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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Criar e Educar


Muitas vezes sou chamado a explicar da minha não paternidade. Sim, as pessoas vivem a cobrar você disso e daquilo (já toquei no tema em outra crônica). Mulheres são cobradas e os homens também. Enfim, convivemos com isso. Neste assunto, não me importo em entrar (sem explicações Divinas...) e deixo que tudo se expire e se esvazie. Sinto-me como um ator que foi chamado para atuar num filme; estava no elenco, sabia o roteiro, decorei o script, mas na estreia, o projeto do filme foi cancelado. Continuo sabendo tudo do filme, mas não fui o ator que todos esperavam ver nas telas. Ser pai é, sem dúvida, uma das tarefas (papéis) mais difíceis; saber o script é obrigação, há que se ter preparação e dedicação. Principalmente no mundo em que vivemos, com suas fórmulas instantâneas para tudo e efêmero nas suas particularidades. É muito difícil educar, eu sei.

Içama Itiba é mestre em falar de assuntos de educação. Suas palestras começaram a brotar aqui e ali, e seus livros foram devorados por muitos pais, depois do caso Isabella Nardoni. Já foi o tempo, educar filhos era instintivo, como vestir um calçado ou andar para frente; passava de geração para geração, avós para pais, pais para filhos e filhos para filhos. Sem literatura ou fórmulas. Todo mundo respeitava todo mundo; e o mundo, creio, era bem melhor. Quando Oprah Winfrey perguntou à primeira dama dos EUA, Michelle Obama, como era a educação das filhas Sasha e Malia, ela foi imediata: “Não há nada de especial. Crio como meus pais me criaram: hora para desligar a tv, fazer as tarefas de casa e quando acordam, elas arrumam suas camas...”. Vindo de uma família que, pela posição de poder, teria todas as regalias do mundo para criar filhos, eis um belo exemplo. Michelle foi simplista ao lembrar-se da educação que obteve dos pais e quis resgatar. Quando ela palestrou aqui no Brasil, eu fiquei admirado com sua inteligência e carisma, agora mais ainda.

Não existe ditado mais antigo: a família é a célula (do lat. Cellula – estrutura básica que forma todos os indivíduos) da sociedade. As novas famílias estão perdendo a didática e a raiz; assim, mandam os filhos para escola, não para serem alfabetizados, mas pensando serem educados pelos professores. Delegam os primeiros passos de um indivíduo, na sua formação — onde tudo pode ser mudado ainda —, aos mestres. Esses, porém, não se veem obrigados a educar filhos dos outros. E aí veremos, tanto no ensino público como no particular, professores sendo ameaçados em sala de aula. Na minha formação, ninguém mandava filhos para escola, com o intuito que a pobre professorinha educasse o comportamento do fedelho. Tudo iniciava em casa.

Um jornalista me chamou atenção, para outra regra, que anda em moda nos dias de hoje: “seja o melhor amigo do seu filho”. Errado! Amigos passam a mão na cabeça, compartilham coisas erradas, muitas vezes estimulam o mal e são corporativos com suas vontades e vícios. Pais devem educar, se impor, dar e exigir o respeito; situar o indivíduo (filho) no mundo, para que ele não atravesse o sinal vermelho e invada além dos seus limites. Amizades, boas ou más, ele irá fazer na sua vida. E por elas fará suas escolhas. Nenhum pai deve ser o melhor amigo do filho; ele deve ser, sim, o melhor pai para o seu filho.

De um palestrante, ouvi a maior desculpa dos pais quando descobrem que seus filhos estão caminhando à margem da sociedade: “eu não tenho tempo...” Caso detalhado de um casal de médicos, que trabalhava 12 horas por dia, e não sabia que seu filho de 16 anos, tinha um pé de maconha plantado num vaso dentro do armário do quarto. Quando o garoto procurou ajuda externa e os pais foram chamados, a resposta foi essa: “não temos tempo...” Creio, ao passar dos 40 anos, já posso considerar que escapei dessa cilada da vida, as drogas. Sem vícios, me considero um privilegiado de um mundo que se construiu a minha volta, onde fui chamado a praticar o mal, mas lembrava de meus pais dentro de casa e tudo fez com que mudasse o leme do meu barco para águas calmas e limpas. Eles tiveram tempo e eu os mirei.

Para a colunista Bárbara Gancia, a palavra em português de mais aproximação para a tradução de bullying é “intimidação”. Não sei por que até hoje não há tradução; quem sabe, haveria mais compreensão na sociedade brasileira para este mal. Na verdade, a coisa começa dentro de casa também, na educação. Aceitar o outro como é, torna-se princípio básico para esta questão, que tanto nos atormenta e já motivou muitos crimes bárbaros, inclusive no Brasil. O filme “Um sonho possível” — 2010, retrata uma família que vive sem preconceitos, sem fronteiras racistas, com tolerância e amor ao próximo. Onde um jovem negro sem teto é adotado por essa família branca. A conquista pelo jovem Michael começa dentro da high school, com os filhos bem educados da família que o adotou depois. As crianças, em nenhum momento, viram o pobre Michael como os demais, com preconceito. Desde o princípio o trataram como um ser humano, sem distinção. Imperdível.

Ainda sobre o bullying, a coisa não é atual, como se supõe. Conheço uma mulher que, aos 13 anos em 1981, sofreu discriminação e intimidação num colégio na minha cidade, inclusive por suas próprias educadoras. Sistematicamente, era corrigida a falar “escola” e não “iscola”; a falar “Ê” ou invés de “É”, como assim se pronunciava, de onde veio no Rio de Janeiro. Para piorar, um aluno que sentava atrás da sua cadeira, cortou o seu cabelo com uma tesoura, aos olhos da educadora. Imediatamente seu pai a retirou daquele lugar, que chamavam de escola. O episódio desencadeou uns meses de depressão na menina. Foi bullying por preconceito.

Entre criar filhos e educar filhos há um abismo a ser vencido. Muitos pais abastecem seus filhos das necessidades básicas: alimentação, vestuário, play station, computador e por aí ficam. E mal sabem que, a educação realmente está na ponta, na raiz, na célula. Quem está de fora percebe isso melhor. Os dias de hoje são cruéis nas formações familiares. Perdeu-se o controle, perderam-se os princípios morais e religiosos. Meus pais eram poucos instruídos, mas o baú com heranças morais e religiosas estão guardados em mim. Eu pedia a bênção aos meus pais e avós a cada encontro, a cada dia. Dou graças a eles por ter errado menos na vida.

Como já disse não sou um especialista em educação de filhos, mesmo porque o universo me privou dessa dádiva — não lamento por isso. Mas vejo muitos pais, sem o cuidado necessário para preparar o indivíduo para um mundo desconhecido, o futuro. Isso está em todos os ambientes sociais, na plebe e na aristocracia. Em tudo vale a regra desses princípios: não roubar, respeitar e amar o próximo, não invejar, não trair, não corromper, não matar... Criar não é o mesmo que educar. Educação requer dedicação e não é um prato de comida sobre a mesa.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Sorrisos de orelha a orelha

Por João Pereira Coutinho

QUE SE passa contigo, Brasil? Leio e pasmo: o país da alegria está afundado em tristeza. O periódico médico "Lancet" investigou. Sentença: as doenças mentais são as principais responsáveis pelos anos de vida perdidos no país devido a maleitas crônicas.

Depressão. Psicoses. Dependência de álcool. Em São Paulo, um em cada dez adultos está na fossa. Será que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que a maior forma de solidão é a companhia de um paulista?

Os especialistas avançam com explicações científicas para apaziguar o abismo. Existem causas bioquímicas, que antigamente eram difíceis de diagnosticar ou tratar. Existe uma longevidade humana que aprofunda os problemas mentais.

Certo, tudo certo. Mas posso sugerir ao leitor deprimido um dos mais importantes livros sobre a nossa desgraçada condição?

Pascal Bruckner escreveu-o, e o título diz tudo: "A Euforia Perpétua - Ensaio sobre o Dever de Felicidade" (ed. Bertrand).

Não, não é um livro sobre o Brasil e a imagem solar e carnavalesca para consumo turístico. É um livro sobre a natureza da felicidade no Ocidente pós-moderno, o que implica uma comparação com o Ocidente pré-moderno.

Regressemos à Idade Média. E perguntemos aos nossos antepassados o que significava a felicidade para eles. A resposta oscilaria entre o riso e a estupefação. Felicidade? Para homens que transportam o pecado sobre o lombo e se arrastam por um vale de lágrimas?

A vida é passagem. Se felicidade existe, ela existe do outro lado: esse momento redentor em que, pesadas as virtudes e os vícios, somos contemplados com o paraíso perdido.

Explica Bruckner que o iluminismo alterou profundamente essa concepção ao remeter o divino para o seu diminuto, ou nulo, papel. A construção da felicidade passou a ser terrena, dependendo de mãos terrenas e não dos caprichos de uma divindade julgadora.

O problema é que essa "secularização" da felicidade não terminou com as nossas infelicidades. Aumentou-as significativamente ao transformar a felicidade em direito e, de forma crescente, em dever.

Hoje, não queremos apenas ser felizes. Sentimos a obrigação esmagadora de o ser: de acumular os objetos, as experiências e as aparências de uma utopia pessoal tão devastadora como as utopias coletivas do passado.

Nós e apenas nós somos os autores do nosso próprio roteiro. Falhar é falhar sem desculpa: "O paraíso terreno é onde eu estou", dizia Voltaire. O inferno também, digo eu. Mas como lidar com as chamas da infelicidade quando me prometeram tudo e um pouco mais?

Não é por acaso, explica Pascal Bruckner, que somos a primeira civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como aberrações que não estavam no programa.

E essas aberrações são tratadas como aberrações: proscritas por uma sociedade de euforia perpétua.

Infelizmente, uma sociedade de euforia perpétua só pode gerar perpétuos hipocondríacos, avisa Bruckner: gente obcecada com o estado do corpo e da alma, e que vai ao tapete ao mínimo sinal de alarme. Quem vive para um único fim perfeito não pode tolerar uma multidão de momentos imperfeitos.

Ilusões. Agônicas ilusões. Porque nem todo o poder dos homens foi capaz de extirpar as misérias humanas; perversamente, o que a modernidade fez foi abolir a sua expressão pública, uma forma de as remeter para canais esconsos, silenciosos, invisíveis. Como um vulcão em atividade dormente que explode no dia em que o sorriso petrifica.

O ensaio de Pascal Bruckner, ao analisar os descontentamentos das sociedades afluentes, de que o Brasil é agora um representante excelso, não é uma apologia da tristeza; muito menos de um regresso à medievalidade cristã, como se isso fosse razoável ou desejável. "O fato de nem tudo ser possível", escreve o autor, "não significa que nada é permitido".

Na verdade, muito é permitido. Mas a única forma de domar a "euforia perpétua" passa por entender que a felicidade não é um direito nem um dever; a felicidade é, quando muito, a decorrência contingente de uma ambição mais modesta e que, à falta de melhor palavra, se designa simplesmente por viver.

(Jornal Folha de São Paulo - 17/05/2011)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O homem que amava velórios

Com o avanço tecnológico, novas profissões estão surgindo no mercado de trabalho; outras vão desaparecendo, se tornando obsoletas; e outras são esquisitas mesmo. Nunca mais veremos telegrafista, datilógrafo, engraxate, bedel, sacristão, leiteiro, barbeiro (de navalha), vendedor de enciclopédia, pianista de filme mudo e fotógrafo lambe-lambe. Por outro lado, o que anda em moda é o personal: trainer, computer, designer, fashion, style e tem até a bizarrice do “marido de aluguel”. Coisas da vida moderna. O que falar de treinador de baleias? Como seria um anúncio da Sea World para contratar tal profissional? Há no mercado?

Na minha cidade, há um homem franzino e pequeno que tem uma profissão excêntrica. Faz anos, desde que o único cinema da cidade era no centro, as opções de lazer eram escassas e não havia mais nada a se fazer, todo mundo baixava lá. A coisa piorava quando eram os grandes filmes da época, os campeões de bilheteria: ET- O extraterrestre, Exterminador do futuro, Grease – Nos tempos da brilhantina... Havia filas intermináveis, dobrando quarteirões. Bem, aí entrava o homem franzino. Ele era quem organizava as filas. Sim, sua profissão era essa: organizador de filas em locais de eventos. Como eu adoro criar siglas, diria que ele era um profissional OFLE. Quando não estava na porta do cinema, estava nos eventos esportivos e até em portas de igrejas, sempre como seu uniforme marrom e um apito pendurado no peito. Uma vez, estava num desses eventos e ouvi alguém gritar: ô linguiça, sai daí! Pensei, depois, será por uma frustração, por nunca ter sido um policial ou um segurança? Bem recente, vi que ele ainda não se aposentou; passava perto de uma igreja e ele estava lá – já de cabelos grisalhos – organizando a saída do estacionamento. Creio nunca ter sido remunerado por isso, faz tudo por prazer mesmo e em troca de algumas gorjetas para sobreviver.

Numa dessas conversas fiadas de fim de tarde, um amigo me contou que em sua cidade, em Minas Gerais, havia um homem que tinha também uma profissão, no mínimo, esquisita. Ele anunciava o obituário e organizava toda logística dos velórios da cidade. Quando Zé Teodoro (Zé velório) ligava para alguém, a pessoa do outro lado tremia e arrepiava até o último fio de cabelo: lá vem notícia ruim... Não havia velório sem ele. Deveria ser um prazer dar a notícia em primeira mão. Imagino também que, tivesse por zelo,  o cadastro de todos os velhinhos da cidade, como assim dizer: para adiantar seu trabalho...

Zé velório era um obituário ambulante — o senhor morte. Divertia-se com a dor das pessoas, ou lhe sobrava compaixão num momento de tristeza? Sabe lá. Não importa, ele figurava presente em todos. Afinal, quem iria se preocupar com que roupa o finado seria enterrado? Quem iria preparar a logística (café, bolinho de chuva, pão de queijo e assentos) para os velantes? E os arranjos de flores? Quem haveria de colar o cartaz anunciando a hora do enterro? E o padre, quem iria chamar para fazer a reza? E o choro — quando necessário —, quem iria puxar o choro? Seu trabalho era árduo, mas proficiente.

Revirando seu lado psíquico, talvez ele tivesse outra compreensão que os demais não tinham pela morte. Em conformação, ele já a esperasse num canto qualquer da vida e por isso a tratava com intimidade e blasé, mas com os olhos zelosos para os que ficavam. Era a coisa mais certa que poderia acreditar; pois sim, enterrem os mortos; é o que nos resta, pois a vida é uma viagem sem volta — pensava.

Hoje nos grandes centros, os serviços funerários, já cuidam de grande parte de tudo isso. Até velório acompanhado pela internet é possível; o que se justifica, quando os parentes estão distantes e o finado precisa ser enterrado logo. Na dor pela perda de um ente, é difícil encontrar quem temha cabeça, no momento, para pensar nessas preocupações todas. Numa cidade pequena, onde o serviço funerário, só existe para vender urnas, não é de se surpreender que existam pessoas com o perfil profissional de Zé velório. Ele inventou o personal death.

Depois dessa conversa, não tive mais notícias de Zé velório, se já faleceu ou se continua ainda gozando de boa saúde e “trabalhando”. Se já partiu, fica a dúvida: quem organizou seu próprio funeral? Será que foi anunciado no serviço de som da praça central? Será que teve café com pão de queijo e bolinho de chuva? Será que deixou em testamento como desejaria que fosse? Vai saber. Ele deve ter deixado seu legado, presumo. Filhos costumam seguir as profissões dos pais. Algumas cidades, Brasil adentro, ainda conservam certas tradições regionais; o progresso ainda não chegou por lá.

Mas, não quero nunca imaginar, se um dia meu telefone tocar e do outro lado da linha ouvir uma voz lúgubre: Alô, aqui é o Zé Teodoro! Eu caio duro no chão.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Era um garoto que como eu, amava os Beatles, mas não os Rolling Stones

Já virou vício, ouço alguma música dos Beatles e tento decifrar quem está cantando, se é Paul ou John; ainda há algumas confusões em suas vozes. Quando é George e Ringo, já é mais fácil; eles pouco contribuíram com suas vozes nas gravações. É um exercício, ou eu já passei da fase de dançar na minha cabeça com elas; já estou no estágio máximo de suas canções, tirando o sumo? Eu cansei de ouvir Beatles? Em hipótese alguma, eles continuam cantando na minha vida, no meu carro, no meu quarto, nos meus sonhos; e às vezes na minha cabeça. Sempre tem uma que não sai do dial da minha mente.

Na minha adolescência, eu não era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, como dizia aquela canção italiana. Quem ama Beatles não tem o mesmo sentimento pela música dos “Stones”; é o que penso e falo por mim. São sons diferentes de se ouvir. Eu sou beatlemaníaco. Jamais imaginaria, por exemplo, ver Paul vestido de beatle (naquele terno justinho) correndo no palco com seu contrabaixo Hofner e mostrando a língua para o publico. Era outra proposta. No mundo “Stones”, isso é o que faz seu público delirar. O fato que a história registrou - e ninguém poderá negar – foi a música que nasceu num canto do estúdio de gravação em 1963; Lennon e McCartney compuseram “I wanna be your man” e deram para Mick Jagger e sua banda gravarem seu primeiro sucesso. Foi a partir dessa contribuição dos Beatles que os Stones surgiram. De resto, já tentei ouvir, mas foi em vão, paro na primeira música, as outras parecem uma repetição, como bem lembrou uma vez um amigo.

Outro dia fui chamado atenção – sem nenhum peso de crítica, não me leve a mal – de ouvir “música de velho”. Como se me propusessem: largue mão disso e junte-se a nós, os contemporâneos e “jovens”, que ouvimos Lady Gaga, Amy Winehouse, João Bosco e Vinícius e Ivete Sangalo! Não me rendi, não desci o nível, mas justifiquei. Depois de um tempo, com o ouvido depurado por ouvir o som da guitarra do Pink Floyd, o teclado do Supertramp, o baixo de Paul, o violão folk de Simon, a harmônica de Bob Dylan e a batida “bossa nova” de João Gilberto, fica difícil me render ao modismo musical. Esses, que tentam me empurrar, sequer serão lembrados daqui a 10 anos. É tudo modismo mesmo e muitas vezes ruim!

Na minha infância, não fugi desse rótulo – de ouvir coisas do momento -, afinal, ouvíamos o que as rádios tocavam. Na minha época, era Sidney Magal, Odair José, Fernando Mendes e Perla. Não havia como não se contagiar com aquilo, vinha em enxurradas aos nossos ouvidos. E saia cantarolando por aí, até sem querer.

Descobri, porém, que poderia escolher minhas músicas (santa vitrola!), e na minha casa havia um bom acervo musical para isso. O disco Abbey Road dos Beatles (1970) quase furou. Ouvi muito Chico Buarque e já nos meus 18 anos fui apresentado à MPB mineira, ao som do violão folk de Paul Simon, Supertramp, Pink Floyd e James Taylor. Meus amigos da época, eram como eu, gostavam das mesmas músicas. Eu os ensinei a gostar de Chico; eles a gostar desses outros. Eram noites sem fim na esquina tocando violão e tomando vinho.

Naquela época, lembro-me de nos reunirmos em casa para ver um show que a tv exibiria numa noite de 1983. Era o memorável show do Central Park, com a volta da dupla Simon and Garfunkel (eles haviam parado?). Fiquei apaixonado pela música de Simon e a voz afinadíssima de seu parceiro. Eram 500mil vozes cantando junto com eles no Central Park. Nas rodas de violão era obrigatório tocar suas canções. Preferência? Acho que fiquei com “The bridge over troubled water”; era romântica e uma letra linda, falando de otimismo, amizade e amor. Foi também nesse tempo que meu amigo foi convidado a tocar violão num casamento. A música escolhida pelos noivos foi “Love of my life” do Queen, com direito a todos solos que Brian May fazia no seu violão ovation. Fiquei emocionado também naquele dia.

Das montanhas de Minas Gerais vinha um som maravilhoso também. Comecei ouvindo Milton e o disco Clube da Esquina, aquele que fez junto com o “menino” Lô Borges. “Por que se chamava moço também se chamava estrada / viagem de ventania /... e lá se vai mais um dia”. Nunca mais me esqueci de como se tocava esta música ao violão. Coinscidência ou não, os mineiros sempre foram apaixonados pelos Beatles.

Neste breve roteiro musical, tudo que ouvi e continuo ouvindo são canções contextualizadas na minha trilha sonora, com passagens memoráveis; de canções que ainda perpetuam em meus ouvidos, e como se fosse a primeira vez. Aos amigos próximos digo sempre, se Paul pudesse tocar piano na cerimônia do meu casamento, pediria que tocasse “The long and winding road”, é a mais apaixonante composição que dividiu com John.

Voltando àqueles que me julgam ultrapassado, não se preocupem com o que ouço. Quando ouço minhas músicas, não convido ninguém para ouvir comigo – é íntimo. Mas, não queira me tirar nunca da cabeça o solo inicial de “Day Dripper”; com a guitarra de George tocando só nos bordões, ao fundo a percussão do pandeiro de Ringo. Não sai mais de mim. Todo mundo na minha adolescência queria fazer igual, em qualquer violão na esquina, era Beatles. Como vou esquecer? Como vou mudar? Como gostar de Stones e do modismo? É a minha música, é música de velho sim, e com muito orgulho!

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Avenida pôr-do-sol



Na década de oitenta, e até meados dos anos noventa - assim como hoje -, aos domingos não havia muita opção de lazer na cidade. Ou quase nada. No domingo, era um cinema aqui, uma sorveteria ali e os clubes com seus parques aquáticos lotados no verão. De resto, mais nada.

Na extrema carência do que fazer, a juventude de São José freqüentava todos os domingos a Avenida pôr-do-sol – a praia joseense. Não havia um cidadão que conhecesse as avenidas Anchieta e Borba Gato, todos conheciam todo aquele trecho de frente para o Banhado, como Avenida pôr-do-sol. Os passeios, os encontros, as paqueras, os risos, desfiles, os shows eram ao pôr-do-sol do Banhado. Nossa aventura de domingo à tarde, era reunir os amigos, pegar a bike, o buzão e ir para lá encontrar com outras tribos e ficar contemplando o descortinar do dia, vendo o sol se apagar atrás da serra da mantiqueira.

Os shows da cidade aconteciam por lá também. No palco desfilavam: Marcos Flexa, Grupo revoada, Margareth Machado e outros artistas locais. O palco era sempre montado na Av. Borba Gato (a debaixo), e nós ficávamos sentados no gramado do talude que dividia as vias. Tempo bom.

Por que acabou, eu não sei. Será que crescemos e a geração seguinte trocou o pôr-do-sol do Banhado pelo messenger? Acredito que não. A verdade é que, nada acontecerá se não houver o estímulo. Esta geração – chamada de Y - vive em shoppings entupindo seus corredores e fazendo barulho, com seus celulares e notebooks. Poderia ir para lá, e ver o lindo pôr-do-sol que temos ainda.

Certa vez, ouvi de um colega de trabalho que, São José cresceu de costas para o Rio Paraíba. Não tinha me atentado a isso. Ninguém quis evocar a cidade a se voltar e contemplar o rio que corta todo seu tecido urbano. Que falta de atenção! Digo isso, agora como urbanista. Poucos são aqueles que têm memória em lembrar que o rio era navegável; suas águas caudalosas e mais limpas. Hoje, é quase uma paisagem morta, coberta por aguapés. Estamos deixando de contemplar e preservar nossas riquezas naturais. O Banhado corre o risco de ir junto nesse bojo.

Assim, como muitas cidades no mundo todo, no Rio de Janeiro, a Praia de Copacabana e o Aterro do Flamengo têm uma das pistas fechadas todos os domingos, e não pense que é para dar melhor fluidez do transito. São fechadas para virar lazer da população. E olha, estamos falando de uma cidade cujas opções de lazer são inúmeras, inclusive praias em abundância.

A pergunta é: Por que não voltar a Avenida pôr-do-sol? Naquela época a avenida tinha predominância de residências e poderia até causar mais incômodo; hoje tem mais comércio e serviços e muitos deles nem abrem aos domingos. Os eventos, como ação juventude, ruas de lazer, shows poderiam ser levados para lá, com a paisagem do banhado ao fundo, cheios de notebooks e celulares nos ouvidos.

Espero que a Avenida o pôr-do-sol volte logo; e esta juventude de hoje, possa viver aquela bela paisagem do banhado como nos dias felizes da minha juventude. Minha geração a respeitou e deixou lá, incólume.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2011.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Do batom vermelho no trabalho

LUIZ FELIPE PONDÉ


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O erro das chatinhas é supor que a percepção da beleza feminina implica em excluir a capacidade feminina

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Muitas leitoras me perguntam se sou contra a emancipação feminina. Como alguém pode ser contra uma mulher fazer o que quiser da vida e se desenvolver livremente? Ser contra a emancipação feminina é como ser contra aviões ou computadores.
O que leva muitas leitoras a pensarem que sou contra a emancipação feminina é porque não poupo o feminismo de seus excessos teóricos e de sua desmedida negação ideológica dos sofrimentos que a emancipação causou.
Não acredito na afirmação de que a sexualidade seja mero fenômeno social (teoria de gênero na sua versão "hard"), sou darwinista até a última gota de sangue: acho que nossas fêmeas (não apenas elas) carregam sobre suas almas o peso de milhares de anos de adaptação a condições específicas de cada sexo.
Por exemplo, para que serviria um macho chorão e covarde, em meio à savana africana, se escondendo atrás de "sua" fêmea grávida, no momento em que um predador fosse comê-los como janta? Para nada. Provavelmente as mais inteligentes se recusaram a reproduzir com tais frouxos. E elas legaram às suas filhas essa percepção aguda contra o macho fracassado.
Resultado, as fêmeas da espécie não suportam homens pobres, fracassados e deprimidos, mesmo que mintam por aí dizendo o contrário, porque ficou bonitinho mentir para deixar todo mundo feliz.
O pensamento público hoje em dia flerta com o jardim da infância. A mentalidade de classe média (covarde e mesquinha) devora a inteligência viril.
Lembro quando estava na sétima série do então "ensino fundamental", por volta de 1974. Estudava num colégio da elite branca de Salvador. Colégio jesuíta, que só tinha meninos. Naquele ano, os padres colocaram quatro meninas em cada classe. No ano seguinte, mais quatro. No seguinte, a sala estava cheia de meninas, todas lindas, pelo que me lembro. Com seus cabelos longos e cacheados.
Foi uma mudança cósmica. Novas hierarquias foram criadas. Os hábitos mudaram, passamos a brigar menos no recreio, não só o futebol contava, mas também com quem as meninas falavam. Quem comia o lanche com uma delas estava no paraíso.
Quem ganhava um sorriso de uma delas virava celebridade. Grande parte dos meninos morria de medo de falar com elas. Chegar perto era um ato heroico porque a indiferença era como a morte.
Os grupos de trabalho em classe disputavam cada uma delas. Grupos só de meninos eram a assinatura do fracasso.
É assim que vejo a emancipação feminina: um presente para nosso cotidiano, na escola, no trabalho, nos aeroportos, nos congressos, nas ruas. Com suas saias, calças justas, saltos altos, batons vermelhos, elas pintam nosso cotidiano com o desejo. E, com o desejo, o clássico inferno da insegurança de cada um de nós.
Imagino o horror que era trabalhar numa universidade onde todo o corpo docente fosse apenas de homens e as classes fossem cheias de rapazes. Que tédio.
Ou uma empresa onde apenas homens trabalhassem. Como seria uma reunião sem uma colega de pernas lindas resolvendo problemas sérios com um toque de charme inigualável?
Claro, as mais chatinhas me acusarão de machista quando pareço "defender" a emancipação feminina porque gosto de ver o mundo do trabalho cheio de saias curtas e batons vermelhos. Podem achar, não ligo para o que elas pensam. Dirão que sou um egoísta. Será culpa da minha mãe?
O erro das mais chatinhas está em supor que a percepção da beleza feminina implica em exclusão da percepção da capacidade feminina. Não, a beleza feminina torna a parceria com as mulheres no trabalho um oásis em meio ao deserto da violência profissional cotidiana.
Outro erro é não perceber o escopo da beleza feminina no cotidiano do trabalho. A beleza feminina inclui uma série de fatores que vai do corpo à voz doce ao dizer "bom dia", das ancas à forma sutil com que elas enxergam coisas para as quais os homens são cegos, surdos e mudos, da "intuição feminina" ao erótico de ter "um chefe" mulher.
A vida sem Eros é uma vida menor. Um mundo só de homens é em branco e preto. Prefiro o batom vermelho na boca à burca no corpo.

(Jornal Folha de São Paulo - 02/maio/2011)