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sábado, 11 de outubro de 2014

Heroísmo e vitimismo

Há uma crise nebulosa pairando sobre o mundo, que poucos conseguem sentir. E não se trata de guerras ou revoluções. Falo de uma inexistência coletiva que parece virar nuvem diante da vida: você não consegue apalpar, mas consegue plasmar, ela tem formas definidas.

Não sei se houve outro período na história, mas hoje vivemos uma era onde os heróis são levados aos tribunais e cortes do universo e o vitimismo desponta triunfante e arrogante. Não!, eu não refiro aos heróis de guerra, mas aqueles que no dia a dia labutam por sua vida e sua prole, como sobreviventes. Do outro lado, um vitimismo, ancorado na política, querendo emergir, mandar no mundo, sem autonomia e poder para tanto. E assim,  vai o mundo capengando, vivendo sem heróis e caminhando para um real fracasso.

A coisa criou raiz e tentáculos, claro, na política. Está cheio de mandatários babacas recolhendo as angústias de grupelhos de minorias, para depois atiçá-los, viciando-os no ódio de vinganças passadas; e, assim, poucos moradores de rua vão sendo recolhidos do seu relento. Política de interesses. Interesse em chocar as pessoas umas contra as outras e depois ficar assistindo tudo de camarote, vendo o circo pegando fogo. Como aquele insulto infantil de rua: "quem for homem cospe aqui". E o cuspe ia na cara do outro, porque o "aqui" era a mão do provocador que a retirava antes da cusparada. Era o estopim.

O cartaz abaixo, encaminhado e depois compartilhado nas redes sociais, tem o traço visível de uma militância política dessas minorias autoritárias — tem cheiro da tinta. Esses que não se conformam com a natureza humana: homens e mulheres são homens e mulheres desde que o mundo é mundo; é da criação, é da natureza. Não há o que mudar. Então, instigam a segregação por outros grupos e etnias. Se há os homossexuais, esses deverão ser respeitados, acolhidos, como cidadãos debaixo das mesmas leis, sem necessidade de mudá-las. Precisamos de mais educação, respeito e não de novas leis.


A peça gráfica é acintosa, provocativa e preconceituosa com os que estão fora desse grupo de "dois iguais". Como se todos os casais que formam família deixassem seus filhos jogados pelo mundo. Querem combater o preconceito com acusação, e com outro preconceito. Isso é uma guerra.

Tudo começou num dos debates políticos da Eleição para presidente deste ano. Quando o candidato Levy Fidelix-PRTB, ao ser provocado pela candidata Luciana Genro-PSOL — quis saber sua opinião sobre homossexuais. Ele disse, dentro de uma forma pueril e sem alardes, que aparelho excretor não reproduz; dois iguais não fazem filho. Nada de mais que uma constatação óbvia.

O busílis é que suas palavras passaram das fronteiras do debate; Fidelix foi levado aos tribunais da inquisição do movimento LGBT. Ele foi tachado de homofóbico. Já no outro canto do ringue, sua fala soou bem entre os grupos mais conservadores. Em tudo, ficou a mão suja da política que provoca os embates e depois sai de cena, deixando as pessoas se gladiando: "quem for homem cospe aqui".

A etimologia da palavra "homofobia" vem de: Homo = homem, gênero; Fobia = medo, aversão. Podendo ser traduzida como "medo de homem". Não deveria ser utilizada para classificar pessoas que odeiam homossexuais. Infelizmente pegou e agora serve para tudo, até quando não há ofensa nenhuma. Virou doce na boca da militância.

A discriminação entre grupos sociais existe desde que o mundo é mundo; e não é, exclusivamente, pelas opções sexuais. Mas há lugares neste mundo onde a coisa é pior, basta ver como homossexuais são tratados em países do Oriente Médio. No Iraque, por exemplo, quando descobertos, eles são enforcados em guindastes. O que nós, ocidentais, temos que fazer para que não haja ódio, e chegar ao extremismo, é não deixar-se levar pelos militantes desses grupos autoritários. Vejo pessoas inocentes pegando carona nessas falas e provocações, por achar bonito e politicamente correto; e no fundo, não percebem que estão sendo instrumentos de um mal que, por ódio, segrega mais ainda a sociedade.

Quais são os números oficiais de homossexuais no Brasil? Desses, quais sofrem com preconceito? Quem disse que dois iguais adotam filhos que dois diferentes jogam fora? Onde existem estatísticas, com números, que provem a veracidade desse cartaz? Não há. O que há, como em todos esses interesses, é a mentira como método de ludibriar, embriagar a população passiva e desatenta.

Em tempos de redes sociais, todo mundo acha agora que pode opinar sobre tudo, sem ter compromisso com a verdade. E como já disse na minha crônica anterior: a verdade é inequívoca. Na ânsia de palpitar, sem conhecer a natureza, as causas e consequências do que diz, pode fazer de algo pequeno uma bomba.  ("Não é pelos vinte centavos". Este foi o estopim das manifestações de junho de 2013 pelo Brasil.) Sem conhecer o que realmente compartilham nas redes sociais, vão fomentando o ódio  e apontando uma arma contra eles mesmos.

Vi recentemente um hangout com o Professor Olavo de Carvalho, cujo o tema era o amor. Vi, revi e transformei em palavras escritas um trecho que parece-se muito com o que estou trazendo aqui. Disse Olavo de Carvalho:
"Essa crise, evidentemente, não afeta somente a alta cultura, mas afeta profundamente a vida pessoal. Não é só uma crise de inteligência superior, não. É uma crise do entendimento da vida no dia a dia. A pessoa não entende o que está acontecendo; não entende a sua própria vida, e, portanto, não chega ao nível mínimo de maturidade para tomar decisões, entender o que se passa. O resultado é o estado permanente da exasperação emocional. Onde todo mundo se sente vítima, todo mundo está ofendido o tempo todo. E todo mundo fica buscando compensações. E a vida, com isso, vai piorando cada vez mais. O pior é que essa imaturidade, essa exasperação emocional hoje é explorada politicamente. São correntes políticas que estão interessadas em fazer as pessoas se sentirem cada vez mais oprimidas, cada vez mais injustiçadas, para dizer: 'eu vou proteger vocês; eu vou defendê-los dos malvados, etc.' E com isso estão criando um inferno. Estão transformando o ódio de todos contra todos. E para perceber isso, e perceber qual é a raiz do mal, a gente precisa ter alguma maturidade, alguma experiência de vida"
Olavo foi claro em tudo e tem razão, mais uma vez. As pessoas não estão percebendo o quanto estão sendo manipuladas pelo establishment político, como bonecos mamulengos. E por isso, aceitam qualquer coisa, não se indignam com nada que vem contra si. Acabam achando normal o que é anormal; achando lógico o ilógico; acolhendo o vitimismo em lugar do heroísmo. Não se chocam com aquilo que precisa se chocar — a corrupção, por exemplo —, mas se sentem mal, se amedrontam com as ninharias.

Essa história de homofobia no Brasil é como querer transformar uma gripe, que acometeu todos os membros de uma família, em epidemia; e por isso o governo deverá vacinar toda a população do país, porque quatro pessoas estão doentes. Enquanto isso, as doenças epidêmicas que, de fato, estamos vivendo por contágio, e em grande escala, não são abordadas e muito menos vacinadas. É preciso despertar.

Os números de homicídios no Brasil em 2014 já chegam a 60 mil/ano. É muita gente morrendo, por inúmeras causas, ou sem causa alguma. Mais que muitas guerras já mataram. As instituições estão falidas, e o crime e criminosos avançam sobre a população em geral, que está totalmente desprotegida.

A candidata Luciana Genro-PSOL, fervorosa na causa do movimento LGBT, que defende, disse, num dos debates, que um homossexual morre por dia vítima de homofobia. Mesmo que esse número esteja correto — ela sempre descreve em suas falas como "milhares" e "milhões", sem dar um número verdadeiro — não há uma epidemia, não dá para considerar que há homofobia na sociedade brasileira. Homossexuais, que estão fora do seu movimento, vivem muito bem com a sociedade predominantemente heterossexual; mas o vitimismo do movimento quer triunfar e se impor pela hostes e desonestidade política de uma Luciana Genro.

Se considerarmos que no Brasil morrem assassinadas 60 mil pessoas ao ano; se considerarmos que um homossexual morre por dia (segundo Luciana Genro), temos: do total 0,6% de mortes por homofobia. E os outros 99,4% de motivações?  Fazendo outra consideração hipotética que, a população do país esteja em torno de 200 milhões; considerando que o número de homossexuais no pais representa 9% da população (18 milhões*); considerando os números de assassinatos de homossexuais/ano são 365 (segundo Luciana Genro), temos: 0,002% de assassinatos num universo de 18 milhões. Este número, embora apareça nas estatísticas (?), não pode ser relevante às demais motivações de assassinatos, como o tráfico de drogas, por exemplo. O Brasil não pode ser tachado de país homofóbico por esse percentual ínfimo.

Quando vem essa conversa mole de se exigir leis específicas para tratar os chamados crimes homofóbicos, lembro a Constituição de 1988:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
        I -  construir uma sociedade livre, justa e solidária;
        II -  garantir o desenvolvimento nacional;
        III -  erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
        IV -  promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,...
Como disse no início desse longo texto — necessário —, o mundo está em crise, carente de muitas coisas essenciais, menos de tecnologia. As bases da sociedade estão sendo vilipendiadas e solapadas. O heroísmo deu lugar ao vitimismo, sem trégua. Famílias estão desmoralizadas e sendo substituídas por outras formas de união. Onde iremos parar? Não sei, Mas sei que é preciso pôr um basta nisso tudo, senão não caminharemos juntos; e as consequências serão mais divisões e conflitos, sem que nenhum lado tenha razão e muito menos noção do porquê tudo começou.



(*) dados colhidos por sites na internet. Não sendo oficiais.

 © Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Outubro de 2014.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Descubra a verdade


Ah!, o espelho da alma. Se ele fosse como o espelho da nossa casa, seria ótimo e prático. Assim poderíamos nos ver antes de tomar decisões, como quem se olha no espelho da sala antes de sair para jantar fora. Dava para ver onde estamos mais bonitos e feios no nosso interior. Na adolescência, enxergaríamos as espinhas, as acnes do rosto oculto. O creme da noite e o filtro solar durante o dia, e a vida sem erros e defeito. Escovação perfeita nos dentes e depois aquele sorriso para sair sem nenhuma preocupação de que algo não está entre os dentes. Daria para fazer um selfie da alma.

Nada disso. O espelho da nossa alma não tem reflexo tão fácil assim de enxergamos. É preciso olhar afinco e para dentro; no íntimo, nos calabouços, nas profundezas onde não há luz. É lá que escondem nossas verdades refletidas. Mas com um início de tarefa árdua de executar; requerendo muita dedicação e coragem. Quem se olha? Quem faz isso com facilidade? Se tivéssemos muitas pessoas conscientes de si (olhar para dentro), não teríamos tanta gente perseguindo a construção de um "mundo melhor"; e o mundo melhor seria acessível, para dentro de cada um.

A autoanálise, com um profissional para orientar o caminho, é tudo que o ser humano precisa para se relacionar melhor consigo e com seu mundo. Nunca antes na história desse mundo houve tanta procura a consultórios de psicanálise como nos nossos dias. Como já escrevi na minha crônica Jardins da Infância: "há aqueles que corajosamente abrirão suas gavetas, com seus anjos e monstros, sem dor ou medo da vida que em si guardou. Com certeza, esses serão adultos bem melhores e verão a vida sempre mais bela, em multicor."

Não confrontamos na vida adulta o que nossa vida nos fez na infância, porque nosso "depósito interior" está cheio de coisas que não queremos ver, e o mundo a nossa volta pode nos condenar por elas. Vivemos sob vigilância do medo da condenação, da humilhação. Por isso, nos encolhemos. A tragédia ao expor nosso intimo. Medo de sermos ridicularizados e excluídos socialmente. Desde o nascimento vivemos sob essa tutela de sentir medo dos passos que damos e dos posicionamentos que assumimos em tudo. A insegurança em viver, nos leva cada vez mais empurrar nosso lixos sentimentais para debaixo do capacho. Como aquele quartinho de fundo de casa, onde tudo que queremos esconder amontoamos lá.

E por que não olhamos o que nós somos, mas vemos (com clareza) tudo o que outro faz? Porque existe uma coisa dentro de nós que não gostamos de confrontar: a nossa verdade. E já disse em outras ocasiões: verdade não é sinônimo de felicidade, de algo bom; verdade é sinônimo de realidade, de embate, de encontro com todas as coisas que constroem nosso caráter; são nossos anjos e demônios. A verdade é fratura exposta e dói saber, ver e sentir. Ninguém gosta de mostrar a sua, mas vive apontando, o que acha ser a verdade, no outro. Somos exatamente isso: mentirosos quando é sobre nossas vidas.

É preciso se descobrir; tornar visível o que nosso íntimo teima em acobertar. Nossas relações interpessoais serão melhores se melhores formos com nós mesmos. Não ter medo de apontar, de apertar a ferida, mesmo sob dor e pus visivelmente feio e cheiro desagradável. Em nenhuma escola iremos aprender sobre nós. Por isso, o estudo solitário é um caminho difícil, mas sem volta. Quem se descobre, nunca volta mais ser o que foi um dia.

E quando eu digo descobrir, não quero me referir à terra inóspita, inabitável. Não falo do desconhecido, mas daquilo que, sob a mortalha da vergonha e do medo, mantemos cobertos. Do cadáver que se cobre com o jornal, porque é horripilante ver a cena. Descobrir o que nós mesmos, durante anos, cobrimos como fugitivos da vida. Há, sim, muitas coisas em nossas vidas que não queremos revelar. A maioria delas está nas profundezas do nosso ser.

A verdade que se é e a verdade que se enxerga. Você pode opinar sobre filmes, novelas, futebol, política, etc. Um olhar diferenciado, analítico sobre alguma coisa, onde há lacunas de pensamentos. Contudo, você não pode ter pontos de vista contra fatos; você não pode opinar sobre (acima) a verdade pujante. Dar opinião e ter pontos de vistas, também não é certeza que encontrará com a verdade no final. Sua fala pode cair no limbo.

E quando uma opinião tentar se sobrepor à lógica dos fatos, a verdade esmagá-la-á como uma sola de sapato faz com uma barata. Pontos de vista de nada valem contra a verdade que grita, porque ela sempre triunfará sobre tudo e todos. Ter opinião não é dizer a verdade. A verdade é inequívoca.
"O pensamento só se torna veraz quando toca algo que está para além dele, algo que não se reduz de maneira alguma ao ato de pensar e nem ao pensamento pensado. Esse algo é o que chamamos de verdade" (Olavo de Carvalho)
Já encerrando, lembro uma das mais belas palavras já calcadas na minha memória, onde a verdade se encontra com sua irmã: a liberdade. Naquele adágio (versículo) bíblico: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Mais cedo ou mais tarde a verdade nos encontrará numa esquina qualquer da vida e do tempo, como a morte fará também. E isso é verdade que grita.

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Outubro de 2014.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Causa humana




Talvez eu entenda um pouco — bem pouco — do excessivo zelo, trato, cuidado, nos nossos dias, aos animais domésticos: festas de aniversario, colos, carinhos, banho, tosa, perfumaria, lugar na cama, presentes. E gente cada vez mais, e vorazmente, se empenhando em chamar atenção do mundo a essa causa.

Isso que pode se chamar também, sim!, de amor; o qual, sem sombra de dúvida, vem ocupando o lugar dos seres humanos no coração dos...seres humanos (será mais um problema da falta de interesse de um pelo outro, por famílias, ter filhos e sexo? Sei lá...)

Num mesmo dia, separado só por uns três minutos de intervalo, a TV local da minha cidade divulgou duas matérias jornalísticas, no mínimo, antagônicas. A primeira de grupos de familiares que faziam uma pequena passeata (para chamar atenção) sobre a importância da adoção de crianças. Eram umas 40 pessoas somente. Havia até um casal que esperava um filho na barriga e estava na fila da adoção. Gesto humano e difícil de ver. Do outro lado, na matéria seguinte, uma feira e desfile de pets num shopping da cidade. Aí sim, com milhares de pessoas felizes exibindo seus animaizinhos bibelôs. Pensei comigo: estamos mesmo vivendo outros tempos. O interesse por cães e gatos já superou o de seres humanos.

Estou esperando até agora alguma manifestação. No dia 09 de Setembro último, uma garota de 13 anos foi espancada numa escola em Sorocaba, interior de São Paulo, por outra garota, só pelo fato dela ser... bonita. Isso mesmo, o crime dela é ser mais bela que a bruxa malvada, a inveja em pessoa; e o conto de fadas (sem príncipe) é que a maçã da bruxa de Branca de Neve virou um socão na boca. 

Resultado: arrancou-lhe os dois incisivos centrais de sua boca. Ninguém veio nas redes sociais (Facebook) dizer uma palavra, se indignar com tamanha  estupidez e covardia (a outra que atacou era três anos mais velha). Mas fosse ela pertencente algum grupo de minoria, ou uma gatinha maltratada, isso teria comovido o mundo, e autoridades seriam cobradas por justiça.

Vivemos, de fato, a Era do antagonismo com perda dos valores humanos. A cada dia perdemos, também mais, o poder de se indignar com esse solapamento de vidas, ou simplesmente aquilo que é inerente ao ser humano; contudo, os canalhas autoritários avançam sobre nós com mais vigor e poder — tudo que lhes demos. Até virarmos pó e refém por completo.

Há algo de errado no mundo de hoje. Onde os animais são enterrados com honras de grandes homens; e homens são mortos, sem nenhum remorso, como se fossem pequenos animais.

Mas eu só vou entender mesmo essa inversão (sentimental), essa carência, essa afetuosidade, o dia que ouvir um gato num bar mentindo vergonhosamente para o garçom; e depois ver um cão traído, cabisbaixo se matando melancólico, enforcado com sua própria coleira.

Haverá compreensão, estarão mais humanizados; aí sim, dá pra amar, conviver, gargalhar, sofrer, acolher como seres humanos. De outro modo, fica fácil ser só animal doméstico abanando o rabicó. Afinal, eles são encarnações de anjos do céu: bonzinhos e sem maldade alguma — dirão.

Desde onde o homem conhece o outro, ele é suscetível a ser irritante, falho, hipócrita, mentiroso, covarde, desleal; mas também carinhoso, leal e amável: o livre arbítrio divino. E de poder amar no outro o que também tem de pecaminoso e pior em si. Esta coisa de amar só o bem é abjeção com cianeto. Homem nenhum abana o rabo quando vê um canalha.

Penso, assim, se outra vida tivessem, muitos desses gostariam de nascer gato de madame, porque todos querem ser gatos e cães de pedigree. Se gato não faz nada, só come, bebe, espreguiça e se lambe, imagina o de madame. Que inveja felina! Tive cachorros em casa, mas eles viveram como devem viver animais domésticos: nos fazendo felizes no quintal.

Aqui não é céu e não dá pra brincar disso: agora eu quero ser animal, porque eles não traem, não mentem; e por essas e outras merecem o lugar do ser humano nos banquetes. Ainda temos muito que falhar e pecar; e eu só entendo amar quando os defeitos também são evidentes, como os nossos. Amar o bem perfeito e quem só late ou mia é fácil e confortável. Quero ver amar quem tem defeitos como os nossos.

Sei, por fim, que contrario muitos amigos queridos que se dedicam a essas causas (até com exagero). Eu, porém, não entro nessa turba da causa animal, porque ainda estou tentando entender e aprender a causa humana. 

© Antônio de Oliveira / cronista, arquiteto e urbanista / Outubro de 2014.