do humor num encontro com a vida real.) Se não foi a maior produção, com certeza é a mais assistida de todos os tempos. Friends é engraçado, sensacional e atemporal.

No Brasil, a série só começou mesmo em 1996. Naquela época, os canais pagos eram de uma raridade, que só quem tinha uma antena da DirecTv podia assistir algo além da programação global. A Warner Brasil passava Friends na mesma sintonia que a TV americana. Eu, porém, só tomei conhecimento quando ela já estava acabando. (Fazia muitas coisas naquela época, menos ver TV.)

As mídias modernas e os streamings deixaram as TVs mais interativas, misturando-se com a internet, e todo mundo hoje pode ficar atualizado com tudo que rola aqui e lá fora. Inclusive com a programação dos lançamentos. Hoje, streamings como Netflix, Prime Vídeo ou de música Spotify colocaram-nos equalizados e ninguém perde mais nada. Basta pagar.

Voltando à conversa. Minha intenção nestas linhas, claro, não é descrever os personagens de Friends e nem contar curiosidades sobre a série. Há no YouTube e na internet uma vastidão de vídeos e artigos. Não serei eu mais um a contar — já contando —, por exemplo, que a moldura amarela pendurada no olho mágico na porta da Rachel/Monica era de um espelho que havia quebrado e o cenógrafo achou que ficaria bom ali. Virou logomarca, estampa de camiseta, souvenir; e ali permaneceu, por longos 10 anos.

O que me faz refletir sobre a série, e como relatei parte na crônica sobre Bridget Jones (ler aqui), é a linguagem: coloquial, comportamental, despojada e como ela separa, de forma substancial, aquela geração desta aqui, ressentidos de 2019. Aquela geração era politicamente incorreta e mais madura. Tinha um linguajar mais solto, sem advertências e óbices de intolerância. Muito diferente da linguagem de hoje, totalmente corrigida, censurada, pautada e forçando a barra para uma narrativa preconcebida.

No Brasil, isso ganhou um nome recente que pegou na internet: lacração. A postagem, as leis de governo, o discurso, a publicidade, a premiação do Oscar, os filmes de Hollywood, as novelas globais e todos os meios que tentam se comunicar através da cultura têm que lacrar na esteira do politicamente correto; vendendo diversidade para parecer legalzinho, como uma forma de corrigir possíveis falhas de comportamentos do passado. Com isso, quase tudo que se produz hoje tem um sotaque dessa narrativa chata, enfadonha e apodrecida. Foi-se o mérito, a frase marcante, a piada improvisada. Em seu lugar entrou o babaca lacrador, que para tudo ruge, corrige e "problematiza".

Como já escrevi numa postagem do Twitter, os progressistas não só querem dirigir nosso presente (apontando para o futuro), mas também se empenham em corrigir o passado. O marinheiro Popeye, por exemplo, na sua "ressignificação" (outra palavra inventada), trocou o cachimbo por um apito. Isso mesmo!, problematizaram o cachimbo de um personagem de 90 anos. Até programas nacionais, como a Escolinha do Professor Raimundo e Os Trapalhões ganharam nova linguagem politicamente correta. Ninguém gostou.

O termo politicamente correto e seu emprego é anterior a Friends, claro. Mas ganhou muito mais fôlego e espaço nos meios culturais a partir dos anos 2000. E isso pôs um freio moral, ético à dialética, orientou textos de escritores e roteiristas. Hoje ninguém consegue mais ter liberdade para criar um roteiro, um diálogo contrário à agenda progressista. Friends é marcado por essa linguagem que não veremos mais: despojada, solta, sem censura e ainda muita engraçada, até hoje.

Os seis personagens criados por Marta Kauffman e David Crane são brancos, de classe média, não-tatuados; não usam drogas, não fumam, não bebem. E por incrível que pareça, eles são heterossexuais — hoje tornou-se necessário dizer isso. Em todos os 236 episódios é possível encontrar muitas cenas, piadas sobre sexualidades com despojamentos e sem medo de uma nota pautada, com exclamação, do NYT. Faz pouco tempo vi a chamada de um artigo que dizia que Friends era homofóbico. Ri alto antes e depois que li a matéria cheia de não-me-toques e discurso politicamente correto. Gente chata, ressentida e sem sexo dá nisso.

Num episódio — difícil lembrar qual — Phoebe beija Rachel na boca. Um beijo até demorado, com muita comemoração do público presente na gravação. Havia um contexto todo ali, claro, até porque, segundo pesquisas, eles já se beijaram um ao outro em algum momento dos 10 anos. Agora, imagina o que a Folha de São Paulo diria hoje? Que havia ali um beijo lésbico; foi o primeiro da série; seriam elas bissexuais? E todo esse bla bla que só interessa a esse mundo lacrador.

Agora, tente imaginar se Friends fosse feita hoje:

RACHEL: Foi morar na república porque brigou com os pais, pois eles estavam se metendo demais na sua vida. Queria sua independência, mas vive mandando WhatsApp para o pai quando a grana acaba. Uma vez por semana, ela também leva suas roupas para a avó lavar.
PHOEBE: Feminista, tatuada, cabelo roxo, piercing no nariz e não depila. Marchou contra Trump e é  a favor do islã. Anticapitalista, abortista, toca violão muito mal e canta pior ainda suas músicas sem rimas, com letras falando em empoderamento.
MONICA: Lésbica não assumida, ela tem uma paixão recolhida por Rachel e sofre muito por não ser correspondida e ter que disputar esse amor com seu irmão Ross.
ROSS: Professor de história da rede pública. Marxista até o último fio de cabelo. vive doutrinando os alunos, dizendo que Hillary sofreu um golpe e Obama é o pai dos pobres. Cabelo com coque e maconheiro.
JOEY: O negão da série (entrou pelo sistema de cota hollywoodiana). É um gay preguiçoso que usa calça apertada. Não fica em emprego e vive reclamando de discriminação e preconceito, pois acha que merecia ganhar mais que os brancos.
CHANDLER: Mora com Joey e forma o casal da série. Vive dando chiliques e gritos histéricos quando Joey não arruma a cama onde eles dormem. Tem um pato e um galo de estimação, o que deixa nas entrelinhas se os animais dormem com eles na cama.

F.R.I.E.N.D.S - Essa foto usando canudinho plástico é considerada, hoje, uma ofensa à moral e aos bons costumes progressistas.
Friends não deixou saudade, porque, como os Beatles, muitas gerações ainda rebobinarão a fita e repetirão como eu tenho feito. O que deixa saudade é aquela geração, de uma era que parece não existirá mais. Na cena final do 236º episódio, eles estão no apartamento já vazio e cada um dos seis deixa a chave sobre o balcão, encerrando aquele ciclo, aqueles longos 10 anos.

Ali, naquele dois cenários dos apartamento e no sofá do Central Perk, nenhum jovem de hoje seria capaz de assumir, sem medo e agruras. Por que aqueles engraçados amigos são únicos e representaram uma geração corajosa, independente, sem amarras e sem falas teleguiadas. Friends fechou um ciclo de uma época que não volta mais.

Certa vez, li um texto que brincava com uma possível viagem à lua. O que (ou quem) você levaria? A pergunta era como se você nunca mais retornasse, mas poderia levar algo. Lembro que alguém (friendmaniac) respondeu que levaria um box de DVD com todos os episódios de Friends. Na época achei curioso e hoje dou razão. Seria uma bela lembrança deste mundo.

Estou namorando um pôster na internet que tem no seu título "It´s the end of an Era" (Isto é o fim de uma Era). E acho que foi mesmo. No rodapé do pôster há um resumo, em números, do que foi Friends: 5192 minutos, 236 episódios, 138 ex-companheiros (as), 25 ocupações (empregos), 10 anos, 9 casamentos, 7 crianças, 6 pessoas, 5 cidades e 4 apartamento.

1994 é uma imagem no retrovisor de um mundo que não veremos mais. Mas Friends respira, ainda encanta e nos faz lembrar todos os dias como foi bom viver aquela geração incorreta. E se um dia quisermos voltar já sabemos o caminho.

(Ah! Na minha opinião, dos friends quem eu mais gosto é de Rachel — linda! — e o mais engraçado é Chandler.) 

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / outubro de 2019

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

280 caracteres de mim


Sou um usuário do Twitter. Escrevo com frequência, mas também gosto de comentar nas postagens, principalmente da extremimprensa (tudo junto e a ver). E foi por uma postagem, onde eu escrevi a palavra "retardada" que levei um bloc de sete dias. Não sou daqueles que não vivo sem, claro. Isso só demonstra o lado que os donos dessas redes sociais escolheram. O importante é não desistir e sempre se posicionar. E eu acredito nesse "exército do bem" que quer ver esse mundo devolvido ao seu estado natural. Como estou sem postar, selecionei 25 postagens, desses dois últimos meses. Talvez aquelas que achei as melhores. Mas se quiser me seguir, será bem vindo: @Anttonioarq

1 - Nessa tarde, dirigia meu Chevette-74 numa avenida quando, à minha frente, uma mulher sozinha empurrava seu carro. Pensei em parar imediatamente para ajudar, mas havia uma fila atrás de mim. Quando, logo à frente, 3 carros e 3 homens pararam, desceram e voltaram para ajudar. Segui, pensando: maldita masculinidade tóxica, nojenta, machista! Será que eles não sabem que ela não precisa deles, pra nada?

2 - Deus criou Adão adulto pra evitar a fase da juventude e ele ser todo revoltadinho, revolucionário do PSOL, porque sabe tudo do paraíso bla, bla; e depois ele começar a reclamar que Eva é uma chatinha que senta ao seu lado no Poliedro, sem nunca pensar em comê-la.

3 - Com todas as provas anexas, num processo alinhavado, lido, analisado e sentenciado por mais de 15 juízes, Lula NÃO TEM DÚVIDA da sua inocência. Uma ação criminosa na presença de muitos, com várias cirurgias, dias no hospital entre a vida e a morte e uma cicatriz enorme no abdômen, Lula TEM DÚVIDA da facada em Bolsonaro.

4 - Durante a consulta, meu oftalmologista me disse que a sociedade é constituída por pessoas com dons específicos. Há aquelas anônimas que fazem o papel altruísta e aquelas que apontam as falhas de governos por não fazerem o papel dos anônimos altruístas. Eu disse a ele: — Eu sou esse último.
  
5 - Já contei aqui enquanto passava minha calça boca-de-sino... Qdo surge um jabuti em cima d uma árvore, ngm faz a clássica e necessária pergunta: como ele foi parar lá? Ao contrário, eles passam a adorar a cena e brigarão se alguém contestar do pq estar lá. O mundo ficou mais burro.

6 - Um país padece da DESINFORMAÇÃO, quando um criminoso, assassino confesso, é preso e é chamado de “suspeito” ou; quando um bandido perigoso, sem um dedo, assaltante de cofres públicos, sentenciado e cumprindo pena é chamado de “ex-presidente”.

7 - O cuidado dos governos autoritários, ditatoriais de esquerda é não parecer que são ditadores. Um dia o povo venezuelano dormiu achando que estava tudo bem e acordou num inferno, sem entender nada. Era tarde pra reagir. O lulopetismo foi esse alucinógeno q nós deram, por décadas.

8 - Quando uma pessoa constrói um castelo de sonhos, por anos (tijolo com tijolo), e você vem jogar com a realidade num duplo carpado de "João 8:32", ela vai te odiar para o resto da vida; vai te excluir das redes sociais... Afinal, quem gosta de ser acordado no meio de um sonho bom?

9 - Estava aqui amarrando o kichute na canela e pensando... Vai ser impossível Bolsonaro governar daqui em diante sem a consultoria dessas duas “gênias” do pensamento amazonista. Falo, claro, de Luísa Mell e Anitta. Amazonamente falando, nem Chico Mendes alcançou tal cultura.

10 - Depois que um urinol foi parar numa galeria de arte (1917), qualquer rabisco virou arte; qualquer merda escrita num papel higiênico virou poema. Qualquer idiota virou artista sob o discurso do manifesto. E a arte no mundo só piorou, dando espaço, abrindo galerias aos lacradores marqueteiros d si mesmos.

11 - Laurentino Gomes escreveu 3 best-sellers: 1808, 1822 e 1889. E acabou de escrever uma trilogia sobre a escravidão no Brasil. Em entrevista à Revista Crusoé, ele disse: “A escravidão nem sempre foi sinônimo de cor de pele. Até o século 17, a maioria do escravos no mundo era branco”.

12 - Quem sabota a solução, está sabotando também o caminho novo, o progresso, o desenvolvimento, a educação, o conhecimento, a alta-cultura, a inteligência, a meritocracia, o futuro, a felicidade. E sabota, com certeza, o amor e a esperança.

13 - Bolsonaro ocupou todos os espaços que poderia haver à direita da política que, figuras como Doria e Maia tentam, agora, se sobressaírem com um discurso retrógrado, da velha política que os projetaram. Em 2022, entenderão isso quando virem um Cabo Daciolo à sua frente.

14 - Lula foi fazer propaganda para Chávez e disse, à época, que a Venezuela tinha “excesso de democracia”... As pessoas que não sabem passar fome. Um salário mínimo na Venezuela, hoje, não chega a R$ 12,00. Não dá pra comer um x-salada. Entendeu a democracia em excesso?

15 O Presidente Bolsonaro acaba de sancionar duas novas leis: 1) cria uma barreira aérea que impede que a fumaça vindo do Paraguai e Bolívia adentre o céu paulistano, fazendo o dia parecer noite; 2) obriga os donos de iates a apareceram nas fotos com as putas, durante o passeio. Grande dia!

16 - Frota está indo para um “novo PSDB”, segundo ele mesmo. Assim, Aécio será expulso e preso, Serra e Alckmin se entregarão à PF pelos desvios de obras do rodoanel. Aloysio Nunes se arrependerá de ter sido motorista de Marighella, FHC e Doria vão virar atores de filme pornô. 

17 - Se alguém veio te contar que certa pessoa não gosta de você. Procure saber se essa pessoa é seu médico, dentista, advogado, etc. Se for, mude de profissional. Se for alguém que não faz diferença na sua vida, até pra empurrar seu carro quando quebra na rua, tem pessoas anônimas melhores. 

18 - Mulher nova na sua vida é como carro usado na concessionária. Quando você vê, acha bonito, perfeito, a sua cara e não entende por que alguém o pôs à venda, e barato. Você compra e depois de um tempo, com muito trabalho, gasto e manutenção, você entende tudo por que seu dono anterior quis se desfazer. 

19 - Você pode entender a cabeça de um socialista, pensando com a cabeça do ator Pedro Cardoso. Ele disse em entrevista recente que a Globo explorou muito seu personagem Agostinho Carrara. Bem, ele combinou um salário antes, e nunca reclamou. E imagino que deve ter recebido sempre em dia também. 

20 - Ninguém levaria a sério Gramsci. A esquerda não só levou como pôs em prática. Enquanto os militares se ocupavam com o comunismo nas ruas, o gramscismo assolava a cultura e a educação. Um trabalho silencioso de anos. Hoje são eles que ainda resistem com um discurso cafona de LulaLivre. 

21 - As tais patinetes elétricas são agora o jabuti em cima da árvore. (E não foi por falta de avisar...) Agora todos têm medo de tirá-lo de lá e serem questionados pelas pessoas que admiram, acham importante e não vivem sem ter um jabuti em cima de uma árvore.

22 - “Os conservadores estão tomando conta do mundo.” Não! O mundo já era conservador antes de você nascer. Há milênios, milênios… Antes da etimologia que deu origem ao termo. Você que é um retardado surtado, achando que o mundo estava curvado ao seu progressismo, descoberto há duas décadas.

23 - O esquerdismo é o refúgio e a forma bruta do incapaz, do inábil, do fracassado. Uma bela analogia que já ouvi: todo esquerdista é como aquele estudante vagabundo que no dia da prova decide convocar a maioria para um boicote e não fazer a prova, sob qualquer pretexto, porque ele não estudou.

24 - É possível calcular "justiça social"? O quanto interfere em nossas vidas? Mas o termo é bonitinho e vive na boca dos canalhas. O mesmo ocorre com "meio ambiente", Todos os dados alarmistas são sofistas, sem estudos científicos. Tudo que é difícil de mensurar é porque é fácil de manipular.

25 - Quando vejo Chico Buarque visitando Lula, como quem vai ao convento ver Madre Teresa de Calcutá, não me impressiona mais a "única unanimidade nacional" (de 50 anos atrás). O que esses novos tempos nos fez, foi mostrar a fratura exposta de um Brasil que não conhecíamos, onde as pessoas não se escondem mais atrás dos seus personagens e máscaras. (Os canalhas têm os melhores e mais sinceros sorrisos.) Como já disse o ex-Reinaldo Azevedo "o ótimo, o medíocre e o idiota" — tudo numa só pessoa.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / setembro de 2019

quarta-feira, 3 de julho de 2019

O poder do homem de 50 anos

Passados já sete anos — já estou com 57 —, só agora fui compreender o PODER DOS 50 ANOS, esse divisor de águas, esta ponte que separa o homem jovem do velho. E, aqui, eu passo um pouco da minha experiência a você, homem, que já chegou ou está perto de completar.

ACADEMIA: Quando chegar aos 50, diminua o peso que puxa na academia. Faça mais exercícios aeróbicos, porque é de fôlego que você precisará daqui em diante. Não se preocupe se as garotas vão reparar que você diminuiu a carga, porque elas vão parar de olhar para você de qualquer jeito. Quem vai sentir as dores depois é você. (Não tem Gelol que dê jeito numa coluna torta.) Agora, quer um conselho? Deixe o supino para os mais jovens e vá caminhar no parque, em ritmo moderado, claro. Cuidado só com seus joelhos, pois seus meniscos já não tem a mesma elasticidade e compressão. É melhor que tentar ser fitness e musculoso nessa idade. O importante é sua condição cardiovascular e não se você será um atleta de maratona ou rato de academia. Aliás, "cardiovascular" é uma palavra que entrará no seu vocabulário através do seu cardiologista. O quê? Vc não tem um? Logo, logo terá...

BEBIDAS: Água, já ouviu falar? Comece a beber. Pare com as bebidas alcoólicas como se ainda tivesse 49 aninhos. Comece a ter noção do limite. Não queira praticar esse esporte de beber, sem causa, com seus parceiros de botequim. Gota, sabe o que é? Pois é, ela está esperando você tomar o próximo porre de cerveja com muita carne vermelha, num churrasco. Seu joelho vai inchar e doer pra caralho! Dica: prive-se a tomar três latinhas de cerveja por semana. Ah! junto com Alopurinol 300ml. Pare por aí. Chega de happy hour todo dia e cachacinha com tira-gosto de moela ou chouriço. Você não tem mais organismo para chegar bêbado em casa. Súbito, sua mulher (mais nova) só está esperando um motivo para meter o pé na sua bunda. Você pode até insistir e ter vontade e atravessar os limites com seus amigos, mas seu organismo responderá com muita ressaca moral, indisposição e, talvez, uma internação por um pico de pressão ou — crendeuspai! — um AVC.

COMIDAS: Modere tudo. (Outra palavra a se acostumar: MODERAÇÃO) Tire o carboidrato imediatamente. Churrasco toda semana pode antecipar muitas doenças que você nem imaginava, mas seu avô morreu em decorrência. Já ouviu falar em pressão alta, diabetes, gastrite, pedras nos rins e vesícula? Pois é, essas doenças silenciosas pairam na sombra dos 50 anos. São implacáveis e quando você menos espera, elas se apresentam como alguém que você sempre evitou, mas seu amigo (a vida) insistiu em lhe apresentar. Destempere seu prato e acostume com as pequenas porções, agora seu metabolismo lento não permite extravagância alimentares. Tire o açúcar e durma mais. (Perca peso e me pergunte como.) Ser gordo nunca foi sinal de saúde. Gordo só serve para ser engraçado, enquanto está vivo. Para perder peso distancie de coisas básicas como cerveja, carboidrato e WhatsApp.

MÉDICO: Se você ainda não tem hábito de ir ao médico, por um simples check-up, comece a bater ponto. Urologista é o primeiro, porque sua próstata começará a inchar e sua urina já não faz aquele som gostoso no fundo do vaso. Exame de toque agora entrou no seu radar. (Só não se entusiasme, porque é feio virar veado nessa idade.) Consultar uma vez por ano já está bom demais. Você nem vai se incomodar — vai ficar até feliz — quando seu médico disser durante o exame: — "Sua próstata está lisinha, sem câncer, sem câncer...". Não dura 10 segundos. Talvez mais... Confira seu colesterol e diabetes a cada 4 meses.

COMPORTAMENTO: Pare de mascar chiclete e usar roupas de garotão na tentativa, em vão, de chamar atenção das garotas. Corte esse rabinho de cavalo ridículo e esconda suas tatuagens de mau gosto que você fez. Use roupas folgadas, de homem, e faça corte de cabelo normal — aparado. Assuma o grisalho e a calvície. Insisto: mulheres de 30 anos não estão nem aí mais para você. Elas só vão associar você ao "Tio Sukita". Lembra? (Mesmo que você tenha dinheiro, elas vão te achar velho do mesmo jeito, só que rebolando no seu iate.)

Pausa para frase:
"Com 30 anos de idade só existem três ocasiões em que uma mulher se interessa por um homem de mais de 50 anos: 1) quando ele é pai dela; 2) quando ele tem muito dinheiro (status) e; 3) quando ela é muito feia. Os olhos de uma mulher de 30 anos enxergam no homem a fertilidade. Depois dos 50, seu saco começa a balançar no vão das pernas."
Modere ou pare de fumar. Não use gírias e vocabulário de garotão. Seu filho não é seu amigo; ele é seu espermatozoide crescido e não tente acompanhá-lo, exceto na arquibancada de um estádio de futebol. Você só tem idade para ir ao show do Paul McCartney, em lugar coberto, com assento e perto do banheiro. Ler livros de filosofia e ver filmes e séries de conteúdo agora condizem com você. Chega de Marvel e coisas do gênero. Liberte o cinquentão que existe em você e não acredite nessa história de "melhor idade", porque é puro marketing para vender pacotes de viagens ao Nordeste. Como pode ser melhor idade com esse joelho latejando? Por fim, acostume-se a ouvir que seus amigos (que não se cuidam) estão indo embora; indo dessa pra melhor.

Como pode notar, meu caro, depois dos 50 anos, o homem não tem poder nenhum mais. Digo, claro, não tem muito controle sobre seu corpo, porque as mudanças vêm a galope. Isso não quer dizer, também, que você está com o pé na cova. Ainda há uma vida boa (embora lenta) pela frente. Mantenha-se vivo, tendo sua mente sã, se preocupando com aquilo que realmente vale a pena e já está fazendo muito bem. Mande à merda quando lhe encherem o saco. Você não tem obrigação de agradar ninguém mais. Se conseguir fazer sexo (bem e sem viagra) uma vez por semana, com a mesma mulher, comemore, porque, aos 50 anos, sua libido começa a entrar para seu livro de memórias.  E por falar nisso, comece a anotar tudo, porque sua memória ainda vai fazer você procurar os óculos dentro da geladeira.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / julho de 2019

segunda-feira, 24 de junho de 2019

O diário (atualizado) de Bridget Jones


Na virada do milênio, muitas pessoas esperavam por uma grande catástrofe mundial. Outros mais conspiradores e apocalípticos, o fim dos tempos. Os celulares (ainda sem internet) ficaram mais lentos. Ligações eram impossíveis de se completar na noite de 1999 para 2000. Eu estava na praia com amigos e a única coisa que me lembro, naquela noite, foi que, na minha cidade uma grande tempestade alagou uma das principais vias, um córrego transbordou e muitas pessoas ficaram ilhadas. Fora isso, parecia uma passagem de um ano para o outro, como se deita e se levanta. Nada além de champanhes e cervejas para comemorar.

O tempo galopou. Já estamos em 2019. Lá se foram 20 anos do bug do milênio que não houve. Nada parece ter acontecido de especial, não é? Mas não se engane, algo aconteceu, sim. Não foi nenhuma catástrofe, terremoto, tsunami, cataclisma, ou outro fenômeno na natureza que mudou nossas vidas. Não tivemos guerras entre nações. O que avançou, de forma galopante, foi algo que parecia inofensivo, à primeira vista. O advento e crescimento da internet, e suas ramificações, mudaram muito, sim, nossas vidas. Bridget Jones, por exemplo.

Fui ver O Diário de Bridget Jones no cinema, em 2001. Nada a acrescentar naquela comédia romântica, onde a protagonista (Renée Zellweger) era uma atrapalhada e insegura balzaquiana querendo encontrar seu grande amor — sem perfil no Tinder. Saímos do cinema e fomos beber chope sem comentar nada sobre o filme. (À parte, a trilha sonora, que já virou favorita na minha playlist do Spotify.)

Em 2001, aquela figura feminina, britânica (ainda como a deixamos em 1999), não era nada diferente do que se via aqui, nos trópicos. Bridget era a perfeita caricatura daquela mulher insegura que tentava se firmar num romance, já com o peso dos seus 33 anos anos, se sentindo gorda e velha demais para a maternidade e o amor. Ela queria algo que fosse durável, não só sentir, mas ouvir palavras, porque era insegura demais para olhares e gestos. Era uma eterna romântica, vivendo entre dois amores platônicos. E quando eles se manifestaram, ela se perguntou: — Será comigo?

Ao que surte, ela também não precisava de coisas materiais. Ela era uma jovem jornalista rechonchudinha que havia se emancipado, morando num apartamento de fazer inveja a qualquer um, abrindo mão do aconchego da casa dos pais. Ela queria se sentir uma mulher de verdade, emancipada e livre. Quando se recolhia, vinha o vazio da tv ligada (sem atenção), o cigarro e ao fundo All by myself. E nada mais casual que uma funcionária se interessar pelo seu chefe, embora ele a visse só como mais uma mulher que ele não levou para cama, ainda.

Bridget não queria sexo, mas o amor, o homem perfeito e para sempre. Nada piegas àqueles anos, porque era disso que nutriam os corações: amor e o encontro da felicidade. Com todo mundo achando a coisa mais normal do mundo e uma história como de muitas outras garotas da época. — Bridget Jones é minha história de vida. Muitas devem ter pensado nisso. Mas e hoje, como seria uma história de Bridget Jones? Seu estereótipo estaria ultrapassado?

A Bridget Jones, 30 anos de idade, hoje, não teria diário. Ela tem mesmo um stories no Instagram alimentado diariamente com fotos dos seus melhores momentos. Nada de lamúrias, reclamações de estar só. A vida tem que ser mostrada como a vislumbramos, com fotos filtradas em posições que demonstrem um corpo exuberante. Mesmo que tudo esteja dando errado (indo para outro caminho), o importante é a foto na praia onde só mostrem os pés e o mar ao fundo com uma frase de autoajuda para ilustrar o momento. O que importa é se ver como inspiração, curtida ou mesmo invejada por seguidores.

E como se repetem por aí "você precisa se amar". O verbo amar é algo para si e não para repartir com alguém (com Daniel ou Mark). O psicanalista Gikovate (1943-2016) discordava disso. Ele dizia que amar só se conjuga quando há outra pessoa na sua frente, o que se sente por alguém, e intransitivo na raiz. Ninguém é capaz de amar a si próprio, embora já vimos muitas notícias de pessoas que, recentemente, tenham se casado consigo mesma. Uma coisa de endoidecer e cada vez mais comum neste século.

Quando se ama necessariamente se ama alguém. Amar "a si próprio" é só a elevação da autoestima a um estado de prazer e completude. Bridget Jones de 2019 é uma solteirona que não se importa com a condenação do destino: solteirona. Ela olha para os lados e as amigas estão na mesma situação. Olha para outro e vê homens imaturos com 40 anos, morando com os pais, quando não muito, homens de geleia e sem objetivos. Então, ela já não se incomoda mais com nada. Seu WhatsApp bomba a toda hora com amigas mandando nudes e piadas de relacionamentos.

Indo mais para o extremismo, há aquelas que encontraram refúgio no feminismo (fincou raiz neste século). Eis um lugar seguro para se justificar: achar o mundo masculino desnecessário, porque todos os homens mentem; todos os homens são machistas; todos os homens não prestam. Então, é melhor ficar só e ter uma relação fortuita para não enferrujar.

O mundo moderno, visto pela tela de um smartphone, criou a desculpa para o vexame. Ninguém se sente mais inseguro quando se tem uma resposta adequada no Google para suas questões e quedas. Junte-se a isso as inspirações, como, por exemplo, numa cidade do Canadá uma jovem que decidiu viajar o mundo com 20 dólares. Viramos — e Bridget, consequentemente — refém da nossa própria desordem emocional e uma vida cada vez mais virtual no modo de se partilhar. Onde os afetos são substituídos por pets, barras de chocolates e curtidas. A dor, em total controle, nos mantém num estado de coma. Enquanto as filas aumentam nos consultórios de psicanálise.

Quando, ainda no século passado, todos pareciam caminhar para o mesmo lado, porque era evidente e óbvia a vida; hoje, vislumbram e experimentam sentidos antagônicos, opostos, numa sociedade cada vez mais verificada por pautas e discussões em redes sociais. Com o surgimento de diversos outros comportamentos que pareciam superados desde que os sapiens habitaram o planeta, há 70 mil anos. A natureza humana, a biologia e as formas mais tradicionais de comportamento e vida já não servem mais. É preciso lacrar, quebrando regras e paradoxos; é justificável enfrentar o protagonismo para se sentir mais inserido.

Todo dia é um enfrentamento em desconstrução às narrativas que perfuram à lógica. E como já disse alguém por aí: a internet deu voz ao imbecil.

A história de Bridget Jones ainda teve outras duas sequências. Uma em 2004 e outra mais recente em 2016, quando nossa frívola heroína já está com 43 anos e ainda solteira. A acrescentar, uma cena me chamou atenção nesse — espero — último episódio. Bridget ao descobrir que está grávida, sai à procura do pai. Um novo affair ou sua eterna paixão Mark Darcy (Colin Firth)? Quem será o pai da criança?

Na cena que sua bolsa se rompe, Mark a leva à um hospital carregando-a, parte do trecho, no colo. No caminho, eles têm que passar por uma passeata feminista. Nesse ponto, a história da solteirona se encontra (e cruza) com a de uma nova geração de mulheres. Essas que acham homens desnecessários e por isso protagonizam manifestações, desafiando velhos estereótipos e de culto à beleza. É melhor parar por aqui. Bridget não cabe mais nesse mundo.

Um mundo cada vez mais virtual, idiota e limpinho. Onde as pessoas estão preocupadas com canudinhos plástico e alguém inventou um pegador de pizza para não ter que sujar suas mãos. E eu nem falei dos anos de 1980. Quanta saudade...

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / junho de 2019

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Quando chama o coração... peraí


ATENÇÃO! ALERTA DE SPOILER 
Enquanto escrevo essas linhas, a crônica Quando chama o coração (ler aqui) já ultrapassou 10 mil views (ou leituras), aqui no Blog. O sucesso, com um número crescente nas últimas semanas, se deve ao fato da Netflix ter disponibilizado a quinta temporada de When Calls The Heart, no início deste mês. A procura por marcadores acaba encontrando este Blog, sem querer. Obrigado!

Na Netflix, a série já está na lista de "em alta", porque os fãs querem saber como continua a história de amor entre Elizabeth e Jack.

Não precisa dizer que, quando escrevi a crônica, em março de 2018, estava muito empolgado com a repercussão das imagens que chegavam dos EUA, dessa mesma quinta temporada. Ali, pelo sétimo episódio, acontece o casamento da década, como anunciou a Hallmark Channel. Finalmente Elizabeth e Jack se casam e pareciam que iam viver uma vida eterna, formando família e que tudo terminaria bem. Mas não foi bem isso... (Confesso que esse término da quinta temporada destemperou o romantismo que dei à minha crônica. Foi uma ducha de água fria.)

Aconteceu, porém, o inesperado. Capítulos depois, o personagem do mocinho Jack some, morre numa missão (?). A morte de Jack pegou todos de surpresa, não só os personagens, mas também o público fã da série. Os comentários nas redes sociais aqui no Brasil e nos EUA eram diversos e divergiam sobre a motivação da morte do personagem.

As mudanças de roteiro não agradou ninguém, claro. Tanto o público como o elenco ficaram perdidos: e agora? A atriz Erin Krakow fez uma live no Instagram na mesma semana. Não dava para esconder os olhos inchados de um choro que não sabemos ao certo se era dela ou de Elizabeth. Depois, a produtora da série, Hallmark Channel, fez uma outra live no Facebook com os dois atores (Erin e Daniel) sentados num sofá com a atriz Lori Loughlin no meio, como se estivesse apaziguando uma briga. Dessa vez Erin não escondeu e deixou escapar algumas lágrimas. O seu choro era de alguém que queria se recuperar de uma dor que ainda sentia. (Tenho comigo — não contem nada a ninguém — que ela estava apaixonada por Daniel.)

Dias depois, as duas atrizes vieram novamente às redes sociais anunciar que a série teria uma sexta temporada. E como todos já imaginavam, um bebê estava a caminho, dando linha a um roteiro reescrito. Mas muitos fãs afirmavam que não assistiriam a continuidade; não haveria mais graça seguir a série dali em diante. Aquele romance, que colocava tempero na história, agora era uma lembrança de Elizabeth. Seu herói estava morto. Era o fim de uma eternidade.

Depois, acompanhando os bastidores, descobri que o ator que interpreta o mountie Jack Thornton, Daniel Lissing, pediu para sair da série com a desculpa que tinha convites para outros papéis. Fiz alguns comentários que não agradaram muitas fãs do ator. Fazer o quê. Eu achei, e continuo achando, sua atitude uma falta de profissionalismo. Ele deveria ter respeitado o contrato e ido até o fim da quinta temporada, ao menos. Aliás, eu acho que não deveria nem haver a sexta. (Está para entrar no ar nos próximos dias nos EUA).

Encerrando, e sendo menos romântico que a crônica anterior, When Calls The Heart continua um refúgio para quem já se cansou deste século XXI tão cheio de valores invertidos (eu cansei). A série é pura emoção, ternura, romantismo, compaixão e tudo que agrada os olhos e os demais sentidos. Se fosse um cheiro, seria como o aroma de café da manhã, numa janela aberta ao passado.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / fevereiro de 2019