BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O rio não tem retorno

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Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida”. Todo mundo já leu inúmeras vezes esta frase por aí, dizendo ser um provérbio (adágio) chinês. Os provérbios não estão apensos a nenhuma publicação; são frases soltas, de feição popular, sem originalidade, mas como uma roupa que se veste justa. São sábios.

Dialético, o antigo provérbio nos converge a sermos purificados e precisos com a vida: onde e para quem apontamos nosso dedo indicador; pensar antes de se dirigir a alguém; e o caminho que escolhemos seguir seja oportuno. Não vá decepcionar a si ou aquele que você ama. Como se conseguíssemos dominar o animal indócil dentro de nós, assim dormir sem estar com sono. Quase sempre, somos bêbados tentando se equilibrar no balaústre de uma ponte sobre o Tâmisa. Somos imperfeitos, desajustados, imprecisos. Mas com bons livros de bolso e bons provérbios tentando nos vestir.

Eu acrescentaria mais uma coisa: as águas correntes, caudalosas, mansas, silenciosas e às vezes turbulentas de um rio. Não há como contradizer: todos os rios não têm volta. Da nascente à jusante eles seguem a se juntar com outros e se derramar onde imaginamos ser seu fim. Sail on by...

Há palavras, pessoas, imagens, cenários, lugares, paisagens, coisas que vão e não voltam. Quando lançadas ou deixadas se perdem em atalhos e becos da vida. Quando percebemos já passou, canalizou por um túnel no tempo e esvaziou aquele instante. A carruagem passou e não voltou; a juventude passou e não voltou; um amor passou e não voltou; a morte passou e não trouxe mais nada, não devolveu a vida. Passou.

Somos pessoas em lugares mutantes e evolutivos. Tantas vidas teriam que ser paralisadas ao mesmo tempo para que nada passasse e tudo ficasse num momento de só deleite e prazer. Isso não existe, porque a vida nos chama a escalar montanhas e buscar meios em subsistir. Há turbulências e desafios. Não vivemos num paraíso onde a felicidade é água jorrando em bicas. Há atividades corriqueiras que faz-nos mudar intimamente, sem percebermos.

Por vezes, somos invocados alcançar emprego, estudo e sucesso tendo que mudar de cidade e região. A vida irá mudar. Os convívios, paisagens e os cenários do cotidiano não serão mais o mesmo. Tudo, por fim, é efêmero e passageiro. A festa da noite eterna, por mais que a esperamos e ansiamos, chegará e acabará com a luz do dia. Hora de juntar tudo e voltar ao caminho.

Havia muitas pedras para carregar e as costas já não suportavam mais. O arrependimento de não poder ter sido melhor do que agora o presente ilumina; a dor e a impotência diante de algo agora distante e sem conserto. O tempo nos devolve memórias e consciências que, no instante que aconteceram, não tivemos — apertamos o gatilho. Os erros do passado, a vontade de retornar ao início e fazer tudo diferente. Arde como brasa quente.

Quando os erros são percebidos num tempo distante, a primeira sensação é querer voltar e consertar tudo. O brinquedo da infância deixado empoeirado numa caixa no porão. Querer encontrar as peças espalhadas, limpar e ver tudo montado, de novo lindo e funcionando. Poder brincar com um passado remontado. Retomar aquela história desde o inicio e contá-la de maneira diferente, mais madura, mais amorosa; sem mesquinharias, ressentimentos e discussões tolas.

Não! Não há como voltar. O rio não tem retorno. As águas de um rio são fatos consumados de uma vida já vivida e entregue. Em águas quentes mornas e frias nos rendemos, nos mergulhamos. Ele sempre seguirá o seu curso, seu destino, desbarrancando margens e tudo que ficou lá atrás; virá arrastando tudo, mesmo que solte dos remos. Às vezes lento, calmo e manso; às vezes turbulento e de árdua navegação. Entre meandros, pedras rasas e toras pelo estreito, mas sempre deslizando da nascente das montanhas. Em penetração de outras águas, ou na imensidão de um oceano (fim da jornada).

Como devolver lágrimas derramadas aos canais de suas glândulas? Não retornam, deixe-se chorar, então. Deixe-se desaguar.

As corredeiras, quedas d’água, por mais insuportáveis que possam ser suas passagens, elas nos conduzirão no percurso; elas existem e uma hora ou outra aparecerá à nossa frente. É hora de segurar firme nas extremidades da embarcação (sem remos) e deixar se levar. O máximo que poderá ocorrer é encontrarmos novamente com águas mansas do nosso caudaloso rio. É assim que ele te leva até o desaguar definitivo em águas oceânicas.

Se não podemos voltar, podemos mudar o sentido da proa. Quando se vai por outra rota, as águas também estão lá para levar para algum lugar no futuro. O foco, os assuntos, as mágoas devem ser dissipadas, mudadas e pisoteadas como uma erva-daninha.

As prisões do passado, longínquo ou recente, colocam em cofres nossos pecados, falhas, medos, covardias e faz-nos com que voltemos a ele, revelando segredos, para pôr ordem e fim naquela história mal terminada e reparar a pintura negra (escura) da alma. Obras pintadas não têm consertos, têm retoques.

No conto de Guimarães Rosa “A terceira margem do rio”, sucinta a vida dentro de uma canoa. Um pai que deixa a família para viver rio abaixo rio acima, remando: “nessa água que não para, de longas: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio adentro – o rio”. Deixe fluir o rio, como flecha, como palavras ao vento, como desfiladeiro; abrindo caminhos, trincheiras meandros e estreitos. Um rio interior e leviano; e a vida segue a sangue, ferro e profunda. Não há mais infância, não há mais tempo, não há mais resgate. Só são águas, só vejo rio. O meu rio sem pressa de lugar algum...

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Julho de 2013.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O que a mídia não mostra


O que algumas pessoas próximas não sabem, mas eu tenho certa repulsa pela palavra americanizada “mídia”. Muito difundida no meio político e utilizada para exprimir a imprensa em geral. Sempre usada de forma negativa, quando se quer dizer de ausência, ou controle de tudo que se publica nos meios de comunicação. Prefiro então dizer “press”, ou simplesmente Imprensa. Apesar de gostar de citações em inglês, "mídia" deixa tudo solto, sem sentido, sem eixo.

Segundo os dicionários, “Mídia” vem do inglês “Media”, podendo resumir em meios de comunicação, ou conjunto de formas de comunicação. O que contempla todos: rádio, televisão, internet, jornais impressos, revistas, etc.

No Brasil, a imprensa cumpre hoje um papel bem atípico; longe do que se fazia anos atrás. Tudo hoje se resume em só levar e trazer informação. Deixou de ser um veículo de formação de uma ideia e investigativo. Virou uma redação de fofocas de tudo que se ouve e propaga por aí nas redes sociais. Ninguém depura nada. As formas vindas por redes sociais são instantâneas e de fácil digestão. Muitas notícias ficam na cabeça do leitor com pontos de interrogação, que poderá fazer dela o que quiser; assim como um angu de caroço.

O guia do politicamente correto tem determinado também o manual de redação das grandes empresas de comunicação do país. Na prática, seguem uma cartilha social e correta para estar bem com todos, sem gafes. Alguns aboliram ou trocaram o popular termo “favela”, por exemplo, pelo politicamente correto “comunidade”.

Fosse só isso, podíamos pensar que era só uma forma de chegar ao leitor de uma maneira mais formal, mas a coisa é mais pecaminosa. Grande parte da imprensa no Brasil, que deveria se unir ao seu leitor em forma de colher e apontar a verdade dos fatos, conta, muitas vezes, só meias-verdades, ou pior ainda, se omite e se ausenta sem dizer uma só palavra.

No surto de manifestações que tomaram conta do Brasil — ninguém sabe, de fato, os motivos, porque há muitos motivos —, a "mídia" se tornou, não aliada do movimento, mas vidraça para muitos. Alguns jornalistas têm escondido o microfone de suas emissoras e gravado matérias por telefone celular; passando como meros espectadores e partícipes dos manifestos. Isso é decadente, porque os manifestantes sabem que a imprensa tem agido conforme a cartilha dos seus patrões, neste caso o próprio governo.

Óbvio que, em meio a muitos, existem os que ainda se consideram imprensa livre, e dizem o que pensam, fazendo a leitura sobre todos os ângulos; mostrando sua cara e por isso sendo mais aceitos.

Nos tempos atuais, onde a internet tomou conta de tudo, a velha imprensa (typewriter) ficou velha mesmo, caduca, como no filme de diálogos confusos “Front Page”, do bom diretor Billie Wilder. As pessoas estão escolhendo o Facebook para se atualizar; ou publicando suas opiniões em vídeos pelo You tube. A imprensa virou espectador do leitor que agora é ativo no guia da informação. O restante vão fazer fofocas dos programas de reality show.

Nos últimos dias, o movimento “#MudaBrasil” se propagou como um rastilho de pólvora e pegou todos de surpresa. O governo, que sempre teve debaixo das asas do seu poder, diversos seguimentos da sociedade como sindicatos, centrais sindicais, movimentos sociais e ONGs, ficou atônito com os manifestos, pois era algo fora do controle. Se for quer buscar o fio do novelo, não chegará a lugar algum. A internet é o estopim, o fio desencapado, como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique. Com quem agora negociar? Não tem com quem e nem o quê.

Vira-e-mexe se lê nos murais das redes sociais o termo “o que a mídia não mostrou”. Virou um meme (outra palavra atual). Esse chamativo pode ser um vídeo feito por amador, ou fotos de quem esteve presente à cena. De fato, a “mídia” não noticia tudo. Há filtros técnicos, políticos, sociais e mesmo de autocensura. Por isso que muitos não estão mais interessados em TV, rádio e jornais impressos.

Agora uma confissão. Às vezes eu penso em fugir para outra profissão e uma que “me gusta mucho” é jornalismo. Quando me lembro de Joelmir Beting, e vejo como sua história o levou para o jornalismo, em específico o econômico, me dá vontade de seguir por aí também. Meu receio maior é ser censurado, ceifado, por meu texto ter um compromisso com a verdade. Mesmo que ela seja só a minha verdade.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Julho de 2013.