BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Criar e Educar


Muitas vezes sou chamado a explicar da minha não paternidade. Sim, as pessoas vivem a cobrar você disso e daquilo (já toquei no tema em outra crônica). Mulheres são cobradas e os homens também. Enfim, convivemos com isso. Neste assunto, não me importo em entrar (sem explicações Divinas...) e deixo que tudo se expire e se esvazie. Sinto-me como um ator que foi chamado para atuar num filme; estava no elenco, sabia o roteiro, decorei o script, mas na estreia, o projeto do filme foi cancelado. Continuo sabendo tudo do filme, mas não fui o ator que todos esperavam ver nas telas. Ser pai é, sem dúvida, uma das tarefas (papéis) mais difíceis; saber o script é obrigação, há que se ter preparação e dedicação. Principalmente no mundo em que vivemos, com suas fórmulas instantâneas para tudo e efêmero nas suas particularidades. É muito difícil educar, eu sei.

Içama Itiba é mestre em falar de assuntos de educação. Suas palestras começaram a brotar aqui e ali, e seus livros foram devorados por muitos pais, depois do caso Isabella Nardoni. Já foi o tempo, educar filhos era instintivo, como vestir um calçado ou andar para frente; passava de geração para geração, avós para pais, pais para filhos e filhos para filhos. Sem literatura ou fórmulas. Todo mundo respeitava todo mundo; e o mundo, creio, era bem melhor. Quando Oprah Winfrey perguntou à primeira dama dos EUA, Michelle Obama, como era a educação das filhas Sasha e Malia, ela foi imediata: “Não há nada de especial. Crio como meus pais me criaram: hora para desligar a tv, fazer as tarefas de casa e quando acordam, elas arrumam suas camas...”. Vindo de uma família que, pela posição de poder, teria todas as regalias do mundo para criar filhos, eis um belo exemplo. Michelle foi simplista ao lembrar-se da educação que obteve dos pais e quis resgatar. Quando ela palestrou aqui no Brasil, eu fiquei admirado com sua inteligência e carisma, agora mais ainda.

Não existe ditado mais antigo: a família é a célula (do lat. Cellula – estrutura básica que forma todos os indivíduos) da sociedade. As novas famílias estão perdendo a didática e a raiz; assim, mandam os filhos para escola, não para serem alfabetizados, mas pensando serem educados pelos professores. Delegam os primeiros passos de um indivíduo, na sua formação — onde tudo pode ser mudado ainda —, aos mestres. Esses, porém, não se veem obrigados a educar filhos dos outros. E aí veremos, tanto no ensino público como no particular, professores sendo ameaçados em sala de aula. Na minha formação, ninguém mandava filhos para escola, com o intuito que a pobre professorinha educasse o comportamento do fedelho. Tudo iniciava em casa.

Um jornalista me chamou atenção, para outra regra, que anda em moda nos dias de hoje: “seja o melhor amigo do seu filho”. Errado! Amigos passam a mão na cabeça, compartilham coisas erradas, muitas vezes estimulam o mal e são corporativos com suas vontades e vícios. Pais devem educar, se impor, dar e exigir o respeito; situar o indivíduo (filho) no mundo, para que ele não atravesse o sinal vermelho e invada além dos seus limites. Amizades, boas ou más, ele irá fazer na sua vida. E por elas fará suas escolhas. Nenhum pai deve ser o melhor amigo do filho; ele deve ser, sim, o melhor pai para o seu filho.

De um palestrante, ouvi a maior desculpa dos pais quando descobrem que seus filhos estão caminhando à margem da sociedade: “eu não tenho tempo...” Caso detalhado de um casal de médicos, que trabalhava 12 horas por dia, e não sabia que seu filho de 16 anos, tinha um pé de maconha plantado num vaso dentro do armário do quarto. Quando o garoto procurou ajuda externa e os pais foram chamados, a resposta foi essa: “não temos tempo...” Creio, ao passar dos 40 anos, já posso considerar que escapei dessa cilada da vida, as drogas. Sem vícios, me considero um privilegiado de um mundo que se construiu a minha volta, onde fui chamado a praticar o mal, mas lembrava de meus pais dentro de casa e tudo fez com que mudasse o leme do meu barco para águas calmas e limpas. Eles tiveram tempo e eu os mirei.

Para a colunista Bárbara Gancia, a palavra em português de mais aproximação para a tradução de bullying é “intimidação”. Não sei por que até hoje não há tradução; quem sabe, haveria mais compreensão na sociedade brasileira para este mal. Na verdade, a coisa começa dentro de casa também, na educação. Aceitar o outro como é, torna-se princípio básico para esta questão, que tanto nos atormenta e já motivou muitos crimes bárbaros, inclusive no Brasil. O filme “Um sonho possível” — 2010, retrata uma família que vive sem preconceitos, sem fronteiras racistas, com tolerância e amor ao próximo. Onde um jovem negro sem teto é adotado por essa família branca. A conquista pelo jovem Michael começa dentro da high school, com os filhos bem educados da família que o adotou depois. As crianças, em nenhum momento, viram o pobre Michael como os demais, com preconceito. Desde o princípio o trataram como um ser humano, sem distinção. Imperdível.

Ainda sobre o bullying, a coisa não é atual, como se supõe. Conheço uma mulher que, aos 13 anos em 1981, sofreu discriminação e intimidação num colégio na minha cidade, inclusive por suas próprias educadoras. Sistematicamente, era corrigida a falar “escola” e não “iscola”; a falar “Ê” ou invés de “É”, como assim se pronunciava, de onde veio no Rio de Janeiro. Para piorar, um aluno que sentava atrás da sua cadeira, cortou o seu cabelo com uma tesoura, aos olhos da educadora. Imediatamente seu pai a retirou daquele lugar, que chamavam de escola. O episódio desencadeou uns meses de depressão na menina. Foi bullying por preconceito.

Entre criar filhos e educar filhos há um abismo a ser vencido. Muitos pais abastecem seus filhos das necessidades básicas: alimentação, vestuário, play station, computador e por aí ficam. E mal sabem que, a educação realmente está na ponta, na raiz, na célula. Quem está de fora percebe isso melhor. Os dias de hoje são cruéis nas formações familiares. Perdeu-se o controle, perderam-se os princípios morais e religiosos. Meus pais eram poucos instruídos, mas o baú com heranças morais e religiosas estão guardados em mim. Eu pedia a bênção aos meus pais e avós a cada encontro, a cada dia. Dou graças a eles por ter errado menos na vida.

Como já disse não sou um especialista em educação de filhos, mesmo porque o universo me privou dessa dádiva — não lamento por isso. Mas vejo muitos pais, sem o cuidado necessário para preparar o indivíduo para um mundo desconhecido, o futuro. Isso está em todos os ambientes sociais, na plebe e na aristocracia. Em tudo vale a regra desses princípios: não roubar, respeitar e amar o próximo, não invejar, não trair, não corromper, não matar... Criar não é o mesmo que educar. Educação requer dedicação e não é um prato de comida sobre a mesa.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.

5 comentários:

Sandra Eliana Roos disse...

Mais uma vez amigo, perfeito !!!

Na prática a coisa é mesmo bem complicada, pois nos dias de hoje os filhos nos enfrentam pq já sabem que podem, os que tem idade para entender por exemplo a 'lei da palmada' como os 2 filhos de uma amiga próxima dizem a ela que vão ligar para a polícia quando ela ameaça corrigí-los com umas palmadas... e aí está boma parte da RAIZ dos problemas de hoje, tem 'tanta gente de fora' se metendo na educação que está sendo dada 'dentro da nossa casa' que fica difícil mesmo... não pode bater, não pode castigar, tem que 'conversar', e aí os pais se perdem e como ouvi ainda nesta segunda-feira num vídeo passado na escola da Caroline antes da reunião de pais, uma educadora falava: com uma criança de 4 anos, não adianta tentar 'conversar', é preciso neste caso ser FIRME e determinar como serão as coisas, não ceder ao menor choro ou capricho... afff, é difícil demais amigo e tem horas que se eu pudesse, já tinha pedido 'demissão' desse posto... claro que me arrependeria depois, pois na mesma medida que é azedo tb é DOCE...

Concordo com isso aqui tb: “seja o melhor amigo do seu filho”. Errado!

MUITO ERRADO, e vejo algumas pessoas bem próximas cometendo este erro, mas cada pai e cada mãe se acvha 'no direito' de cometer seus erros na educação dos próprios filhos, pq afinal tb erraram na dele... não é bem assim, mas é o que pensam e dizem alguns quando questionados de seus erros.

No nosso TEMPO amigo, não tinha tanta gente SE METENDO... nenhuma professora de um menino muito levado mandava os pais levarem o guri ao médico pra tomar RITALINA... tem muita criança sendo medicada sem necessidade, sem 'doença' a ser tratada, mas HOJE EM DIA as crianças são rotuladas de tudo se não 'couberem na forma'...

Difícil criar filho assim, tem até políticos se metendo e fazendo LEIS que proibam isso e aquilo na educação... Sobra para os pais levar a CULPA depois que as coisas dão errado, mas não quero dizer com isso que eles não tenham a responsabilidade de EDUCAR, tem sim e PARA SEMPRE, nunca é tarde para ensinar ou para MUDAR o que foi ensinado e/ou entendido errado.

Nossa, me empolguei tb... chega que tenho que cuidar das crias... ;)

ANA ROOS disse...

Nenhum pai deve ser o melhor amigo do filho; ele deve ser, sim, o melhor pai para o seu filho.


Como me fez pensar algumas questões que faz um tempo eu venho me perguntando e não encontrava a resposta... fiz uma análise tão profunda que não deu pra colocar aqui, repostei o seu texto lá no meu blog e o comentário na íntegra foi pra lá, passa lá pra ler se desejar...

Obrigada por esse momento... bjus

Anônimo disse...

Nos tempos modernos se impõe a todos a busca da felicidade (momentânea) e a busca do seu direito (a despeito do direito dos outros). Acredito que este espírito da felicidade e direito mudou o que se considera paternidade e maternidade. O que está associado a isto. Sendo assim, é mais fácil ser amigo, do que dizer 'não', pois assim me eximo da responsabilidade de educar, de ser responsável pelo meu filho. Não se pode ter opinião hoje em dia, não se pode defender valores hoje em dia que vão de encontro com o que uma minoria (ou maioria?) determinou como o certo, apesar de não se ver nenhuma melhoria nos relacionamentos por causa disto. Então, é mais fácil eu dizer que as pessoas, em tenra idade, devem se tornar independentes e tomar suas próprias conclusões e decisões, que por sinal serão extremamente influenciadas e manipuladas pelos o que os outros pregam (não mais a familia). É mai fácil despejar sobre elas 'verdades' que elas não estão emocionalmente prontas para lidar. Se havia uma necessidade de reflexão sobre a sociedade e como ela se organizava para acomodar a todos, não é isto o que aconteceu na prática. Hoje, ao invés deste movimento provocar o amadurecimento, foi o contrário. Estamos cada vez mais imaturos, mais egoístas, mais irresponsáveis. Quem pode negar isto? É mais fácil deixar o outro tomar conta das rédeas da nossa vida? Parece que sim. Acho que sai um pouco do tópico, mas acredito que tudo está interligado. Uma sociedade é representada por sua cultura e como ela se organiza e age no individual reflete isto.

BIA disse...

ANTTONIO,ESTOU DE ACORDO COM VOCÊ, EDUCAR É MUITO COMPLICADO,DÁ INSEGURANÇA, MEDO DE ERRAR.COMO DIZ O DITADO:PAU QUE NASCE, CRESCE TORTO, ATÉ A CINZA É TORTA.CADA INDIVÍDUO É UM UNIVERSO EM POTENCIAL DAÍ A IMPORTÂNCIA DO "MANUAL DE INSTRUÇÃO" QUE SÃO OS RESPONSÁVEIS PELA EDUCAÇÃO, ONDE O INDIVIDUO BUSCA SUAS RESPOSTAS E SE MIRA PARA SE CONHECER.E JÁ DIZIA UM SÁBIO QUE NÃO TEVE FILHOS:CRIAR QUALQUER TALÃO DE CHEQUES CRIA, O NÓ É EDUCAR.
E EU,NÃO TIVE UM FILHO MAS ME CAIU UM DO CÉU.MEU DEUS COMO EU QUERO ACERTAR!

Rossana Masiero disse...

Sem manuais, os filhos quase tem vida própria...rss
Difícil arte, a de educar outro ser humano.

Adorei esse seu cantinho e não sabia desse seu talento.
Parabéns!
Tenho outro blog de poemas e será um prazer recebêlo por lá.
Virei sempre por aqui.
Bjs
Rossana