BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 12 de abril de 2011

Pedras e diamantes


Nunca me deparei com uma pedra preciosa na sua brutalidade. Poderia dizer que elas passam longe de mim, é verdade. Elas sempre nos aparecem já talhadas, polidas, brilhantes e belas. Algumas, já lapidadas, ficam à vista somente nas vitrines das joalherias. O que há de tanta preciosidade? Porque se rouba, se mata e se gasta tanto para possuí-las? É só uma pedra! Tento justificar: raridade, fazem bem aos olhos de quem vê, tem dureza, brilho, ostenta uma riqueza, custou sua lapidação — há inúmeras razões. O mundo tem mais preciosidades para brigarmos por elas. Há tantas almas brutas, mas preciosas, de estimado valor, só precisam ser talhadas também.

Faz alguns anos fiz um curso de final de semana, num hotel fazenda. Era um daqueles cursos de imersão, de mergulho interior, de caça aos nossos tesouros. Ao final, percebi que, um final de semana era pouco para desfragmentar todo o HD e colocar os arquivos e pastas no lugar; ou arrumar as gavetas da cômoda: meias em uma, camisetas em outra, cuecas em outra, e roupas velhas puídas no lixo... Mas, sempre trazemos algo de bom, mesmo que o tempo não seja o ideal para a arrumação. Numa dessas dinâmicas, guardei esta metáfora: pare de tropeçar em pedrinhas! Pedras tão pequenas que deveríamos pular, ou desviar, ou simplesmente chutá-las do caminho. Nós, no entanto, paramos dando grandeza de iceberg a elas; valor, imobilidade e choramos quando elas estão a nossa frente. Quanta vida desperdiçada, quanto tempo nós perdemos com essas tolices. É o que ocorre na maioria das relações; as pessoas discutem e brigam; se perdem e se separam por não encontrar soluções nas miudezas e não tratar com pequenez seus problemas. Foi essa constatação, que trouxe daquele final de semana e isso já me valeu ter ido. Nunca mais esqueci e não quero mais tropeçar em pedrinhas. Das pedras no caminho, só quero levar comigo o brilho das preciosas; com a sensibilidade de olhar por trás do barro duro que a esconde e com o trabalho árduo de ter que talhar e polir. Tem que olhar para dentro.

Toda vez que uma pedra preciosa é encontrada na natureza, imagino que, ela esteja na sua brutalidade: desfigurada, empoeirada, suja, rugosa, com crostas de terras e material orgânico que não sai no esfarelar das mãos. A natureza a produziu sem nenhum desses elementos, eu creio; eles, porém, foram se acumulando com o tempo e ela sozinha não pôde extirpar. E tudo aquilo fez esconder sua preciosidade; tudo que dificulta ver o quanto de brilho possui. É necessário ter sensibilidade e conhecimento profundo ao depararmos com algumas dessas pelo caminho; pode ser que pisemos em cima, não enxerguemos e não demos à devida importância, afinal, ela ainda é bruta e ofuscada por essas matérias impregnadas. Somente especialistas e pessoas com mais sensibilidade para percebê-las por aí, nas montanhas e nos fundos de rios. Aquele que encontrar, irá saber o que fazer para torná-la bonita, aparecer sua riqueza e valorizar por toda a vida. Lapidar agora é preciso, mas requer também paciência e zelo.

Lapidação é um estágio das gemas, onde elas passam do estado bruto para a revelação da sua beleza; onde ganham simetria, formas e brilho ao menor feixe de luz. Onde todas as impurezas são retiradas: o pó, a terra, a rugosidade. É um duro estágio para elas. As pedras são levadas aos discos e esmerilhadas, talhadas até o ponto de encontrar luz própria. Diria mais, é o pior sofrimento para elas. Crostas de terra e material orgânico estão lá por anos, agora são retirados com a paciência de um artesão. Não há pedra preciosa que seja encontrada já lapidada; todas têm que passar pelo estágio duro do esmeril. Este que lhe dá a forma simétrica: cônica, oval, redonda; com todas as suas faces iguais. Tudo para dar equilíbrio e perfeição, onde em cada lado que olharmos, revela a beleza; e giramos na ponta de nossos dedos para ver a luz refletida em todas as suas faces. Há beleza por todos os lados agora.

    “Lapidar
     Minha procura
     Toda trama
     Lapidar
     O que o coração
     Com toda inspiração
     Achou de nomear
     Gritando, alma” (Ânima – Milton Nascimento)

Vejo muitas almas boas, mas brutas, que vivem a tropeçar nas pedrinhas e ali estagnam, param com a sua e a vida de quem as acompanha. Precisam dessa lapidação; precisam dessa limpeza profunda para se tornar pessoas mais atraentes e bonitas; precisam da simetria para torná-las mais equilibradas, sensatas e sem arestas. Pedras preciosas não se talham sozinhas; quem as encontra tem que fazer o polimento, ajudar eliminando suas impurezas. Mas, é preciso que essas almas também se permitam a se limpar e se polir. É preciso passar pelo tratamento da dor do esmeril.

Já faz tempo, carrego comigo esta certeza. O que nos faz melhor não é o grau de instrução que temos; não é o saber falar vários idiomas; não é ser o melhor aluno da sala; ser o melhor funcionário da empresa e com o melhor salário; ou porque já viajamos o mundo todo. O que nos fará melhor é a pessoa boa que podemos ser; na forma mais justa e sincera, verdadeiros conosco e com o próximo. Assim, como as pedras, precisamos passar pelo estágio do esmeril, lapidar para transformar e luzir. Um ser humano na essência da palavra. Como ninguém ensina isso nas escolas, ficamos com a ideia que isso não é importante. Entendemos, sim, que importante é falar três idiomas e ser respeitado por isso. Grandes homens e mulheres da humanidade só falavam um idioma, o do amor. Bastou para serem lembradas por todas as gerações.

Das pequenas pedrinhas do caminho, faremos atalhos e desviaremos; das pedras preciosas, uma coleção para guardar por toda vida. Não importa a pedra que você queira ser: esmeralda, diamante ou rubi. O que importa é se você se permite passar pelo processo do talhamento; o que importa é o quanto você brilhará ao menor feixe de luz; e olhando por todos os lados, não conseguir dizer qual é o mais belo. Todos serão iguais com a incidência da luz.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / abril de 2011.

Um comentário:

ANA ROOS disse...

Antônio!
Estou te lendo aqui... mas depois desse vou parar, ou vou ficar chata aqui, comentando tudo que escreves, mas esse eu compartilhei no face, não teve jeito, olha é tão bom ler você, tão bom essa coisa de internet que nos possibilita conhecer pessoas inteligentes e sensíveis, diria que ao encontramos pessoas que pensam um pouco como nós nos fazem ser mais nós!
Amei, fiz um treinamento desses ai também, já escrevi algo sobre o diamante e também tenho lá no meu blog a música do Milton, só que na voz de Renato Bráz, bom demais essa afinidade, vou voltar aqui, mais vezes tá? Beijos no coração