BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Bastardos

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Para ficar de bem com o mal — já que ontem foi dia das bruxas — fui presenteado pelo canal telecine com o filme “Bastardos Inglórios” (2009) — Quentin Tarantino. Já perdi a conta de quantas vezes vi este filme, mas acredito que seja a quinta vez. A cada repetição uma emoção, uma descoberta. Quando vi pela primeira vez, fiquei tão fascinado que considerei o melhor filme do ano, sem o ano ter terminado e sem ver os outros. A academia deverá dar o Oscar de melhor filme, constatei. Depois lembrei que a Academy Awards não daria um prêmio de melhor filme a um filme aos moldes de Bastardos — uma ficção sobre o terceiro reich e sanguinário.

Tarantino é um consagrado diretor pelos filmes sangrias. Há quem não goste do seu estilo, mas em Bastardos ele se superou. Fez um dos seus melhores filmes. Sorte e competência teve o ator Christoph Waltz; ainda no projeto do filme, Tarantino quase desistiu de rodar o filme, pois não conseguia encontrar um ator que falasse fluentemente Inglês, Alemão, Francês e Italiano. Encontrou, por fim, Waltz. E não poderia dar outra: ele brilhou e ainda levou o Oscar de ator coadjuvante. Antes já havia ganhado o prêmio de melhor ator no festival de Cannes. Waltz fez um vilão vibrante, ácido, repugnante, eloqüente, às vezes engraçado; roubou as melhores cenas do filme. Só posso comparar a Heath Ledger como Coringa em Batman – o cavaleiro das trevas.

Quem brilhou também foi Brad Pitt no papel do caricato tenente Aldo Raine. Suas caras e falas são de dar gargalhadas e sua atuação foge completamente do seu estilo: herói e belo. Há quem pense que ele ficará com a mocinha do filme — como sempre acontece. Embora Aldo e Shosanna tivessem os mesmos objetivos: matar nazistas, mas eles não se encontram em cena nenhuma.

O filme tem como pano de fundo a segunda guerra mundial numa França tomada pelos nazistas. O Coronel da SS Hans Landa (Waltz) é condecorado pelas suas proezas de caçador de judeus. Já no inicio da trama deixa escapar das suas mãos a jovem judia Shosanna (Mélanie Laurent). Do outro lado, o tenente Aldo Raine (Brad Pitt) lidera o grupo dos bastardos, que tinha como missão eliminar nazistas.

A trilha sonora é outra genialidade do filme. Tarantino trás músicas do compositor italiano Ennio Morricone. Quem começa ver o filme, já nos caracteres, tem a impressão que verá um filme bangue-bangue à italiana dos anos sessenta.

A melhor cena — entre tantas — é a do encontro do Coronel Hans Landa com a moça judia Shosanna num restaurante. Quando todos se levantam para sair, ele a convida para continuar sentada, com o propósito de conhecê-la melhor e saber o que faz em Paris. Como verdadeiro oficial nazista e machista, não lhe dá o direito nem de escolher o que comer e beber na sobremesa daquele final de jantar. Ele mesmo diz ao garçom o que ela vai comer. Quando o garçom esquece-se de trazer creme, ele pede que traga e quando ela vai garfando o seu pedaço de torta, ele bate-lhe a mão e diz: espere o creme. Depois de muitos interrogatórios e gargalhadas de cinismo igual, ele apaga o cigarro sobre o resto de torta no prato e sai deixando a pobre Shosanna em pânico. Genial.

Para ficar de bem com o mal — dito no começo da conversa —, o filme tem um final apoteótico. Como ninguém até hoje deu Hitler como morto, ou tenha certeza de que modo ele morreu, Tarantino lhe deu uma morte digna de um ditador, populista e que, reconhecidamente, mudou os caminhos da humanidade. Ele e Goebbels morrem junto com todo o primeiro escalão do comando nazista dentro de um cinema em chamas. O cinema da mocinha judia Shosanna (Mélanie Laurent). O filme termina com a “suástica” marcada na testa do Coronel Hans pelo intrépido Tenente Aldo, dizendo: "Acho que essa pode ser minha obra-prima". Tarantino lavou a minha alma no dia das bruxas. Que seja o fim de todos os ditadores.


Postado por Antônio - Novembro 2010

Um comentário:

Marinho disse...

É isso ai meu amigo, lá foi o fim, aqui estamos indo para 12 anos. E com o perigo agora de velhos fantasmas voltarem ao velho teatro!
Ótimo texto!
Gde abç!
Marinho Galvão