BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

sábado, 9 de novembro de 2013

Monopólio das virtudes




(mais um texto que nasceu com a expressão facebookiana, mas resolvi postar aqui também)

De tudo de bom que disse o economista Rodrigo Constantino em sua palestra, por ocasião lançamento do livro "Esquerda Caviar", em São Luis do Maranhão, guardei a expressão "monopólio das virtudes".

Vivemos por anos construindo a história de um país sob a tutela do bom-mocismo; como se vivêssemos uma luta do bem contra o mal; e a gente, povo, sempre ao lado do (pérfido) bem, é claro.

Essa era fina flor que dizia trazer a boa nova à terra prometida, como heróis verdadeiros. Por uma classe artística, intelectual e política dominante do pensamento coletivo. De seitas, cujos os atores fomos subservientes; e lhes demos (de graça), status, gracejos e elogios para suas festas regadas a champanhe e caviar.

O que pensavam e diziam caiam como mantras e orações em nossas vidas. Por uma rede oculta e manipuladora, eles monopolizaram o amor, a esperança, a inteligência, os fatos, os caminhos, a palavra e as demais... virtudes.

Passamos por essa era de sensibilidade mal calibrada. Viajamos por contos de fada e histórias contadas sob um único olhar, o da chapeuzinho vermelho. Achando que tudo era só uma questão de matar o lobo mau; de tirar um rei e pôr outro no trono; um mais humano e justo. Um rei nosso.

Em suma, todo baile de máscaras termina com o raiar do dia, com toda orquestra esbodegada e com todas as máscaras no assoalho do salão. Os rostos serão expostos, revelados e não tem mais noite feliz e nem dança. A festa terminou.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Novembro de 2013.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Ter razão ou ser feliz?

É melhor que tenha razão em sua vida. Não no sentido ditame de opressão e imposição da palavra sobre a outra. Mas na forma que se descreve na sua raiz: a faculdade de compreender as relações das coisas e de distinguir o verdadeiro do falso, o bem do mal; a faculdade de raciocinar, de apaziguar, de estabelecer razões lógicas; justiça, retidão, juízo, bom senso, equidade... É mais do que isso, mas paro por aqui.

Ter razão é mais importante que os sentimentos vorazes e submersos. Podemos ter razão pelas estações e a florescer a vida toda, mas com a felicidade não temos a mesma garantia.

Razão é temperança, gentileza, amadurecimento, conhecimento; a felicidade é temporal, é do self, a forma que espírito se manifesta quando se reluz pelo feixe da... razão. Apagará com as noites sombrias, com as tempestades, a menor fagulha de dor, e com as pedras do caminho.

A razão é mister porque nela toda casa se edifica; e com a felicidade se apetrecha e se enfeita seus cantos. A razão nos põe no eixo, no equilíbrio e traz a paciência de viver dia após dia. A felicidade se aproveita disso, da sua existência para acontecer.

Ter razão, torna a vida mais esperançosa e feliz. Este é o aprendizado. Se tiver que haver uma ordem, que a razão venha a frente, abrindo os caminhos do entendimento, da compreensão; e que o coração seja a porta de entrada para ambas.

Deus me livre de ser feliz sem razão nenhuma. Quando desse torpor despertar, sentirei frio, fome, sede e amargura; e tudo sem onde me agarrar. Cadê a minha razão?  


© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Novembro de 2013.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Só vou ser feliz o dia que...



Meu filósofo favorito diria "fuja dos chatos, daqueles que vivem buscando a felicidade". Eles são melancólicos, tristes e podem pisar (sem querer) em você. Toda busca vociferada e alarmada é uma mentira delirante (todos nós somos bons em mentira); uma ladainha de desculpas para a vida e de não vivê-la; de verdade, ele nunca tem vida; tem só intenção e ânsia.

Engana-se vivendo, ou dizendo que vive sua busca incessante, que nunca chegará; a verdade única é que toda ela [vida] por ele passará, e sem piedade. Justificará tudo, pela ausência daquilo que acredita não ter; mas como um merecimento de prêmio, um diploma de graduação que receberá no final. Não existe vida no pressuposto, no imaginário, no futuro, no condicional e no final. Ou essa coisa tola de pensar positivamente e ficar na estação esperando, esperando... "Só vou ser feliz o dia que..." é um trem que não chega e dá preguiça de esperar.

Só digo uma coisa, não peça nada na forma mais infantil como se deseja um brinquedo novo; de querer as coisas que pode tocar com as mãos; não procure nada que seja coisa. Você terá pouco tempo para maravilhar-se e brincar com ela. Todo brinquedo depois de explorado perde o prazer e o sentido em si (já disse meu irmão). Depois é abandonado na caixa. A confusão se estabelece quando se confunde tudo com prazer e gozo.

Quem corre atrás do outro, procurando o que já tem em si, viverá sempre uma jornada agonizante e em vão. Àquele que, na sua solitária vida, reclama da ausência daquilo que já possuí de graça, seria melhor se provocasse suas revoluções internas, e começar a promover a justiça ao seu redor. Tudo que vivemos é tão próximo e por que queremos o longe?

Toda vida em si é melancólica, triste, labutada, difícil e também feliz; tudo nela é transitório e se desmancha no ar. Não existe a noite do amor eterno, porque sempre haverá um amanhecer para findar. É sempre um começar de novo; voltar algumas casas e reiniciar o jogo da vida.

Quem diz "só vou ser feliz o dia que...", a garantia que esse dia nunca chegue é imensa. Penso, por fim, que deveria ser abolida tal verbete dos dicionários de sinônimos e dos livros de auto-ajuda. Quem sabe, então, teríamos mais momentos e instantes altivos de vida vivida; veríamos mais noite de estrelas no céu e com os dias mais radiantes.

Tudo sem compreensão do nada, simplesmente porque não cabe explicação.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / Novembro de 2013.