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domingo, 18 de março de 2018

Marighella da favela


Domingo, 18 de março de 2018. Parece estranho começar esse texto pela data. Mas não é. Há um propósito. Há uma semana, ninguém neste país conhecia ou sabia quem era Marielle, a vereadora da extrema-esquerda do Rio, que morreu numa emboscada na noite da última quarta-feira.

Em 3 dias, depois do anúncio da sua morte — ainda um mistério —, a mídia e o partido ainda tentam sustentar uma história de crime político. Ao despertar da manhã de quinta, as redes sociais já tinham essa formatação: mulher, negra, guerreira, da favela e crime político. A narrativa foi sendo apimentada a cada noticiário, com histórias de uma trajetória humanitária, de gente do povo, que denunciava os maus policiais. Assim, muitos compraram como verdade, uma história de uma pessoa que ninguém sabia quem era (exceto pessoas muito próximas) e passaram a defender, de forma seletiva, sua memória, como se fosse alguém da família.

O site O Antagonista tratou de desconstruir parte do enredo montado que, em 24 horas, já havia transpassado as fronteiras  do país e chegado à Europa: "mataram uma mulher do povo". A vereadora foi eleita em 2016 com os votos da maioria da classe média carioca. Os votos que ela teve dentro das favelas, onde recarregava seu discurso, foi ínfimo. Como disse o jornalista Flavio Morgenstern, em seu Twitter: "a Marielle foi eleita com votos quase que EXCLUSIVAMENTE de bairros ricos. Sabe em quem a favela vota? Nessa tal 'bancada evangélica' que vocês chamam de 'fascista'. Se só favelado votar no Rio, PSOL deixa de existir e só vai ter bala e Bíblia".

Durante esses dias, vi algumas pessoas desatentas compartilhando as narrativas construidas junto com hashtags — por que não chamam cerquilha? —, que se espalharam como rastilho de pólvora pela internet. Parecia que o país havia encontrado sua heroína, sua mártir, sua mulher maravilha. A verdade — e aí é onde mora o perigo —: a mídia mainstream tendo um fato novo e forte faz o que quer com a notícia. Muitos saíram repassando a história construida por eles e pelo partido, abusando do Ctrl "C" Ctrl "V", sem nenhum filtro de raciocínio. O PSOL não poderia deixar passar, se aproveitou do fermento do fato e fez discurso sobre seu caixão. E ali, num choro forçado, cantaram até o hino da internacional socialista. Não respeitando ninguém, nem mesmo a memória do motorista, que também morreu naquela noite. Eles vão sempre fazer política com tudo. Até na morte.

Mas como ia dizendo, o domínio da notícia é um perigo grande quando há má intenção, seja para manchar uma reputação ou até transformar assassinos em heróis. Eles precisam só ter um fato a favor. A morte por assassinato, de uma pessoa que desafiava a polícia, num cenário de intervenção na cidade, é um prato cheio. Quem pararia um minuto para raciocinar diante de um Jornal Nacional lamurioso? Ninguém consegue. O cidadão comum se comove e compra a ideia: mataram uma mulher do povo. (Aqui não estou fazendo juízo sobre a pessoa, até porque passei a saber quem era agora. Era uma desconhecida).

Aí eu faço um alinhamento dessa morte com a morte do terrorista Marighella, ocorrido numa noite de novembro de 1969. A notícia chegou no alto-falante do estádio do Pacaembu no meio de uma partida de futebol: A polícia de São Paulo acaba de matar o terrorista Marighella. No dia seguinte os jornais seguiram a mesma linha: mataram o terrorista. Naqueles idos, a esquerda não tinha ainda o domínio da mídia e teve que engolir as capas de revistas, as manchetes de jornais. Como a capa reproduzida pela Revista Veja. 

Ao longo dos anos, quando a esquerda passou a dominar o noticiário e todo ambiente cultural do país, a ideia de um Marighella guerrilheiro e libertador foi sendo temperada e introduzida aos poucos e substituindo a de terrorista. Chegamos ao ano de 2018, e um filme está sendo rodado para contar a história de Marighella, sob a ótica da esquerda, claro. O filme, depois de um período nas salas de cinema, irá para TV, depois para as salas dos DCE´s. Nada mais manipulador, nada mais falso para contar, distorcendo os fatos, do que a trajetória de um assassino, que deixou escrito um manual de guerrilha urbana. Matar é um fato corriqueiro, seja um inimigo ou aquele traidor do movimento.

Claro que Marielle e Marighella só tem em comum os nomes de dupla caipira e a mesma foice e martelo tatuados na alma. Biografias e trajetórias totalmente diferentes. Mas o que seria, em 1969, se o governo deixasse passar a ideia de Marighella herói? Hoje, muitos de nós estaríamos aqui venerando e acendendo velas na sua sepultura. Stálin, Hitle, et caterva, e todos os que  se inspiraram neles depois sabiam da importância do domínio da comunicação; se consegue tudo e se chega a qualquer lugar com uma notícia recheada. Reescrever a história sob um único ponto de vista e passar como verdade somente aquilo que interessa à narrativa.

Não se espantem se daqui alguns anos (ou meses) anunciarem um filme com a história de Marielle.

Quando a esquerda constrói uma narrativa que se espalha; e quando essa narrativa vai aos poucos se desfazendo com os fatos — eles já começam a brotar. Ao invés de reconhecerem a mentira e mudarem o discurso, eles preferem desqualificar os fatos. Eles nunca mudarão. Quem tem que mudar somos nós, não deixando-se levar pelo que diz as bocas sujas e as hashtags que tentam elevar ao Trending Topics.

Cuidado com a #MariellePresente.

(A foto das capas da Veja, acima, lado a lado, é só para forçar um raciocínio)

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / março de 2018

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