BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Barro bom


Ocorreu-me agora a analogia do barro bom. Aquele que, em mistura com a água, dá liga, servindo para moldar e transformar matéria prima em esculturas e obras de arte de peças rígidas, que servirão de adorno à vida toda, se cuidado tivermos. E quem não terá cuidado com peças valiosas? Porque esculturas de areia, à beira-mar, só duram até a maré subir. Areia e água são ligas ruins, difícil composição, e ao menor toque tudo se desmorona. Assim, como também, as esculturas de neve e gelo. Sob o sol forte irão derreter. Fotografe logo, para registrar suas silhuetas tão fugazes, porque seu instante é aquele.

Faz pouco tempo visitei um ateliê de um escultor de obras com argila — o barro, a argila é o mais antigo material orgânico, utilizado para fazer vasos e utensílios domésticos. (Talhas de pedra trabalhadas foram utilizadas por Jesus para a transformação da água em vinho). Enquanto apreciava suas obras, ele modelava com uma das mãos, um rosto anônimo — um artista nato. Depois, me assegurou que tudo depende do barro; o segredo, além das mãos habilidosas, é a argila; e seu barro não era ali da região de São Antonio do Pinhal - SP. Ele ia buscar longe. O barro bom é aquele que vira massa pastosa, fácil de modelar e sem esfarelar. Basta adicionar água, esculpir com habilidade e levar ao forno com temperatura e timer adequado.

Essas conversas de domingo, antes do almoço, são boas para descontração e dizer: "E aí como vai a vida?". Enquanto o almoço ainda é só uma promessa (cheirinho bom) e a cerveja vai e vem, surgem assuntos. Nessa, falávamos de pessoas distintas, das comparações dessa e daquela pessoa. (Não falávamos mal, mas constatávamos). E essa foi a alusão que minha amiga fez da pessoa que é barro bom em relação às de barro ruim e podre. (O barro é a fórmula bíblica que Deus usou para esculpir o homem — Gênesis).

Quem é barro bom? É toda pessoa que temos convivência fácil e sadia; são pessoas que perduram na sua vida, porque já vieram moldadas (só quebrarão se forem lançadas com violência ao chão). A pessoa está alicerçada e sua personalidade é rígida, sem deformação; e tudo depois de moldado não volta ao estado natural, à matéria prima.  Por outro lado, o barro ruim irá esfarelar e não dará boas esculturas (vaso ruim também quebra); vai se partir, antes mesmo, das altas temperaturas do forno. Não durará por muito tempo. Por isso, o escultor justificou que não é fácil sua matéria prima, mesmo morando perto de um rio.

DA FRUTA VERDE

Da fruta verde que caiu do pé, não há o que faça, por meios naturais, que a amadureça. A chance disso acontecer, já se foi. Ela não está mais pendurada pelo caule que a alimentava. Foi-se o tempo que a produzia. Teve tempo para isso e agora sua árvore "livrou-se" do incômodo, dando-lhe como fruta perdida. Tão perdida quando as que apodrecem. Não há como amadurecer estando no chão. Não será colhida por ninguém e seu destino é adubação do solo a sua volta. E com esse tempo longo ainda para virar adubo bom. Bem diferente das frutas podres — também caem do pé —, essas, facilmente, viram adubo. Os insetos e passarinhos irão comer o seu sumo e o que restar, a terra irá absorver.

Frutas verdes no chão são tristes passagens de um pomar. Não há como devolvê-las ao caule da sua árvore mãe.  Nunca irá amadurecer sozinha, sem ajuda da seiva que a alimentava. Ela já não pertence mais àquela vida; hoje está só cercada de folhas secas e formigas. Sua vida agora é solitária e sem ninguém; é o chão do pomar e sem nenhum olhar de brandura.

Barro bom e fruta verde: eis um mundo de gente por aí. Uns fácil de ligar, moldar, esculpir, adaptar, embelezar e temperar. Adornos, estátuas, vasos em estantes, com vidas e relações longínquas. E outros, como a fruta verde no chão, que já não temos mais o que fazer. Irão morrer (virar esterco) sem nunca conhecer o estágio do amadurecimento; ser reconhecida, apreciada e colhida por sua coloração, maciez, sabor e doçura. Resta-lhe, então, a aridez, a rugosidade, a amargura, o acre, o azedume. Quem vai encarar?

Como ser barro bom e fruta madura para a vida? Matéria prima, tempo, aprendizado, sabedoria, discernimento, amadurecimento, liga, permeabilidade a tudo que possa nutrir sua vida e lhe fazer bem; e depois, aguentar as altas temperaturas dos fornos e as tempestades que alvoroçam os galhos da copa da árvore. Tudo que suporta e que dá rigidez ao caráter e à alma.

De sorte, essa é a vida, com seus acres, mas também com muita doçura e suculência. Belas obras, nos pedestais dos nobres palácios, foram esculpidas pelos melhores artesãos, usando o melhor cinzel e escolhendo a melhor matéria prima. Com paciência e sem pressa da modelagem; sem pressa nenhuma para tornar-se fruta doce. Aquela que se apanha no tempo certo da colheita.

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Setembro de 2014.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A doutrinação e a revolução do bem



Enquanto era velado o corpo de meu primo, que morrera de câncer em múltiplos órgãos, eu conversava na outra calçada com seu irmão, meu primo mais velho. Gosto da sua conversa, mesmo num momento de muita dor, ele sempre é um bom papo, familiar, que nos remete a lembrar de coisas boas da vida.

O tom de sua conversa naquela tarde não era como das outras vezes, quando contava causos de um passado feliz, com uma memória de elefante (quem tem memória de elefante lembra até dos tons das cores do uniforme escolar). Naquela tarde, ele estava triste e desenxabido, como se tudo se juntasse ali, na sua perda recente.

O que se queixava era da vida de hoje. Mas não da falta de dinheiro ou de prestações em atraso; o que lamentava era a falta de amor, caráter, ética, moral, educação, gentileza, cidadania, respeito, princípios, esperança, fé; e tudo mais que ficou no seu passado de memórias. Da família que fomos e agora não somos mais. Dessa regressão humana aos tempos pré-civilização (homem fisiológico); do elo perdido da família tradicional (como se houvesse outro modelo); e aqui faço um parêntese para citar aquela professora marxista: “A família tradicional acabou” — justificando que em sua escola não se comemora mais o dia do pai e da mãe. Ela é professora discípulo de um mal que se impregnou. Falarei mais adiante.

E tudo que vivemos dessa degradação social e familiar, não é mero fruto do acaso. Isso foi calculado, medido, planejado para que fosse assim: o rebaixamento das instituições. Uma ordem mundial, uma liderança, uma superioridade, uma entidade, uma doutrinação organizada — algo sem rosto, sem presença — tratou de aliciar militantes a esse reino, e esses como fios condutores desse futuro que cá confrontamos.

Há mais de cinco décadas isso vem sendo disseminado (nas escolas, nas ruas, campos, construções). Os temas polêmicos e distorcidos das novelas que vemos hoje, foram encaminhados há mais de 50 anos: segregação e luta de classes. Você não sabe, mas a todo tempo estamos sendo manipulados e conduzidos. A revolução mental, que não pega em armas, mas dilacera mentes, como assim disse Luiz Felipe Pondé:

"Engana-se quem acha que propriedade privada seja apenas 'sua casa'. Não, a primeira propriedade privada que existe é invisível: sua alma, seu espírito, suas ideias. É sobre elas que a oligarquia de esquerda avança a passos largos. Em nome da "justiça social" ela silenciará todos."

Meu primo sofre com a família que formou. Um filho temporão com problemas de comportamento, desobediência, rebeldia e um sobrinho delinquente preso por assalto com arma de fogo. Tudo que nunca imaginávamos que pudesse ser nossa família, nosso futuro, quando ainda jogávamos bolinha de gude nas ruas de terra da nossa infância.

Ao lembrar-se de seu pai, veio um olhar marejado. Disse que, seu pai, assim como os meus, não tinha escolaridade, mas tinha uma coisa que falta muito ao mundo de hoje: SABEDORIA. E por isso, reconhece o merecimento, sem trauma nenhum, dos bofetões que levou dele, um alemão alto de mãos enormes e pesadas. No dia seguinte do bofetão — recorda —, seu pai ia trabalhar, sem nenhum remorso, mas nele ainda estavam as marcas dos dedos como sinal do aprendizado.

Aprendizado do quê? Aprendizado que não devemos subtrair o que não nos pertence; aprendizado que devemos respeitar pai e mãe; aprendizado que não há vida sem labuta, sacrifício e suor; aprendizado de respeito ao próximo, às regras, leis e instituições; aprendizado que há sinais de perigo na vida e, portanto, não devemos atravessar tais fronteiras; aprendizado de fé e amor a Deus.

A palavra é doutrinação. Durante décadas fomos doutrinados a muitos comportamentos, ordens, conceitos, catequeses e crenças sem percebermos. Conduzidos como gados. Ajustando a sociedade para uma conversão, no sentido mais inglório, pragmático, ideológico possível. 

Acreditamos por anos que, a igreja católica é retrógrada, ultrapassada e rica; acreditamos por anos que, a "polícia para quem precisa de polícia" e por isso é um óbice social; acreditamos por anos que, Oscar Niemeyer é o maior de todos, sem conhecer os outros; acreditamos por anos que, Che Guevara era o novo Cristo a se seguir; acreditamos por anos que, o capitalismo oprime, sem entender o que isso significa; acreditamos por anos que, pobres são vítimas da sociedade, sem reconhecer que são também agentes dela; acreditamos que, se existe pobreza é porque alguém ficou rico a sua custa; aprendemos por anos a enaltecer às esquerdas e ridicularizar tudo ao contrário à elas; aprendemos por anos que. o regime militar foi um atraso ao país; acreditamos por anos que, só inocentes e heróis foram torturados e mortos pelas mãos desse regime de governo; acreditamos que, esses "heróis" queriam democratizar o país. Factoides e mentiras que viraram verdades. A doutrinação é a revolução silenciosa, proposta pelo italiano Antonio Gramsci e seguida ipsis litteris.


Numa das conversas (hangout) com o cantor Lobão, o professor e filósofo Olavo de Carvalho afirmou que, o erro do regime militar, nos 20 anos de governo, foi ter combatido os comunistas e não o seu mal: o comunismo. Esse foi o vacilo, a porta entreaberta descuidada, que se escancarou para uma invasão de pragas ideológicas nos lares, escolas, igrejas e todo meio social que pudesse embrenhar.

As universidades, as redações de jornais e revistas, editoras, todos os meios culturais foram tomados e serviram de canais disseminadores de uma doutrina marxista. De “pensadores” e vendedores de sonho do mundo melhor; na visão mais arcaica, cínica de pregação de um paraíso comunista. Em consequência, o rebaixamento das instituições ao pó, aos pés de um grande irmão (The big brother).

Foi por aí, por esse caminho, que se pavimentou a via para a chegada de Lula (o operário) ao poder. Ou você acha que seria fácil aceitar um apedeuta como ele? Ele chegou como a semente de um sonho (bad dream), o maná, a  boa nova que levaria seu povo à terra prometida, onde jorra o leite e o mel. Mentiram (e muito) para mim e para você.

Se formos buscar o fio desse emaranhado, que se tornou a família, iremos chegar na política, claro. Falsos moralistas, os donos das leis agora estão dentro de nossas casas, ditando regras para uma família "melhor", como Olavo de Carvalho publicou na sua página do Facebook: "Moral petista: não dê palmadas no seu filho. Mate-o no nascimento". Ele se referia a duas leis absurdas: da palmada e a que está em curso, do aborto.

Não me lembro de meu pai (com 11 filhos sob sua criação) reclamar do governo militar, se sentir perseguido e injustiçado por ele. Não, ele só olhava para sua prole, trabalhava dobrado em turnos alternados (desses que mexem com o metabolismo) na fábrica, para sustentar uma família e dar o mínimo de educação. Ele se foi aos 59 anos, cansado da vida muito labutada e tendo o cigarro como parceiro de solidão e morte. Meu pai não deixou em mim nenhuma semente comunista.

Procuro não desviar o foco: a humildade, a religião e fé em Deus foi seu maior trunfo em mim. Indiretamente, ele enxergava a família: pilar mestre dessa fé (judaico/cristã). E as vezes que arrisquei sair, lembrei-me e voltei. E assim eu sigo, cambaleante, mas arraigado... Depois minha mãe, que também foi um exemplo de pessoa. Dona de casa cuidadosa, zelosa, de caráter, brio, fé e responsabilidade.

Esses foram meus tesouros, minhas doutrinas, que essa geração de agora desconhece, porque ninguém lhe passou. Por isso, se perde demente com seu tempo, e sem projeto nenhum de futuro.

Depois, e antes que eu fosse embora, meu primo ainda me disse da sua esperança. Disse sobre uma revolução do bem. Exatamente aquela que esperamos num futuro breve acontecer. (Há sinais no horizonte) O bem que vence o mal. Sem liderança, e também silenciosa, ela virá resgatar nossos sonhos sufocados. O fundo do poço é próximo, e quando chegarmos lá, só existirá um caminho: da volta. Emergir, subir, subir... E de volta ao seio familiar como imaginamos: célula social, mãe protetora e condutora da vida. E que nenhum Estado, governo ou poder possa substituí-la. Jamais.  

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Setembro de 2014.