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sábado, 25 de junho de 2011

Conversa de sábado — Surpresa!

A encomenda não chegou, mas o gostoso, o mais doce é a espera, quanto tudo nos surpreende. O lado bom da surpresa é nos despertar do mal-estar e nos pôr de volta à vida — em forma de resgate. Hoje o mundo virtual — das compras online — nos dá esta satisfação. Compras pela internet são assim: você compra e paga, depois espera chegar, até exaurir a paciência do porteiro do seu prédio de tanto perguntar: chegou algo para mim? Antes, quando um disco novo saia, íamos à loja e comprávamos; a curiosidade e a surpresa acabavam até chegarmos em casa abrirmos a embalagem e pôr na agulha para tocar. Foi assim quando adquiri meus discos, nos tempos dos long playing. Hoje, atormentamos ao porteiro tarde da noite, até ele, impaciente, dizer: "Senhor, nesta hora não entrega mais SEDEX...". Vamos dormir na incompletude, e botando a culpa no pobre.

Gosto de surpreender com coisas e notícias boas (quem dá notícia ruim é o Zé velório). Quem tem esta prática, se delicia com os olhos de quem recebe. Não precisa haver troca; tudo já foi retribuído no olhar que brilhou ao ver a caixa de presente, ou a faixa de pano estirada na esquina da casa dela, ou por ler um simples e-mail. E o melhor do mundo é quando tudo vem, aparentemente, do nada; digo, sem data de aniversário, ou nenhuma data comemorativa; simplesmente pelo gesto, ou porque precisava dizer aquelas doces palavras. Conheço pessoas que gostam mais de dar do que receber presentes.

Cesta de café da manhã é algo que já recebi. Gostei muito. Primeiro, porque estava apaixonado e depois porque curto uma mesa com café, sem hora para levantar dali. Mas, já tive outra surpresa que recebi mal. Uma vez recebi um buquê de flores. Quem deu fez com boa intenção e paixão, mas minha cara não negou que não gostei. Ela até se irritou e com razão. Eu era imaturo, por não saber que seu gesto foi grandioso; e ela não era obrigada a saber que muitos homens se sentem desconfortáveis, ou diminuídos na sua masculinidade, quando recebem flores. Homens nem têm jeito com flores. Mas, para mim, naquele momento, era: homens não recebem flores. Fui grosseiro na cara, depois me arrependi. Se ela me desse uma bola de futebol, iria gostar mais, com certeza. Depois, pensei: acho que gosto mais de surpreender do que ser surpreendido.

Para os consumistas, vai uma dica: é melhor fugir das compras online e principalmente das compras coletivas. Ponha tais e-mails para cair diretamente na lixeira. Surpreender a si mesmo, às vezes vicia. Surpreenda, então, quem você ama. Assim, poderá fazer nas vezes quando o amor te sufocar.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / junho de 2010.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Uma noite em 83


Era tarde de um domingo ensolarado de outono, 01 de junho de 1980, o Flamengo e Atlético-MG se encontravam para decidir o título do campeonato brasileiro daquele ano. Mesmo sendo torcedor do Palestra, minha torcida naquela final era para o Atlético, ou melhor, eu era ReinaldoFC. Reinaldo era meu ídolo, incontestável. Nas peladas de rua, eu sempre usava seu nome (em vão) para as minhas jogadas de mestre; imitando seu gesto a cada gol que marcava. “Rei” era o Tostão do Atlético e quando parava com o punho fechado para cima, não dava outra, o goleiro estava estirado na grama — era mais um gol de Reinaldo. Mais tarde, descobri que esse gesto comunista, era na verdade um protesto contra o regime militar, que o Brasil vivia seus últimos capítulos. O Atlético perdeu o título ou o Flamengo ganhou por 3 a 2, pouco importava, pois para mim, Reinaldo tinha dado seu show, até o árbitro tê-lo expulso de campo.

Três anos mais tarde, em 1983, o Flamengo decidia novamente o título, agora contra o Santos. A final foi dia 29 de maio e novamente vitória do Mengão de Zico e Cia. Nesse domingo, quiçá, fosse mais um dia de futebol, macarronada com frango, casa cheia e com as torcidas para os dois lados. Naquele dia, a movimentação à tarde em nossa casa, tinha outro motivo e sabor; tínhamos a missão de ensaiar a música para a final do festival, e compensar o fracasso da nossa torcida na primeira noite do V FECAP — Festival da Canção Peregrina. Mesmo intuindo, que os jurados ficaram comovidos com nossa música na sexta-feira, nossa torcida foi um fiasco; muito dispersa, um tanto atrapalhada e desorganizada para os moldes daquele festival, que premiava também a melhor torcida. A família, os amigos, todos se somavam na sala, no corredor a picar papéis e enchendo sacos de plástico – tudo para a noite da grande final. Havia uma sensação no ar que os deuses da música olhavam para aquela casa naquela tarde. Eu sentia isso.

Quando a noite chegou, seguimos para o ginásio, uns de carro, mas a maioria num ônibus fretado. Um tremor acometeu em meu peito — quase incontido. Atônito, aceitava todos os drinques que me ofereciam. Era preciso relaxar, para não errar nenhuma nota da flauta doce que introduzia a música. No sorteio, para ordem das apresentações, nossa música era a última das dez classificadas. Isso era bom sinal, já com o público aquecido e esfuziante. Em compensação, a espera era pungente.

Após assistir impaciente as nove concorrentes, chegava, por fim, nossa vez. De camisetas vermelhas com estampas brancas, subimos ao palco em dez para defendê-la. O Plantador da Paz (de Claudinho e Gajão) tinha uma letra com tema social: ”Fazer valer a força da paz, que eu pensei nunca ser capaz de alcançar/e refleti como se fosse um farol/ no seio do povo/como um brilho do sol”. Era uma música de festival, daquelas, cujo refrão, evocava o público a cantar junto. Contagiou o ginásio todo. Quando descemos do palco, tivemos a certeza que demos o melhor de nós; agora, isso se concretizaria em vitória? Era uma fantasia, não dependia de nossos esforços mais.

Com os jurados reunidos, ficamos apreensivos, imaginando que poderíamos ficar pelo menos entre as três primeiras, era justo. Quando, finalmente, as músicas começaram a ser anunciadas uma a uma, eu murmurava baixinho ao lado do palco: “agora somos nós”, e não era. Minha sofreguidão se desmilinguiu, quando o apresentador nos anunciou como vencedores daquela noite; aquele festival, onde entramos como meros coadjuvantes, sem intenção nenhuma em vencer. Foi a glória.

Saímos de lá consagrados e mais amigos do que nunca. Após os abraços da vitória, lembrei-me, naquele instante, de meu ídolo do futebol e repeti novamente o gesto de Reinaldo. Levantei o punho fechado para gritar aquele que seria o melhor gol da minha linda juventude. Foi um salto para o céu, daquela juventude que cantava e plantava a paz com suas músicas recheadas de amor e intimismo. Nossa linda juventude viveu naquela noite o seu êxtase. Para mim, o dia mais feliz daqueles vinte anos. Se comparada, uma sensação como as vividas, na década de 60, por Edu Lobo, Chico, Vandré e outros no palco do Teatro Paramount. Nossa canção não vinha de encontro aos padrões daquele festival, mas era, sim, a melhor.

Formamos ali uma família, na música, na amizade e demos o nome de Clube da Esquina nº3. Passados 28 anos, ainda tenho aquele domingo guardado na minha memória, e uma frase que o meu irmão escreveu, parece ainda grafitada no muro da esquina da rua, onde nos encontrávamos para tocar violão: “Enquanto existir neste mundo qualquer tipo de violência, sempre haverá em qualquer esquina do mundo, uma juventude cantando todo tipo de paz”. Nunca me esquecerei da nossa linda juventude, agora marcada e grafitada para sempre no muro branco da minha alma. Daquela noite, ficou o registro de uma fotografia, que alguém cuidou em guardar, o resto são memórias de uma noite em 83.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / junho de 2011.

sábado, 11 de junho de 2011

Chocolate quente

Abri meu baú de memórias e revivi - tirando o pó - um dia dos meus 20 anos. Uma noite de alegria, que passei ao lado de meus amigos da época. Gosto de abrir baús, mas lamento pelas cartas de amor que rasguei ou devolvi à emissária, nos meus momentos de fúria. Lembro-me de uma que recebi nessa época dos 20 anos, veio de Minas. Depois do fim, levei-a até o quintal e pus fogo. Hoje, lamento não ter guardado, faz parte da minha história; agora não sei mais com que palavras eu fui tratado; se era tinta azul ou preta; qual a data; que cheiro tinha (cartas de amor tem cheiro); nem se havia um beijo com batom no final; e se terminava com P.S I love you.

Mas meu baú de memórias, anda cheio de coisas, boas e ruins. Enquanto tomo meu chocolate quente (ouvindo Samba em Prelúdio), olho a neblina dessa manhã de sábado e vem muito das lembranças da vida, do trem da minha história. A propósito, um trem será tema de uma próxima crônica, que já pincelei. Acho que não se deve olhar para o passado com tristeza, mas como lições. Sou contrário ao emprego daquela frase "era feliz e não sabia". Na verdade, sabia sim! Todos os momentos da vida que vivemos felizes, nós sabemos, não temos é coragem de assumir a felicidade presente. Medo de dizer e acabar.

O próximo texto aqui do Blog, falarei de "Uma noite em 83". De fato, eu já havia feito essa minuta de crônica , com algumas palavras lançadas no papel em branco - nada conclusivo. Agora, retomei a conversa e pus as mãos na poeira do meu baú. Saiu uma cronicazinha boa. O título é alusivo ao filme "Uma noite em 67" - a noite que mudou a nossa música popular. Quem quiser ver o filme documentário, assista. Só faço uma ressalva, pois o DVD, deixou Elis Regina, Nara Leão e Sidney Miller nos extras. Uma pena.

Bem, meu chocolate está esfriando e a neblina se dissipando. Hoje será um dia feliz e com sol para uma caminhada no parque, e com coragem para dizer: EU SOU FELIZ HOJE!

Posta por Antônio / junho / 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ainda Marilyn – Uma crônica antiga

Durante uma noite, quando navegava pela rede, descobri – sem querer - um texto escrito três dias depois da morte de Marilyn Monroe (a pronuncia certa é “monrôu”). Essa crônica, intitulada apenas “MARILYN”, foi publicada no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 08 de Agosto de 1962 (ela morreu dia 5). Seu autor é o cronista José Carlos Oliveira. Desconheço seus textos, mas este vem bem de encontro ao que escrevi sobre ela. O mito, a mulher, a sensual Marilyn Monroe.
MARILYN

Antes de mais nada era um corpo, não há dúvida. Um corpo tremendamente perturbador. Um corpo de formas opulentas, sempre na fronteira da obesidade: corpo de mulher-fêmea, acrescido de um defeito particularmente feliz nos joelhos: quando ela andava, só pensava em sexo, sexo, sexo. A pele clara e roliça descia vertiginosamente pelos decotes, deixando entrever a totalidade do corpo envolto em roupas colantes, e então ninguém mais pensava em outra coisa que não fosse sexo. Mas era, além disso, um sorriso maravilhoso, ao mais belo sorriso que jamais houve. Quando Marilyn sorria, a perturbação do espectador aumentava. Ela sorria com a língua entre os dentes – dengosa, maliciosa, pura dádiva. Era a feminilidade em pessoa. A alegria em pessoa.

Ela não teve infância. Nem pai, nem mãe, nem família. Cresceu como enjeitada em sucessivos lares. Não há motivo para atribuir à publicidade a informação obtida no momento supremo da glória: - violaram-na aos sei anos de idade. Há um detalhe praticamente infalível na biografia dessas deusas da beleza, sejam atrizes ou call-girls, de acordo com o inquérito e com os depoimentos de psiquiatras: - nos Estados Unidos, a violação de meninas bonitas ocorre com a assustadora frequência. Humbert Humbert, atormentado pelo encanto da nymphets, não é apenas um momento privilegiado do romance moderno, mas a revelação de um desejo que está presente na aventura íntima do cidadão norte-americano, desejo ara o qual Lolyta provavelmente representa um veículo liberatório eficaz.

Marilyn encontrou na história do cinema pela porta do menor esforço, isto é, tão logo descobriram que tinha corpo. E tão logo decidiu revelar-se na totalidade sua pessoa, isto é, corpo e espírito, sensualidade e tormento, ânsia de felicidade e desconforto no pináculo da fama – humana, frágil, sedenta de afeto, incompreendida e solitária – então, foi deixada em paz. Naquela paz desconfortável, naquela pobreza profunda da vida rodeada de riqueza e mentira. Mas eu pensei muitas vezes que o ser humano é indestrutível, porque toda a vergonha daquela infância e, mais tarde, o selvagem mecanismo que cria e devora os ídolos modernos, nada disso conseguira destruir o maravilhoso e inesquecível sorriso de Marilyn. Agora vejo que estava enganado.

Por José Carlos Oliveira
Jornal do Brasil – 08 de agosto de 1962

Sobre o autor:
José Carlos Oliveira (Vitória, 18 de agosto de 1934 - Vitória, 13 de abril de 1986) foi um escritor brasileiro. Celebrizando-se por suas colaborações diárias no Jornal do Brasil para onde escreveu por mais de duas décadas, tornou-se um dos grandes cronistas brasileiros do século XX, mas praticou também o romance e o memorialismo.

Posta por Antônio - junho 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O pecado mora ao lado


Sente a brisa do metrô. Não é uma delícia?
Quando pensei em escrever essas linhas, era pretenso que o texto fosse jocoso, cômico; pinçadas textuais como referência às comédias dos anos de 1950, protagonizadas e estreladas por Marilyn Monroe. Aos poucos, enquanto mergulhava em sua vida, aparecia mais e mais a sua verdadeira silhueta: medos, perturbações, insegurança, frustrações, vozes, dualidade e as buscas (sem remédio) para uma mente doentia. Percebi a seriedade que deveria tratar a pessoa, e, consequentemente, o mito que desejava descrever.

Já faz alguns meses ganhei de uma amiga o livro “1001 filmes para ver antes de morrer”. Para cinéfilos, um belo presente, um livro de consulta e profícuo. Se conseguir ver a metade dos filmes ali recomendados, já estarei satisfeito. O livro seria perfeito — minha amiga vai brigar comigo —, se não faltasse um filme. Cadê, senhor editor, “O pecado mora ao lado”? Você esqueceu! Você não gosta de Marilyn? Já sei! Como todas as outras mulheres feias e desprovidas de “sex appeal”, sua mulher o proibiu da recomendação do filme. Despeito, Marilyn ainda vive e continua causando com ou sem  a inveja de sua mulher. Mas, pode dizer que não há mais nada além de Marilyn naquela comediazinha sem tempero; aceito, afinal o que mais precisaria aparecer naquele filme do que a figura de um mito. E maravilhosamente linda.

Verdade mesmo, ele não se esqueceu dela, esqueceu só do filme. No livro, cita o filme “Quanto Mais Quente Melhor” — 1959, também estrelado por Marilyn, mas a cena ali foi roubada pela interpretação de Tony Curtis e Jack Lemmon fazendo papéis femininos. Mas, em “O pecado mora ao lado” (The seven year Itch) é todo de Marilyn. O título do filme é justificado pelo que ela representa: a encarnação do próprio pecado. Frequentemente flertamos com o pecado em nossa vida, mas abolimos a sua pregação e juramos não mais cometer (eu juro!). “O pecado é que dá tesão e não a liberdade sexual” — disse Luiz Felipe Pondé. Marilyn é sua própria encarnação na Terra. Olhar, desejar, pensar em Marilyn é pecar mortalmente.

Revendo o filme — sempre com os olhos mais atiçados —, como se esquecer daquela cena imortal do vestido que se levanta ao vento da grelha do metrô? (Sente a brisa do metrô. Não é uma delícia?) Qual meninão (ou homem feito) não tenha tocado o chão com suas babas naquelas pernas torneadas e a inocência da personagem tentando segurar a barra do vestido plissado? Ela nem precisou tirar a roupa, aquela cena bastou todas as outras provocantes já feitas no cinema. Seu marido na época, Joe DiMaggio, quase teve um ataque quando acompanhou-a no set de filmagem; com a cena sendo repetida mais de 15 vezes — mesmo sabendo que ela usava duas calcinhas, bem comportadas. O casamento se ruiu após esse dia, ela pediu o divórcio por não aceitar mais viver com um marido ciumento que a batia covardemente.

A cada repetição — e não me canso — de “O pecado mora ao lado”, um centímetro a mais de seu vestido se levanta naquela cena; Marilyn Monroe está cada vez melhor... Os argentinos dizem o mesmo de Gardel: “está cantando como nunca”; Marilyn está cintilante, também, como nunca. É a figura do mito, vivo, presente, imortalizado em nossas memórias. No poema “Ulisses”, o poeta português Fernando Pessoa descreve: “O mito é o nada que é tudo / O mesmo sol que abre os céus / É um mito brilhante e mudo / O corpo de Deus, / vivo e desnudo”.

Os mitos atravessam os tempos, não morrem jamais. Eternizam como águas nas fontes, jorrando sem parar. Ela é daquelas mulheres que vieram ao mundo não para ser uma dona de casa, criar filhos, amar um só homem e viver anônima. Aterrissou aqui para ser estrela, deusa, bela, blonde, sensual, provocante, fonte infinita e inquieta de beleza... Suas curvas e silhuetas são injustas às demais obras humanas já desenhadas, provocando um sentimento ambíguo: se ama Marilyn, se odeia Marilyn — na mesma frase. Uma mulher arguta, que faz qualquer ser humano sair de sua compostura, até os sem pecados... E vão dizer que não precisa de talento para isso? A natureza a esculpiu como suas melhores obras de arte, na forma mais perfeita e generosa. Assim, como nas palavras que trago de Rubem Alves: “a alma não se cansa da beleza. A beleza é aquilo que faz o corpo tremer”. Em outro trecho completa: “tive vontade de chorar por causa da beleza. A beleza tomou conta do meu corpo, que ficou arrepiado: a beleza se fez carne

Marilyn é tudo que se pode se dizer de beleza na inquietude do ser. Um altar contemplativo. Desculpem-me as magras (modelo de beleza atual), mas ser Marilyn Monroe é essencial. Não há nela, a silhueta retocada com foto shop, com lipoaspiração e plásticas antes dos clicks e filmes — truques muitos utilizados hoje em dia. É possível notar, em algumas cenas, que ela tem até uma barriguinha, bem sutil. É beleza mesmo, pura, sem as máscaras tecnológicas de hoje, que escondem até o umbigo.

Marilyn nasceu Norma Jeane. Ainda bebê, nos primeiros dias de vida, sua mãe Gladys Baker — sem condições psicológicas de criá-la — entregou-a a um casal de desconhecidos. Mãe e avó sofriam dos mesmos problemas. Contam que, sua avó fazia da gaveta da cômoda o seu berço. Infância sofrida por muitas perdas e lares arruinados. Depois da morte da avó, a vida da pequena Norma Jeane foi de casa em casa, até parar num orfanato. Durante um curto tempo, foi obrigada a viver com sua mãe; uma mulher esquizofrênica, psicótica e desequilibrada; tão doida — talvez mais — quanto o pai que nunca a conheceu. Certa vez na infância, num momento raro de lucidez, sua mãe lhe disse: morra na hora certa! (no auge). Ela obedeceu. Após ter vivido o seu último romance, com John Kennedy, o presidente dos EUA, Marilyn morreu em agosto de 1962, aos 36 anos de idade, de causa mortis ainda suspeita. Ele também morreu um ano depois em Dallas-Texas, por tiros disparados por Lee Oswald. Algum roteirista sádico poderia ter escrito que ele teve inveja do presidente garanhão. Eu também teria.

No verdadeiro roteiro da vida, que a levou do estrelato à morte, ela não soube lidar como os traumas da infância, com o sucesso galopante, a fama, o sexo, os calmantes para dormir e não dormir, o desejo dos homens por ela, seus casamentos e com a personagem que criaram para Norma Jeane; se vendo escravizada por ela até sua última gota de sangue. “Os homens não me veem, eles me olham” — disse ao seu psicanalista. Faltou-lhe o quê? O berço necessário da infância, a estrutura familiar, o preparo para uma carreira de sucesso, o amor das pessoas ao redor? Tudo, talvez, numa vida curta, onde a única coisa que lhe sobrou, foi beleza em torrente. Ela até tentou ser normal, mas sem sucesso, ela era Marilyn Monroe

Depois do fim do casamento com Arthur Miller, desabafou: “tentei melhorar um pouco, e quando consigo, descubro que estou imitando eu mesma”. Pobre menina, ela só queria ter uma vida normal, casar, ser mãe, ter família... Tudo que não teve. Por muitas vezes, dizia invejar as pessoas de vida comum — se queixava à sua meia-irmã Berniece. Mas, foi tragada pela fama, levada pelo glamour; subjugada pela personagem que mais soube representar em sua vida: Marilyn Monroe. Nunca mais voltou a ser Norma Jeane. Longe das teorias conspiratórias, foi roubo de vida mesmo; digo, Marilyn Monroe, sequestrou, aniquilou, manteve em cativeiro e viciou Norma Jeane até sua morte. Ela tentou matar Marilyn da sua vida; quem morreu foi Norma Jeane, a vida real. Não há outro fato histórico que prove o contrário.

Nesse ensaio com Marilyn, descobri, com seu hipnotizo que imanta meus olhares, o mais doce pecado. O que podemos fazer mais com uma taça de champanhe e um saco de batata chips? Pecar com Marilyn, é claro. (Não se preocupe. Está tudo bem. Um homem casado, ar-condicionado, champanhe e batata chips. É uma festa maravilhosa...). Descobri depois, na pele que cobria Norma Jeane, havia Marylin Monroe; e na sua tez todo pecado, que convida a maltratar e açoitar quem se deixa levar por sua beleza inquieta. Descobri, por fim — já numa forma de rendição —, que o pecado não mora mais ao lado; o pecado, agora mora dentro de mim.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.